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Lá onde aconteceu

  Busquei em vão o que não achei, a maquina do tempo não funciona. Leva-me na alça de seu estalo Já foi, foi mesmo. Em que sala se entrega,...

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Apanhadores do simples

 Eu estava com meu vestidinho de festa, de um azul supremo, com enfeites de cianinha branca, nas mangas e nas bordas da saia rodada. meus pés vestidos com sapatinhos novinhos, de plástico, também azul, com um tom mais ousado que o vestido, realçado com a beleza de uma fivela dourada.

E ia deslizando com sabor a vida, saltitante nas estradinhas de cristal.
As beiradas, delicadas framboesas adocicavam o ar de respirar, entre espinhos que as defendiam de mim.
Abaixo dos pés plastificados, havia certa maciez a desejar, poeiras frescas se despregavam dos seus torrões de terra batida, sem bermas definidas, com muitas silvas e terrenos acidentados, onde se enchiam de alegrias ao passos dos viajantes.
Até serem calcificadas por pegadas.
A pureza de menina que sentia em cada passo a honra de pisar, as, vezes, pulando com uma perna só, noutras, de passos cruzados, rumo a escolinha dos sonhos, que nem morava muito longe, apenas a alguns quilômetros de sabedoria. Levava a bolsa de pano com alça, agarrada ao pescoço, como se levasse, dentro dela, um tesouro, embora, o tesouro, consistisse apenas de um caderno de brochura, um lápis e uma borracha.
E como era robusto aquele sonho de sonhar.
Letras dançavam nas placas, as beiras, realçadas pela sede de aprender.
O éle (L) ou Erre (R) , entre uma consoante e uma vogal seria um enigma a desvendar. Era preciso treinar a língua.
O levantar cedo tinha magia, o sair com a lua a lançar lágrimas sobre a relva, molhando as pontas dos dedos, era a lógica do deleite.
O sincronismo do substantivo coletivo surreal.
Combinava, fundia, se ligava, juntava e agregava.
O ar, o sereno, a terra, a estradinha, eu, a escola, a ida, a volta.
E a minha casinha, sentada lá embaixo, também adornada de terra, a me esperar com as portas, escancaradas, cheias de ternura por dentro.
Não me canso de sentir saudades.
Hertinha Fischer

sábado, 20 de janeiro de 2024

Logo depois, vento

 E o dia que ontem era hoje, futuro presente, passado.

E o tempo que nunca distante, sempre a frente,
de trás pra frente
E nós que fomos e somos, mistura de tantos fores e seres
Cinzas em potes quebrados, ruinas, em terra, encerrados.
Que livre que somos e sumos, vaidade de fogos e fumos
Sumindo entre rimas e rumos, do inteiro, só bagaços sem sumo.
Saudade de ires e vires, Volta a volta, voltando, indo e o tempo, cobrando. Quem se terá no após, quem se dará no depois,
doravante, quem fomos ou somos,
E a que tempo nós nos compomos?
Hertinha Fischer.

Tempo e novidade

 Gosto do inédito, o inédito não cansa.

Uso as asas da consciência para plainar nos bons gostos do viver. Gero frutos enquanto durmo e acordada degusto.
Não sou quatro estações, sou mais cautelosa em mudar.
Geralmente estudo as correntes, para que não venha a fluir contra a correnteza.
Sou tartarinho, uma mistura de tartaruga e passarinho. Uso minhas asas devagarinho.
Nem impressa, nem publicada, nem exibida.
Hertinha Fischer.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Seriema da periferia

 Meus sonhos sempre moraram em periferia. Amava cantar

aos pássaros enquanto eles assobiavam.

Passeava entre os bananais, atiçando as folhas secas

para que elas dançassem sobre meus pés.

Tinha um gosto por terra, minhas unhas recebiam

suas cores entre as entranhas. Esmaltadas com barro.

Ia e vinha, a pé, fazia longas viagens dentro da minha cabeça

Ousava acompanhar o crescimento das plantas, crescia com elas, embora,

elas fossem arrancadas mais cedo do que esperava. Também fui arrancada tempos depois.

Subi para o alto, troquei o barro por salto.

As travessias entre pedras nos rios, risos de águas deslizantes, para asfalto seco e frio.

