Total de visualizações de página

Lá onde aconteceu

  Busquei em vão o que não achei, a maquina do tempo não funciona. Leva-me na alça de seu estalo Já foi, foi mesmo. Em que sala se entrega,...

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Heroína dos meus dias

Desenvolveu-se no organismo da minha mãe a doença
da tuberculose, para quem não sabe, a tuberculose é um vírus
que entra nas vias respiratórias, e tanto pode tomar o caminho do pulmão,
quanto pode tomar o caminho da corrente sanguínea  e se alojar em outros órgãos.
No caso da minha mãe, o vírus se alojou nos rins.
Na época, os médicos eram escassos, só os ricos tinham acesso a saúde.
Os pobres tinham que se virar como podiam, Era comum alguém morrer
por uma simples amidalite!
Costumava-se recorrer á curandeiros, e é o que meu pai fazia
quando minha mãe ficava mal.
O dito "curandeiro, colocava sua mão sobre o corpo, e dizia algumas
palavras cochichadas e pronto: o problema estava resolvido. Recomendava um
chá de folhas de abacateiro e cabelo de milho, que o paciente rezava todos os dias.
E assim minha mãe seguiu a sua sina.
Mesmo com dores insuportáveis ela nunca deixou de lutar. Criou seus cinco filhos
sem nenhuma reclamação,
Se ela tinha seus conflitos internos, nunca deixou-nos perceber. Se as vezes, sentia
cansaço, nunca deixou transparecer.
Era tão sofrida sua vida, com tantos afazeres, poucas horas de descanso, poucos momentos de prazer.
No entanto, nunca deixava que a tristeza tomasse conta, sua alegria era visível, até mesmo a ponto
de não sabermos de sua doença.
As vezes meu pai a levava para algum lugar e nos deixava aos cuidados de outra pessoa, só
para que a gente não soubesse das coisas de adulto.
E por muitos anos ficamos alheios a tudo que acontecia.
Eramos família, estávamos todos juntos, isto era fato. O restante do mundo era somente
aquilo que ouvíamos, as vezes, entre uma conversa e outra, dos meus pais e seus amigos.
Se a minha mãe sofria? Acho que não!
Ela nunca nos falou de sofrimentos, nunca nos amedrontou contando
seus medos.
Era como um anjo vivendo entre os mortais, vivendo como os mortais.
Tinha os cabelos negros cacheados, olhos amendoados reluzentes, era pequena em estatura, magra e elegante:  coberta por vestidinhos de chita. Não usava maquiagem, olhar sereno e indecifrável.
Um invejável senso de responsabilidade, sem nenhum tipo de vangloria, uma mulher como poucas.
A primeira a se levantar e a última a ir para a cama. Nunca pediu nada aos outros, mas, estava sempre presente quando dela precisavam.
Mulher valente,  nunca teve medo de enfrentar reveses.: Muito pelo contrario, sempre disposta, sempre coerente,.
Pena que eu não tive a chance de dizer o quanto a admirava.
Ela se foi no inverno, quando ainda a semente dormia, não deu tempo de despertar em mim, o entendimento das coisas.
Tantas coisas eu te diria, mas, agora soa vazio, não pode mais me ouvir.
Eu conto a sua história, mais como reavivamento de memória, e talvez, para me lembrar que, em muitas situações eu preciso ser como você!
Dormiu quando a dor se tornou tão forte, e não mais despertou, porque viveu mais do que morreu,
pois de morte nunca falou, e de vida só transmitiu...
Herta Fischer








Sempre de olho na falta

E ainda hoje ajo como uma criança
a fazer beicinho.
Se tenho você ao meu lado, eu
nem me dou conta, mas, a sua
ausência me fere!
É como se o não ter fosse
mais importante que o ter.
Talvez seja por isso que dormimos
á noite, e perdemos todo
espetáculo que a lua e as estrelas
trazem.
O que não temos e desejamos
não sai da mente, esquecemos facilmente
coisas no armário.
O movimento esta nos desejos irrealizáveis,
mais do que o que temos por perto.
Por isso é tão doce os frutos de temporão,
 por serem escassos.
A maior frustração está em se ter tudo e não ter
mais o que desejar, dai começa-se a buscar
outros tipos de prazeres, ensaiando outros
para fazerem parte da peça.
Seria tão bom aproveitar o que temos,
só que não: Se não houver ondas maiores
 não pode  haver diversão.
 Herta Fischer

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Rodopiando

Ainda rasgo o dia como papel molhado
a escrever em lágrimas
A altura das minhas preces nem alcanço.
sou uma medida de fé, outra
de retiro,
Talvez a passagem seja tão estreita
que seria preciso me arrastar ao cabível
senso ensolarado do outro lado.
Cada momento, cada lua nova me traz
 de volta a realidade, mas, me perco
mesmo é na escuridão do olhar.
Sou casada com minha historia,
mas, marido nem tenho.
Sou livre e acorrentada ao mesmo tempo,
pois ainda não aprendi como aproveitar
a vida como se deve!

