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Eu dando vida as coisas

  E o caminho era suave - sem obstáculos na pronúncia das flores. Um perfumado sonar de cores e risos, que se estendiam na passagem dos ol...

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Eu dando vida as coisas

 E o caminho era suave - sem obstáculos

na pronúncia das flores.

Um perfumado sonar de cores e risos,
que se estendiam na passagem dos olhos.
A liberdade corria como balsamo nas veias,
colorindo as entrelinhas da alegria escancarada.
Corpo e mente sintonizada com o vento
a bater levemente nas folhas.
Espaço pequeno mundo - resumidamente geográfico.
Pedrinhas sem cor, acolchoando o amarronzado
corpanzil das estradinhas empoeiradas.
O mestre saber, do tempo, escrevendo em si mesmo,
nas folhas brancas e soltas do ar.
Uma mente dançante, a copiar o ventre das folhas espalhadas pelo chão, dando vida a magia
de um ser.
Ser que nem sequer sabia ser.
Um corpo pequeno e de poucos dias,
á sonhar com a realidade abstrata,
Em seu redor o vento continha verbo,
personificando o oco do espaço.
A corrida que do coração escapava,
abrindo o caminho dos lábios para sorrir.
A dança do tempo que não parava,
enquanto o corpo cantava o silêncio
das coisas.
Tudo era vivo, mesmo o que parecia morto.
Se ali continha, existia,
se existia tinha propósito,
na alegria de me ver passar.
Hertinha Fischer



domingo, 29 de junho de 2025

Não houve nós dois

 Havia luz naquele olhar, capaz de eletrocutar

toda minha defesa.

Surgiu, repentinamente, em minha estrada,

andando desmascarado e sutil.

Olhei e adoeci no mesmo instante, sabia que morreria de amor.

Meus olhos o acompanhavam, mesmo sem corpo presente..

Meu coração o chamava até que me ouviu.

Parecia que o tempo, de felicidade, rodopiava abaixo dos meus pés.

Seriam instantes jamais explicados, Todos voltados para aquela luz.

Tão pouco tempo e pareciam séculos. Cada encontro permanecia 

como uma eternidade que se estendia até o outro encontro.

Dizia eu: - Feitos um para o outro!

Só não sabia que nada existia do lado de lá.

Um incêndio de magia consumia toda a razão.

Me preparava, a cada encontro, como uma rainha se prepara para seu rei.

Parecia, diante da ilusão, de que a recíproca era verdadeira.

Os beijos doces, regados a chocolates e goma de mascar de hortelã,

tatuavam o coração de gosto.

As ternas risadas e carícias intencionais, os passeios de mãos dadas,

o ir para a cama,  depois da despedida, levando o gosto da felicidade para os sonhos.

O esperar pelo próximo encontro, o ronco da moto chegando, toda sexta,

a tarde, a garupa quente, dos abraços aconchegantes em sua cintura.

As gotículas do sereno nos envolvendo, o amor se revelando em mim, em

você.

O mundo se resumia: nada existia sem você.

Até aquele dia!

Tarde de sábado, ensolarado e cínico.

Esperava o ônibus, a fim de voltar para a casa de meu pai.

E ele apareceu, repentinamente, como vento de tempestade.

-Onde vai? perguntou: 

-Na casa de meu pai, respondi: - Ele me espera!

Sem nenhuma piedade, parecendo que não me ouviu, ele retrucou:

- Vai nada! vai se encontrar com outro!

- Que outro? me ouvi perguntado:

 - Não sei,

você é que vai me dizer!

Já disse que meu pai ficou viúvo, e me espera, todo sábado,

para que faça o almoço de domingo e que cuide

de suas roupas.

- Mas não é o que estão dizendo!

- Quem "estão" dizendo?

-Alguém que não posso dizer o nome!

- Sinto muito! disse eu:  quase a sacolejar os nervos.

- Se você for, você dança! 

E  dancei, porque fui!

Cuidei de tudo antes de voltar para vê-lo no domingo a tarde.

Passou-se aquele domingo, o domingo seguinte,  assim, sucessivamente,

até hoje não entendi aquela forma de amor. Só sei que nunca mais

houve dia seguinte para nós dois. 

