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Ciranda noturna

  E as formosas tardes, roubando o encanto da manhã, A sorrir sol entre as árvores Meu recanto, colorindo a relva com giz amarelo. E a luz s...

quarta-feira, 4 de março de 2015

A beleza do dever cumprido

Vivi minha infância de medo, sobre as rédeas
da servidão.
Não podia falar de tudo, nem viver a minha
moda. tudo tinha que ser conforme meu pai
queria, e nem sabia, como, e o quê, ele queria.
Tinha que adivinhar no olhar, aquilo que ele pensava,
para aprender, errando as escondidas.
Eu aprendi, observando! como os filhotes de animais fazem.
Quando fazia algo de que ele não gostava, sabia pelo rosnado.
Observávamos as estrelas a luz do luar, cada um no seu mundo, mas
em contato um com o outro.
Tudo o que ele fazia, eu fazia parte, com olhos atentos e boa percepção.
 e como foi difícil quando
precisei andar sozinha.
Eu raramente sabia o que fazer. mas de tanto observá-lo, desenvolvi
uma forma especial de defesa.
Hoje, talvez eu o entenda, pois sou mãe, e vejo o quanto foi
difícil para ele, nos proteger.
Ele fez o que devia fazer, baseando na educação que havia recebido,
deu o seu melhor.
Minha mãe, só o acompanhou, como uma mulher íntegra e fiel, não
abria a boca, estava atenta o tempo todo, sem recriminações.
Eu aprendi muito com ela, a se dar, e não esperar nada em troca.
Me lembro bem quando ficou doente, raramente ficava sentada, sempre
pronta a servir, nunca cobrava nada. Se não fizessem, ela fazia.
Estava sempre pronta, não conhecia preguiça. Então, quando a vi, sentada
e desanimada, sabia que chegara o fim.
A levamos ao médico, e surpreendentemente, já havia perdido os dois rins,
Eu fico imaginando como ela conseguiu superar a dor, não permitindo sequer
que soubéssemos. Nos poupou até o último momento, quando já com a boca seca, não
podia mais absorver água.
Eu estava lá, como sempre, cuidando dela a minha maneira, colocando algodão embebido,
pingando leite em sua boca, para não vê-la morrer a míngua.
Foi a última vez que a vi consciente, foi para o hospital, ficou desacordada tomando soro.
Uma semana, por uma semana ainda aguentou, sem uma palavra desonrosa, numa
súplica silenciosa, apenas olhava-nos com amor.
No dia dezesseis de junho de 1979 ela veio a falecer, sozinha, sem ninguém a segurar-lhe as mãos,
até mesmo neste momento de agonia, quando a morte lhe chegava as portas, eu acredito
que sorriu ternamente, pois é o que ela sempre fez.
Foi acolhida, assim como sempre acolheu, amou-nos mais do que a ela mesma, nunca ouvi
de sua boca nem uma palavra sequer de reclamação.
Se entregou a vida, de braços abertos, e de braços abertos, aceitou a despedida, e como
um anjo, dormiu em seu leito de morte, tão serena, quanto serenamente absorveu o
conteúdo do cálice que para ela foi preparado.
Deixou vários pedacinhos, para que fossem a sua continuidade, eu sou um
desses pedaços.

Herta Fischer



















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