Saudade da periferia do bairro. Escolinha a céu aberto, professora se chamava terra.

Cidade triste e calada, invernada sem bois. passarinhos sem casa, eu, sem asa.

Ainda me refresco em meus rios imaginários, pinto a imaginação com as cores da saudade.

Dizem que não tem nada lá. É verdade! 

Por isso a memória grava os instantes. E a saudade trás de volta grandes recordações. 

Das serenatas dos grilos, do encanto da terra a engolir historias.

Das manhãs maliciosas,  apanhando com as mãos, o sereno do céu.

Das estrelas que descem para sondar a esperança do sertanejo que dorme,

Dos pássaros noturnos que cantam para as sementes que despertam e crescem.

Das doces alegrias a conquistar pouca e preciosas coisas, 

No pouco, há um sabor de vitória, cada grão tem sua glória.


Hertinha Fischer







sábado, 13 de janeiro de 2024

Cara ou coroa

 Tem um cansaço aqui dentro, daqueles que nem se sabe de onde vem.

Algo como carregar peso invisível nas costas, nas pernas, na vida.
Será o peso do tempo, ou o peso da experiência?
Vivemos mais cansados do que antes - falta de conversas animadas, ou falta de animação do viver.
Tudo nos parece mais triste, Nem mesmo as árvores frutíferas estão a produzir com alegria.
Os cães que saiam para caçar, correndo e farejando, latindo de tanta alegria, apenas rosnam a beira de suas cadeias ideológicas. Homens que andavam pelas ruas, aspirando o ar fresco pela manhã, ficam por horas enlatados no transito.
No trabalho, ao invés de ativar o cérebro, ativam a mecânica - São controlados pela máquina.
Esse cansaço acaba contaminando rios, gente, mata, vidas.
Os olhares, antes tão cheios de ternura, claramente, anuviados por um véu de subtração.
Ouro de tolo a submergir da esperança.
Por onde for é pichação - Prédios, escola, ruas, gente.
O mundo se tornou um buraco negro, vai engolindo tudo. Ainda se produz, mas, a produção foi alterada, Já não é o que foi.
Até o simples se complicou.
Mercado de almas adotando povo.
Povo se consumindo a procura de algum prazer.
A luxuria a competir com a vida, o dinheiro comprando os miseráveis ricos, e os opulentos pobres a desejar o chão.
Hertinha Fischer.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Meu cérebro tem fome

 Nunca ajuizei. Carrego muitas letras, dentro do peito, que se transformam em coreografias alfabéticas. Os ideais são meus, contados em pequenos trechos, Não espero que todos compreendam, nem se avexem, quando não compreendem. Não sou letrada de nascença. Tive muita dificuldade para aprender e continuo, através, da prática, a desenvolver alguma forma de manter o cérebro funcionando.

Hertinha Fischer.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Alma em dormência

 Tenho tudo aqui dentro de minha cabeça:

Um lindo lago azul, ladeado de flores coloridas, um cisne branco a brincar de navegar.
Tenho também um pequeno chalé, onde cabem, todas as coisas que preciso.
Tenho em meu terreno, imensas árvores, que jorram alegrias pelas folhas e os doces caminhos que se abrem de dia e a noite, para me, sossegar, ao andar ou dormir.
Tenho amigos imaginários que gostam de contos, Não falam, mas, ouvem, tudo o que declamo no silêncio, apreciam as histórias que invento.
Tenho Deus passando de quando em quando, assim como fazia com Adão. Posso senti-lo, no ar que respiro, e nas vezes em que realizo algum trabalho, ou, ainda quando choro de saudade de alguém. Sinto seu cheiro nas lágrimas.
Tenho também, a rodear-me, o aconchego das horas que passam, livremente, assim como pássaros a voar sobre a magia da sobrevivência.
Não tenho nada para mostrar, á não ser, coisas, que, em algum momento, se jogam fora.
Tenho a certeza de que vou, até onde?
Minha decadência corporal é irrelevante, pois, almejo, lugar onde o corpo é inútil. Aqui ainda preciso alcançar coisas com as mãos, andar com os pés e procurar com os olhos. Para onde vou, atravesso tempo e espaço. E me alegro por dentro, onde sou semente.
Hertinha Fischer.