Hertinha Fischer










sexta-feira, 20 de junho de 2025

Marchinha do acontecer

 E as nuvens espessas se alinharam

no semblante do sol azul
Quando o amor despertou o urso,
sobre o gelo que se formou no sul.
O mar tornou-se açucarado, quando
o amor acendeu a luz.
Poeira de areia que o vento, enfim, levantou
Trouxe alegrias, fartas, e marolas a quem amou.
Sobre o terço que se reza, continhas conta
os dedos,
O amor quando revelado, de ambos os lados,
solta coragem e arranca os medos.
Hertinha Fischer.

Sinônimo de amor é sonhar

 Se estou aqui, estou parando,

se vou ali, estou andando,

ninguém segura esse coração,

quando estou sonhando.

Se estou na roça, estou trabalhando,

se fico em casa, estou descansando,

ninguém segura esse coração, 

quando estou sonhando.

Se estou alegre, estou me consolando,

se fico triste, estou lembrando,

ninguém segura esse coração,

quando estou sonhando.

Se chego em casa, estou chegando,

Se saio, estou passeando,

ninguém segura esse coração, 

quando estou sonhando.

Se olho para o céu, estou orando,

voltando pra terra, estou voando,

ninguém segura esse coração,

quando estou sonhando.

Se estou deitada, estou lembrando,

Se estou dormindo, estou sonhando,

ninguém segura esse coração,

quando estou amando.


Hertinha Fischer.


quinta-feira, 19 de junho de 2025

Emoções e fracassos

 Estava eu, sem chão, naquele momento.

Acostumada a ter meu pai na direção, comandando as

tarefas, e nós, sobre seu comando, trabalhando e se

desenvolvendo. 

Repentinamente, nos vimos sem esse auxilio.

Sem ferramentas adequadas para continuar na lavoura, como

um motor de irrigação, por exemplo, meu pai se viu obrigado

a tomar outras direções. 

Sem aviso prévio, a plantação já não se desenvolvia bem,

as sementes não mais despertavam como antes.  A plantação seguia

lenta e sem o desenvolvimento necessários para finalizar-se com saúde.

E por várias vezes, a gente perdia tudo na roça, sem proveito algum na colheita.

Antes mesmo disso acontecer, meu pai já trabalhava como intermediário na

venda de sementes de cebola, que, naquela região era muito bem aceita.

Foi então, que apareceram mais dois produtores da região sul, que o procuraram

para revender essas sementes naquela região.

Como meu pai não necessitava mais de nosso trabalho, nós passamos a trabalhar

como diaristas para outros agricultores, enquanto meu pai se comprometeu ,exclusivamente,

em suas vendas.

No inicio até que era divertido, poderíamos ganhar o nosso próprio dinheiro, e ficar com ele, já que nosso pai, não nos dava nada além de alimentação, moradia e vestes.

Até que, em determinado dia, ele começou a resmungar algo como: - Vocês precisam tomar uma decisão em suas vidas, Até aqui eu cuidei das necessidades básicas de vocês, mas, está na hora de cada um cuidar de si.

O que ganho com vendas dá muito bem para mim e sua mãe, mas, para tratar de todos vocês como adultos, vai sair muito caro.

Eu ainda era uma jovenzinha de quatorze anos de idade, embora, já me sentisse bem mais madura do que minhas irmãs mais velhas. E fui ficando incomodada com o jeito do meu pai agir. De repente, ele não mais precisava de nenhum de nós?

Numa tarde ensolarada, quando a noite já preparava sua chegada, chegou um carro em nosso quintal, com quatro ocupantes.

Vinham de uma cidade que me era completamente desconhecida. Estavam a procura de moças para trabalhar em sua lanchonete.

Não tenho e não tinha, naquela época, nenhuma ideia de como chegaram até nossa casa. Sei que acabaram encontrando o caminho de meu destino.

O homem e a mulher eram os donos da propriedade, e outros dois, seus funcionários.

Foi uma conversa rápida. Decidido ali mesmo, em nosso quintal. E repentinamente, antes que a noite avançasse muito, já me via dentro do carro, ao lado de minha irmã numero quatro e os dois desconhecidos rapazes.

A viagem durou aproximadamente uma hora, talvez. O silencio arrebatava a quilometragem. 

Quando chegamos ao local, entramos por uma grande porta, E dentro do estabelecimento, havia um grande balcão de madeira, com alguns banquinhos encostados em frente. Algumas mesinhas  e pequenas cadeiras de madeira, dispostos em um médio salão. Dentro do balcão havia um outro balcão, embutido na parede. Uma chapa de lanche e várias garrafas de bebidas dispostas numa prateleira acima . Ao lado, uma geladeira de porte médio. 