Herta Fischer


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Parece que é, mas, é ilusão

Da para ver aqui de casa o nada
se expandindo: amontoados de tijolos, grades nas janelas, gente e animais enclausurados.
A doença mais perigosa que existe é a solidão, cada vez mais expressiva em todas as esquinas.
O contar historia se resumiu em palavras indefinidas que falam mais de miséria, de assassinatos, de vandalismo em redes sociais. Olho no olho, olhos ardendo diante da luz do computador. Cada vez mais fraca a nossa voz, cada vez mais preocupante a falta de incentivo, a falta de corretivo, a falta de compreensão, quando as palavras se perdem ao vento na tentativa de aproximação.
Alguma classe se destaca por ser assim ou assado, enquanto uma maioria sofre descriminações no trabalho, em casa, na rua, enfim. Não se olha mais para o todo. só para algumas frações legitimadas por uma lei que, embora seja contra a
descriminação, se torna tanto ou mais preconceituosa em relação aos demais. Não olha de fato para outros tipos de necessidades urgentes. Como o trabalho escravo que não é só estendidos aos negros e nem é tratado como antigamente, mas, é tão feroz quanto:- Em alguns setores, quase que se tem que pagar para trabalhar. As chibatas estão no teto, como olhos mágicos atento ao que você faz ou diz. Tudo o que você fizer de errado é você quem tem que pagar. O patrão é a lei, e o culpado é sempre o trabalhador. Não importa em quais condições trabalha. E ninguém se importa! Tão bom seria a bondade voltada á quem realmente precisa, e não só estendida a quem busca prazer....
Herta Fischer

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Apenas lembrança


Havia uma estradinha, sim, uma
estradinha estreita sobre um céu de anil.
Empoeirada e esquecida no meio do nada,
poucos se habilitavam a passar por ela.
Nenhum cuidado havia, nenhuma forma de
asfalto, a não ser a densa margem coberta
por um verde, que de vez em quando floria.
E se estendia até um belo riacho, onde os
peixes,sem falsa modéstia, se proliferavam.
Havia infinidades deles, nenhum anzol a espreitar,
Também levava a uma casinha feita de amor,
coberta por espessas folhas de sapé, onde Dona Vicentina
morava com seus amados gatos.
Uma estradinha, meiga e delicada,
por onde não passava carros, apenas crianças
acompanhadas por seus pais, corriam felizes sobre ela,
como se ela própria trouxesse alegria.
Era uma vez!
Não! Foi uma vez. Houve dia e houve noite,
Ela existiu e trabalhou fazendo farinha em seu monjolo
encantado, cuja batida no pilão contava
suas historias.
Sobre a mata densa, árvores batiam palmas, enquanto
os bijus saiam quentinhos do forno.
E o céu entre os galhos misturavam-se em cores de azul anil e verde,
e a Senhorinha se abaixava entre sacos de milhos e farinha.
E á água cantava em júbilo lá pelas tantas, enquanto caia
em seu cocho, e levava a energia do pilão
a fazer sua órbita. Vai e vem!
O trilho que se abria entre as pedras, a maravilhosa
visão do lago ao redor, a cachoeira, a bica, e dona Vicentina, Um quadro
surreal, dá para cantar em versos.
Tom pocotom!
Lá vem o canto em conto
o grito do milho amassado
O amido a se transformar
e Dona Vicentina
a trabalhar.
Hoje só tem rastro de saudade, uma picada
de árvores cortadas, uma casinha
derrubada, o buraco entre a cachoeira
e o pilão, não mais monjolo
não mais canção.

