La na minha rocinha, havia casa de taipa, jabuticabeira e pessegueiro,
Havia riqueza na horta, galinhas além da conta e porcos dentro do chiqueiro
Quando alguma visita chegava, horas não se bastava, meia noite era criança, e muitos causos se contava.
Mamãe e papai se olhavam, com muita delicadeza, crianças, lá fora, brincavam, sem conhecer safadeza.
Dias benditos de toda sorte, alegria de sul a norte, vida boa sem corte, nem prescindíamos a morte.
Nas noturnas trevas, dormíamos, ao sol nascer, possuíamos,
grades não conhecíamos.
Camas em um só quarto, sala sem sofá e sem cadeira, o pilão a descansar no canto, o fogão a esquentar chaleira.
A lua era nosso guia, o sol, nosso irmão, a roça nosso sustento,
a proteção vinha de um cão.
A enxada na mão calejada, a água da ribanceira, quando o barranco as empurrava, se transformava em cachoeira.
O balanço eram as ramadas, a gangorra, uma tora, em forca, amarrada, a alegria emergia, quando se fazia gargalhada.
Sem ferir ou se ferir, tudo se consumava, nada era desperdiçado - nem o frango em seu poleiro, nem o gado na invernada.
Os sapos a fazer serenata, em cima de juncos e ciscos, encantando sua amada, A noite, musica sertaneja, e galo cantando de madrugada.
Poeira de rua de terra, machado no lugar de serra, tudo era paz, nada de guerra.
Trabalho não era problema, amor era o emblema, tudo benção, nenhuma blasfêmia.
A coruja melindrosa, na cunheira agourava, contava de algum acontecimento distante, logo a noticia má chegava.
A madrugada rompia o escuro, a gota de orvalho secava, a cama nos expulsava e o cheiro de café despertava.
Hospitaleira as plantas, remédio que até curava, farmácia a céu aberto, ferida cicatrizava.
Horas que iam e vinham, nenhum incomodo deixava, o caminho era longo, porém, nunca cansava.
Tudo a mercê do destino - Frutos, campanas e favas.
Eu, que nascia no meio, cavalo usando arreio, trigo virando centeio.
Arrozal brotando em águas, feijão na sombra do milho e cebola em canteiro.
Tudo puro e cristalino, loucura não existia. No plano já edificado, justiça lá se fazia.
O tempo em sua jornada, a vida levando pra frente, alma leve e alva, transbordava saúde na mente.
Santo e justo é o caminho, simplicidade é constante, nada de carro encostado, quando o pé é viajante.
Assim passavam-se os dias, devagar e sem nenhuma pressa, na escuridão se dormia, acordando com o sol em festa.
De dia, o trabalho ardia, a noite se descansava e Deus do céu nos olhava.
Hertinha Fischer