Atravessamos esse compartimento e entramos numa espécie de deposito, com vários engradados de garrafas de cervejas e refrigerantes. E mais a frente havia uma cama, beliche, já pronta,  para nós duas dormir. Ao lado um pequeno banheiro com chuveiro.

E foi assim, meio que, silenciosamente, que toda a mudança começou.

A tarde, o ambiente mudava um pouco, varias pessoas, se aglomeravam, encostados no balcão, enquanto eu e minha irmã os servíamos meio timidamente, Depois de alguns dias já mais soltas, com um pouco mais de pratica, fomos aperfeiçoando a forma de atender os clientes que ali chegavam para lanchar, ou simplesmente relaxar, depois de um intenso dia de trabalho.

Certa noite, estava eu, fazendo sanduiches para dois clientes, e quando me virei, havia mais quatro pessoas para atender. Reparei que havia um rapaz entre eles, que assim que me viu, não tirava os olhos de mim. Outros três, aparentavam ser bem mais velhos que ele. Muito tempo depois fiquei sabendo que eram tios e sobrinho, e que o rapaz tinha dezenove anos de idade. Vieram na cidade, para instalar um parque de diversão. Seus tios eram os proprietários e ele, estava passando um dias na casa de um de um  deles, aproveitando para passar alguns dias com eles no parque.

Ele apareceu mais algumas tardes e sempre me olhava com aqueles belos olhos verdes. Numa noite, quando eu recebia o valor de consumo, seu tio me deu mais do que devia, quando fui devolver-lhe o troco, ele não quis receber me pedindo que ficasse com ele, como caixinha. Eu fui colocar o dinheiro no bolso, e o rapaz, imediatamente, pegou em minhas mãos e me fez devolver para o caixa. Não entendi direito o que o levou a fazer isso, mas, como sempre, minha educação exigiu que o obedecesse.

Na quarta visita a lanchonete, ele me fez um convite para ir conhecer o parque de diversão. Como na noite seguinte seria meu dia de folga, aceitei o convite.

A tarde, tomei meu banho e escolhi minha melhor roupa, que nem era tão sofisticada assim. Apenas uma blusinha florida e um macacão jeans e um sapatinho de salto baixo. Sai para a rua toda contente, sabendo que o encontraria.

Logo que entrei no parque, as luzes coloridas, com diversos percursos e atrações como carrosséis, roda gigante, chapéu mexicano e algumas barraquinhas de jogos variados, me deixaram meio tonta. Nunca havia sequer chegado perto de um. Meus olhos o procuravam, nem precisei andar muito, lá estava ele, dentro de uma barraca. Assim, que me viu, pulou a grade e veio ao meu encontro.

Colocou seu braço ao redor do meu pescoço e foi me levando para conhecer o parque. Me levou para brincar no chapéu mexicano, e fiquei deslumbrada com tal acontecimento. Era uma delicia girar acima do chão, e poder observar a cidade de cima, como era noite, as luzes á deixava mais exuberante. Ele estava ao meu lado e ficamos nos olhando e rindo o tempo todo. Depois me levou na roda gigante, e assim, fui conhecendo toda a magia de um parque de diversão, honrando o nome que levava.

Depois de nos divertirmos bastante, chegou a hora de subir de volta para casa. Ele se ofereceu para me acompanhar. Quando já estava quase chegando, paramos, nos olhamos e nos beijamos. Eu já havia beijado alguns rapazes, esporadicamente, quando ia no cinema de minha cidade com minhas irmãs mais velhas. Nos domingos, nosso pai nos dava o dia livre. Depois do almoço, deixávamos a cozinha limpa e podíamos fazer o que quisermos. Como a única opção que tínhamos a noite era dormir cedo para acordar cedo na segunda feira para trabalhar. Quando tinha um filme bom passando no cinema, nós íamos, de ônibus, até a cidade que ficava a mais ou menos uns vinte quilômetros de nossa casa. Apesar de ter que andar por cinco quilômetro a pé até chegar ao ponto, e depois, voltar tudo a pé novamente.

O filme começava as oito horas e terminava as dez. E o ônibus saia do seu ponto as dez, então, não dava para assistir o final do filme. Já que, para chegar do cinema até o ponto, Tínhamos que andar uns dez minutos. Mesmo assim, a gente ficava feliz demais por poder fazer algo diferente do cotidiano.

