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Lá onde aconteceu

  Busquei em vão o que não achei, a maquina do tempo não funciona. Leva-me na alça de seu estalo Já foi, foi mesmo. Em que sala se entrega,...

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Família João de barro

Meu nascimento foi difícil, dizia minha mãe:
Alcancei quatro quilos, e para sair deu muito trabalho.
Era um sitiozinho, longe de tudo, entre densas matas, para
se chegar a estrada, era preciso caminhar sobre trilhos de cavalos.
Por sorte, minha mãe tinha uma vizinha, ela morava quase
 que no quintal da nossa casa. Se é que dava para chamar aquilo
de casa.
Minha vizinha chamou a parteira, uma mulher idosa que
morava a uns dois quilômetros de casa, foi então que, no
sétimo dia do mês de dezembro, numa casinha pequenina,
em um quarto sem janelas, sobre a luz de uma lamparina, eu
dei o meu primeiro grito de liberdade.
Ficava o tempo todo enrolada em panos, em ver a luz do sol
por sete dias.
No décimo quarto dia do mês, minha mãe saiu de dentro da casa
e me levou para conhecer a luz.
Tudo era novidade, a luz penetrava em meus olhos, obrigando-me
 a fechá-los quase que instintivamente.Minhas mãos lutavam
para  se desvencilhar do tecido que m,e amarrava, e por mais
esforços que fazia, não conseguia libertá-la.
Depois de um mês de vida, enfim, pude sair do casulo
de tecido, e passei a ter mais liberdade de movimento.
Já podia enfim, ver meus irmãos mais velhos correndo
no imenso quintal, sorrindo por qualquer motivo.
Fui aprendendo aos poucos, a razão de viver, momentaneamente,
apenas recebendo de minha mãe o necessário.
E que necessário abençoado. Tinha fome, lá estava a fonte
de leite jorrando em minha boca até saciar-me. Tinha tudo,
nada me faltava.
Em minha pequena casinha, me sentia como filhotinho de João de barro,
satisfeita em meu ninho.
De quando em quando, eu acordava e colocava minha cabecinha para fora
e resmungando conseguia o que queria. Lá estava a Dona Tereza de barro, pronta
para me satisfazer na maciez do amor materno.
Enquanto o Senhor Hugo de barro saia para buscar alimento,
 a dona Tereza de barro fazia a limpeza da casa e cuidava dos Joãozinho e
Joanas.
Que maravilhosa descoberta foi esta, quando eu descobri minha linda
família, toda arrumadinha, toda feliz em nosso pequeno mundo de
terra.
Que maravilhosa promessa, quando como João de barro, nosso pai
construiu o nosso ninho, todo enfeitado de luz. Fogãozinho também
de barro, lenha  no fogo, estalando como que cantando hinos, trazia
para nós o calor do amor.
Amo pensar em como tudo aconteceu, não sei ao certo, só do que me lembro,
e o que me lembro, me enche de orgulho.
Lá eu aprendi, que precisamos de tão pouco para ser feliz, Apenas dois corações
em sintonia faz a vida imensa, que no pouco a felicidade é mais constante.
Lavar roupas no rio, debaixo da sombra de uma jabuticabeira, sobre o canto
da bica de telha, que despeja a água que vem de longe, suave e hospitaleira,
nunca se desgasta, nem se cansa de servir.
E naquele manso regato tão minúsculo, a benção da água pura, que hoje não
mais se conhece. Sobre a sombra da jabuticabeira, criancinhas eram felizes.
O caminho marcado por passos que ali passavam por anos, a casinha cuja única
beleza era que vinha da terra, de terra batida e molhada amando a madeira enlaçada.
E os pássaros cantando enternecidos com as gargalhadas sonoras de quem
realmente sabe sorrir,  Eramos todos irmãos: a mata. os pássaros, a terra, a água,
a vizinha com seus filhos, a mãe, o pai, a semente que nos sustentava, e nós,
invencíveis donos de tudo.
Herta Fischer












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