Herta Fischer




Passagem de ida

- "A esperança é a última que morre!" -
dizia rosinha:
A Sua mãe á olhava de soslaio,
quase a duvidar de suas palavras.
Estou quase a morrer junto com ela! Completou:
Dias e dias a caçá-la por dentro, ou melhor, anos, talvez!
-Essa doença não tem cura, Rosinha!
Não é falta de esperança, é vida ou morte!
_ Eu sei minha mãe, só que, desgasta
a gente, deixa uma melancólica sensação
de desuso!
-Desuso, que palavra mais deprimente!
-E a vida não o é?
- Não Rosinha, a vida  é maravilhosa
com a gente, só que o corpo
que nasce fraco, se desgasta mais rápido!
-E tinha que ser comigo?
- Não é com você, não tem nada de
castigo nisto, é a natureza!
_Minha natureza, mãe!
- Sim, a sua, porque você vive nele, tem consciência
disso, mas, poderia ser outra, ou outro, porque não?
_ você tem cada ideia mãe. É lógico
que sou eu, eu sinto!
-E eu também, talvez, até mais que você, sinto-me
até um tanto culpada.!
-Culpada de quê,
de ter me gerado?
- Sim! Se não tivesse te gerado, essa doença não existiria
dentro de você, eu não precisaria te ver sofrendo desse jeito!
- Ah!!! Não gosto dessa conversa!
- Todos morreremos algum dia, mais cedo ou mais tarde,
eu poderia carregar todas as suas dores se pudesse!
_ Mas, você não pode! E eu, ainda não morri. Se
estivesse morta, nem estaríamos tendo
essa conversa!
- Verdade!
- Então, vamos sair por ai, andar sem rumo pelos campos,
talvez seja isso de que precisamos!
- Espere, vou buscar os chapéus!
Mãe e filha se deram as mãos, trancaram as portas e foram
andando pelas trilhas da solidão.
Ambas sabiam que o fim era eminente, mas,
porque sofrer antes da hora, porque ficar cavando
feridas, quando podiam aproveitar os bons
momentos que ainda restava.
- Sabe, filha! - Sua mãe lhe falou de mansinho,
não querendo quebrar aquele silêncio gostoso
que fazia lá entre as matas e a estradinha caprichosa
e pedregosa.
_ Eu nunca me arrependi de ter você, Nunca!
E mesmo agora, com essa doença limitando a sua
desenvoltura, mesmo assim, me sinto muito
feliz á seu lado. É uma parte minha, um
pedaço de sonho realizado por Deus!
Talvez seja um sonho breve, mas os sonhos
breves são mais intensos. E o meu amor
por você vai além de tudo que já vivemos.
Cada dia que você conquistava algo: fosse
a descoberta de uma nova palavrinha, ou
um passinho um pouco mais equilibrado,
  transmitia mim uma felicidade indescritível.
Pouco ou muito, você foi a minha descoberta mais bonita.
Ver alguém se desenvolver dentro de mim,
crescendo e se mexendo, existindo a partir
do nada. agora me faz entender que do nada
podemos sentir e adquirir tantas coisas.
Que não faz diferença a presença, se temos
um sentimento em relação á algo.
Hoje você está aqui comigo, estamos andando
de mãos dadas, porque você está doente,
ou melhor: não é você que esta doente,
mas o seu corpo!
_ E não é tudo a mesma coisa?
- Não! não é!
Tanto não é, que podemos conversar!
Se fosse você á estar doente, não poderíamos fazer isso. Você,
por certo, não
entenderia  sobre o que estou falando, e também não
poderia expressar seus sentimentos.
Mesmo que você se despeça algum dia,
mesmo que não reste nenhuma lembrança sua,
mesmo assim, você será uma parte!
Como assim?
A parte de um todo nos planos Divino,
que não sabemos bem qual é. Mas estamos
visíveis ao mundo visível, será que é só isto?
Eu creio que não!
-Eu também creio, mamãe, e por certo, um
dia, quando realmente nos tornarmos
algo mais que simplesmente corpo que
morre e passa, algo que subsista, eu também
possa estar no meio, porque assim como vivo,
outros viveram, vive e viverão, mas, que, também morrerão,
então, porque não?
- Você é algo que subsiste, minha filha!
Essa alma ou espírito que habita ai dentro, com
essa riqueza toda, cheia de energia e vibrações,
que o corpo carrega, que nunca se cansa de ser, ouvir e falar.
Que não pensa em morrer,  mesmo em face a morte,
 quase a sucumbir ante ela, com dores e prantos
encerrados numa doença sem cura, ainda consegue
nutrir tamanha vida dentro de si.
O corpo definha dia a dia, no entanto, o alimento
que nutre a sua esperança ainda se renova apesar de tudo!
- Verdade! Se eu pudesse descrever a sensação que
sinto aqui dentro, se eu pudesse descrever o medo
em relação ao que será depois, e também o alivio
á que estou sendo inspirada, é uma confusão tremenda,
mas também  há uma paz renovadora!
Eu estou aqui, despojada de sentimentalismos baratos,
longe de qualquer vaidade extrema, apenas pensando
em viver o dia, como um presente, mesmo
sabendo que muitos não tiveram esse privilégio.
Se eu tiver que deixar isto tudo amanhã, só
penso na sua dor!
- Minha dor, menina! Minha dor e te ver se arrastando,
e sentir a sua dor quando esta em crise, quando nem
eu e nem os remédios te bastam!
É logico que penso em milagre todos os dias, que mais do que ninguém,
 se pudesse,  transferiria para mim o teu mal.
Mas, é só o seu corpo, algo que nasceu da terra, algo
que pertence a ela, que voltará para ela!
- É isso que me da alento, saber que não tenho
poder algum sobre nada, que não verei meu ultimo
suspiro. Assim como
não vi a minha chegada!
- Não vamos mais falar sobre isso, amada!
O dia e a luz nos presenteia neste exato momento,
e é só isto que importa. O amanhã
se fará, de qualquer forma em todos os cantos,
e será amanhã, apenas um amanhã que nunca chega,
porque se veste de hoje, e hoje sempre será,
até a última gota, o existir comporta olhos
abertos, consciência dentro de tudo, até que a alma
adormeça dentro de um poema qualquer, e o
corpo que nada é, volte a ser como antes,
apenas um nada a esperar... E
se faz como tudo que é!

Herta Fischer