Como o cinema, na época, era um lugar de encontro, sempre havia rapazes do nosso bairro, que tomava o mesmo ônibus, e consequentemente, como bons adolescentes, o ônibus passava a ser um ótimo lugar para paqueras. Que acabava em convites para assistir o filme juntos. Numa dessas vezes, ao invés de assistir a um filme que não tinha final, se trocavam caricias. E foi assim que acabei ganhando o primeiro beijo, seguidos do segundo, terceiro, e outros vários. Longe da vista do meu pai, tudo era divertido. 

Não passava disso, na segunda feira tudo era esquecido, diante do trabalho árduo na roça. 

Mas aquele beijo foi bem diferente, tinha uma conotação mais ardente, algo que jamais havia imaginado, seria amor? Talvez!

Nos dias que se passaram, a gente dava sempre um jeitinho de nos encontrarmos, as escondidas, longe de olhares curiosos que pudessem gerar fofocas maledicentes. E os beijos se multiplicavam.

Certo dia, enquanto ainda havia eu e ele, Seria meu dia de folga. Resolvi ir para casa de meus pais e lhe contei.

Foi então, que pediu para que nos encontrássemos no terminal de ônibus da cidade. Eu, como já mencionei, morava na lanchonete de uma cidade um tanto distante da cidade que fazia ligação com o sitio que meus pais moravam. Ele viria de outra cidade, onde seus tios moravam, sentido contrario de mim. E foi no exato momento que eu desembarcava do ônibus que me trazia, ele desembarcava do ônibus que o trouxe. E nós nos aproximamos, nos beijamos, ele pegou em minha mão e começamos a passear pelas ruas como se nada mais existisse a não ser nós dois. 

Ainda era de manhã bem cedo, perto das oito horas, e eu tinha que pegar um ônibus as quatro horas da tarde, rumo ao sitio de meus pais. E ainda teria que andar cinco quilômetros a pé, depois do desembarque. Havia na cidade um lugar muito bonito, chamado cruzeiro. Onde havia várias pedras e jardins com uma grande cruz de ferro, situado num lugar bem alto, de onde se poderia ver a cidade inteira. E nós subimos até lá. Não havia ninguém por perto, e pudemos conversar e namorar em paz. 

Passamos o dia em nosso mundo, sem comer e sem beber água, nos alimentando de beijos. Apenas quando apareceu, por acaso, um sorveteiro, é que ele comprou um sorvete para ambos. Quando percebi já tinha passado das quatro horas da tarde. E o último ônibus que me levaria até o sitio, saia as seis, então, meio relutantes, nós tivemos que descer e nos despedirmos. E foi assim, que ele me deixou, com a lembrança do ultimo beijo e um leve aceno de mão.

Quando desci no ponto, já estava escuro, E tive que ter muita coragem para caminhar cinco quilômetros sem luz. Fui rezando, e limitei-me a distrair com a doce lembrança do encontro. Ainda sentia o perfume em minhas mãos, e o gosto dos inúmeros beijos trocados.

Passei o final de semana em transe. E na segunda feira, voltei para o trabalho, que transcorria sem muitas novidades. O meu amor foi embora pra cidade em que morava, e desta vez, era bem mais longe, a 374 quilômetros de mim.

Passou-se varias semanas até que, um dia, uma carta chegou. Vinha de uma loja de móveis que ficava do outro lado da rua. Um funcionário veio me entregar. Fiquei  muito surpresa quando vi o nome do remetente. Nada mais, nada menos, que ele. Com papel de carta, cheirosa e delicada, com uma gravura de duas pessoas abraçadas no alto de uma colina,  com uma boa caligrafia que dizia assim: - Meu amor, como você estava linda nesse dia. Sinto tantas saudades suas e meu amor não cabe nesse papel. Este foi o dia mais lindo de minha vida. Beijo!

Poucas palavras que trouxeram alegrias imensas para meu coração.

O tempo passou, veio mais uma carta bem romântica e depois o silêncio.

Trabalhei mais alguns meses na lanchonete, depois pedi para sair e fui trabalhar numa padaria próxima. O salário era maior e o trabalho bem mais divertido. Mais gente trabalhando, mais gente entrando e saindo, e assim fui fazendo novas amizades, E como não tinha mais o deposito para dormir, aluguei um quarto numa pensão, onde vieram morar comigo, uma irmã e uma amiga.

