Completara dezesseis anos de idade, e precisava
urgentemente de um emprego. desde os
quatorze anos eu já me sustentava.
Tinha vindo da cidade de Ibiuna, no estado
de São paulo, para a cidade de Piedade, no
mesmo estado,
sem um centavo nos bolsos.
Minha irmã mais velha me disse um dia:
-Eu arrumei-lhe um emprego na fábrica em que trabalho,
você só precisa trazer os seus documentos,
e me deu uma pequena lista.
Pela manhã, la estava eu, com o coração pulsando
pela expectativa de trabalho.
Eu nunca tinha sido registrada, embora já tivesse trabalhado
em uma lanchonete, e em uma padaria, na cidade de Ibiuna.
Então, com a possibilidade de registro em carteira,
eu me sentia muito feliz.
No dia seguinte, ja tendo onde morar, eu iniciei minha
nova experiência.
Fui morar com a mesma família em que minha irmã
morava, ficava a algumas quadras da fábrica, e nós podíamos
ir juntas para o trabalho a pé. Esta família tinha um grau de parentesco
com a minha mãe, então, ela nos acolheu com a finalidade de
que ajudássemos na manutenção da casa, tão logo recebêssemos nosso
primeiro salário.
No inicio foi muito difícil. Tão logo cheguei para trabalhar, me deram tinta
para pintar termopares.
Era um tipo de instrumento de medição e controle de temperatura. Tinha um tubo
metálico de aço galvanizado, com uma caixinha na ponta feita de alumínio fundido,
dentro dele ficava uma espécie de material trefilado também de cobre com dois condutores
elétricos. Num dos lados os fios eram encaixados em receptáculos de plastico, e do outro,
os fios eram unidos separadamente por dois bornes numa base de cerâmica fixadas por parafusos
dentro da caixinha. A minha função era pintar toda a extensão do tudo, na cor preta, e a caixinha,
na cor metálica.
Eu passava os dias pintando, uma função repetitiva e chata.
Era o que me pediam para fazer, e embora não tivesse nenhuma aptidão para lidar
com os pincéis, eu não podia recusar o trabalho.
Fiquei dias e dias pintando, ou lixando metros e metros de fios, que depois de
prontos eram enrolados e enviados para o controle de qualidade.
Nunca me colocavam para aprender a montá-los, embora, os tipos de termopares
fossem variados, e havendo naquele local, várias seções distintas.
Na casa onde eu morava também não era la grandes coisas. A noite, enquanto tentava
dormir, eu via ratos passeando por toda a casa. subiam os pilares de madeira até alcançarem
o teto, pois não havia lages.
Eles subiam e desciam como se estivessem apostando corrida, eram incontáveis, e eu
ficava acordada com medo que um deles caísse sobre minha cabeça.
Nós tomávamos banhos em uma espécie de banheira japonesa, dentro de
um pequeno cômodo. Um tambor de óleo
cortado ao meio, disposto em cima de um fogão, com a boca do lado de fora alimentada
por lenha. Quando a água esquentava, íamos um a um, compartilhando a mesma água.
Tudo tão arcaico, mesmo eu sendo do sitio, e nos banhando em bacia, nunca compartilhávamos a mesma água.
Bom! mas era o que tínhamos, e era a esta condição que eu precisava me adaptar. Até ai, tudo bem!
No trabalho, eu fiquei sabendo,depois de alguns dias. que meu chefe não estava contente comigo,
mesmo sabendo que ele mesmo não me dava nenhuma chance para aprender outras coisas, a não ser pintar... e pintar.
E na casa onde morava aconteceu algo curioso: certo dia minha irmã veio com uma conversa
de que tinha sumido dinheiro da carteira do dono da casa, e que estavam suspeitando de mim, ela
mesma sabia que não era verdade, por que naquela época eu já fumava, e era ela que comprava cigarros para mim. Então, como podia eu não ter um centavo, nem para isto, se eu realmente
estivesse roubando?
No entanto, ela me pediu para não mais voltar para lá, que eles iriam me maltratar. ela me disse
que a mulher do dono da casa sabia que. não era eu a ladra, que ela viu o seu filho mais novo
retirando dinheiro da carteira de seu marido, mas que, ela não podia falar, senão, ela não sabia
o que aconteceria com o menino.
E eu levei a culpa, e fiquei na rua. Estava apavorada, não podia voltar para casa de minha
mãe, era muito longe. também não podia, simplesmente, abandonar o serviço, minha única
fonte de renda.
Aconteceu que, uma amiga saiu comigo após o trabalho, e nós conseguimos encontrar um novo
lugar para eu ficar. Desta vez, era no centro da cidade, numa casa limpinha, longe
dos ratos que tanto me assombraram.
Morava nesta casa uma bela senhorinha, com seu marido e um casal de filhos. Eu dormiria no sofá
da sala, e pagaria para ela uma quantia mensal em dinheiro.
No primeiro dia, me senti deslocada e muito sem jeito, afinal, estava num ambiente
totalmente desconhecido.
Bom! lá na fábrica, as coisas começavam a melhorar, o chefe saiu de férias, e milagrosamente,
deixou um moço em seu lugar, foi bem mais fácil fazê-lo compreender que eu não queria ser despedida sem mostrar o meu potencial. Então, o convenci a me ensinar outros tipos
de trabalho, como descascar fios, lixar as emendas de soldas, colocar pote e resinas nas pontas,
fazer ligações em receptores e etc..
Primeiro mês, primeiro salário, nada exorbitante, mas funcional, Dava para pagar minha
estadia e ainda me sobrava algum.
Mas, novamente, a sorte não me sorria tão facilmente,
Quando dava um bom passo, logo vinha mais um tropeço.
O filho da dona da casa logo se engraçou comigo, e fazia de tudo para
me namorar, e eu, sem noção, comecei a sair com ele, nada de pouca vergonha, apenas alguns beijinhos.
Eu tinha uma certa vergonha dele, pois ele tinha alguns dentes podres na boca, então,
quando saímos juntos, eu ficava evitando passar por gente conhecida, e logo,
isto me cansou.
Bom! Em pouca idade a gente logo se distrai, e comigo não foi diferente. Uma noite sai
com minhas amigas, lógico que não contei nada para o moço. Estávamos em uma lanchonete,
quando um lindo rapaz se aproximou de mim, e eu, me apaixonei, essas paixões de três
horas. Rolou alguns beijinhos, e , depois de algum tempo,, o outro mocinho que namorava, filho da casa onde morava, apareceu na porta, olhou-me
com raiva, e com razão, saiu batendo os pés.
Eu continuei na companhia da minha conquista, nos beijamos muito, e ele se ofereceu para
levar-me para casa. Fomos a pé, pois não era muito longe, eu estava tão feliz.
Nos despedimos na porta, sem nenhuma razão para fazermos promessas.
Quando entrei, a minha mala, literalmente, já estava pronta. A senhorinha olhava para mim e dizia:
-Você precisa ir embora, não pode mais ficar aqui!
Eu tentava fazê-la
entender que já estava tarde, pra onde eu iria aquela hora da noite?
Eu dizia: Não entendo? como a Senhora vai se deixar levar pela conversa do seu filho,
a Senhora é quem manda aqui, ou não?
Mas não adiantou, ela não levou minha conversa a sério: Disse que seu filho não mais me queria naquela casa, e que, deixaria eu dormir ali, apenas naquela noite, e que no dia seguinte, ela
queria me ver longe.
Então, como ainda era cedo, eu fui até a casa de uma amiga e lhe contei o acontecido. Ela me
disse que não podia me ajudar, fomos a vários lugares para encontrar um outro lugar e... nada!
No dia seguinte, passamos a consultar várias pessoas na fábrica, e por pura sorte, uma menina
me ofereceu lugar em sua casa. Ela morava sozinha num quartinho, e me pediu para comprar
um colchão, e que poderia dormir ali. desde, que, é claro, que eu pagasse a metade do aluguel.
No fim do expediente, passei na casa da senhorinha, paguei-lhe o que devia, peguei meus
poucos pertences. me despedi agradecida, e sai.
Ao chegar em minha nova casa, a terceira em apenas dois meses. vi que era bem pequenininha, ficava
numa barroca, bem abaixo da rua. de parede e assoalho de madeira. Pelo menos tinha um
tanque onde eu podia lavar minhas roupas, e só....
Comprei um colchão e passei a dormir sobre ele, quase não comia nada substancial, apenas algum
sanduíche comprado no bar da rua.
Quando chegava do trabalho, lá eu ficava deitada ao chão, o que me separava dele, era apenas meu colchão. Tudo muito triste e vazio.
Comprei um radinho a pilha, e então, saia um pouco daquela vida tão solitária.
A amiga que morava comigo, saia muito, pois começou a namorar, e seu namorado acabou alugando
um quarto no porão da casa principal, que dava de frente com nosso quartinho, então, quando chegava do trabalho, ela ficava com ele quase que todo o tempo.
No meu trabalho.tudo ia bem, eu já dominava a arte de fabricação de termopares, até já tinha minha própria seção, pois quando, o chefe voltou de suas férias, eu já tinha aprendido muito.
Passaram-se alguns meses até que minha amiga, aquela que dividia o aluguel comigo, sumiu!
quase que, nem aparecia mais. eu então, fiquei sozinha. E numa tarde, quando eu voltava para casa,
conheci uma menina que também trabalhava na fábrica, ela morava numa rua paralela a minha, e
conversando com ela a respeito da minha solidão, ela me ofereceu um lugar em sua casa. Disse-me
que seu irmão mais velho ia se casar, e que se, eu quisesse, eu podia dormir na cama que ficaria vazia.
Quando seu irmão se casou, eu fui para a casa dela. Lá, então, eu tive um pouco de sossego, pagava mensalmente uma quantia para a sua mãe, e em troca, ela fazia uma marmita para levar para
o almoço na fábrica, e também me fornecia o café da manhã e o jantar.
Fiquei com eles por dois anos, para depois vir morar com minha irmã mais velha em Sorocaba, até
me casar e formar minha família.
Trabalhei na mesma fábrica por nove anos e meio, provando assim, para mim mesma, a minha capacidade de aprender.
Neste meio tempo, voltei a estudar, concluindo o ensino fundamental.
Herta Fischer
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Transferência de um bem
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