Certo dia, após uma longa jornada de trabalho, Já estava quase na hora de sair, chegou uma senhora que costumava a passar por lá de vez em quando para tomar um café. Era muito brava  e a gente gostava de irrita-la. Não me lembro o que foi que eu falei, e ela imediatamente, levantou a bengala para bater em mim, eu agachei no balcão ficando de cócoras, e quando me levantei, lá estava ele, com cara de preocupação, olhando para mim. Fiquei muito surpresa ao vê-lo. Estava chovendo naquela hora, e seu cabelo muito mais encaracolado  por estar molhado. Vestia uma camisa cor de caramelo, calça azul e sapato preto, lindo e elegante como sempre. 

Começou dizendo: Nossa! levei um susto quando via aquela senhora querendo te agredir! Eu apenas o olhava como se fosse uma alucinação. Gaguejei um pouco ao responder que já estava acostumada com a senhora e que, ela não fazia mal nem a uma mosca. Como estava quase na hora de acabar meu turno,  pedi que me esperasse.

E foi o que ele fez.

Minha irmã que também trabalhava ali, me ofereceu um guarda-chuva e me aconselhou a leva-lo ate a pensão. Na hora fiquei meio sem jeito, mas como estava chovendo muito e sem ter onde ficar para conversarmos, pedi a ele que fossemos até a pensão. E novamente nos perdemos um no outro, ele me beijava ardentemente, enquanto sussurrava em meu ouvido: - Quanta saudade!

Naquela época havia muito respeito por parte dos rapazes, eles nunca tentavam nada a mais do que simples beijos. E foi o que aconteceu. Conversávamos entre um beijo e outro.

Ele me contou que viera na casa de seus tios e já estava voltando para sua cidade, e não resistindo, resolveu vir  me ver. Que eu estava linda e que ele desejava estar sempre comigo, mas, que estudava e trabalhava, e como a cidade em que morava era longe, não podia me ver com muita frequência. Eu não perguntei nada, nada mesmo, só ficava inebriada com seus beijos quentes. Veio a hora da despedida, eu o levei ate a porta, sentindo meus lábios inchados, sentindo uma certa vergonha por causa disso. E ele se foi.

Eu com quinze anos, ainda sem nenhum preparo para o romance, fui adentrando a solicitude tempo, me achando a rainha das horas, perdida nos embaraços das emoções. Sem palavras para defender o que sentia, deixei-o ir. E os momentos tão sublimes foram se apagando ante outros encontros e decepções.

Só agora,  com sessenta anos de idade, amadurecida e repleta, de vida, por dentro, consigo, enfim, falar dos sentimentos profundos que despontava em mim, ainda em tenra idade, das quais as palavras ainda me eram tão escassas. Se fosse hoje, sem duvida, eu te diria, que te amei!

Hertinha Fischer











sábado, 14 de junho de 2025

Estação de cada vez

Sempre acreditei no tempo,

havia, em mim, a disponibilidade

de poder acertar tudo no dia seguinte.

Mas, entender, como entendia, não seria

para os outros.

Os erros que cometia, ficavam desfigurados,

após a noite. Nunca guardei nada para o amanhã.

O meu dia era e é apenas um dia.

Não se vive o amanhã de hoje.

Não é necessário arrastar tudo para

debaixo dos lençóis.

Muito menos, plantar magoas em sonho.

Pode-se guardar munições para guerras futuras,

Porém, não se usa munições sem que haja

guerras.

O que nos serve, nos serve em vida.

Depois que se morre, nada nos serve.

Hertinha Fischer






sábado, 7 de junho de 2025

Feitio da vida

 A vida me exibia feito dela,

nem me reparava e lá estava.
Não havia escolha,
sentido me levava.
Assim como uma frase bem escrita,
dentro de um conto inteiro, lia,
não entendia.
Almejava céu e era terra.
Um ser dentro de um universo,
e nem de universo sabia.
Movimentos de figuras, gente!
E que eram outros componentes?
Ousar defesa sem culpa, culpar-se
por ser.
As cegas, ir e vir, descombinados caminhar.
Saber o que sabiam, ensinar-me sem compreender.
Que mundo rarefeito e desconecto - nascer num meio desconhecido e ter que sobreviver.
Talvez seja por isso que a vida,
nos negue conhecimento, logo ao nascer.
Nada se perde, tudo é um amontoado de mesmas coisas.
O que não se copia, não se cria, ou se ausenta da superioridade,
sem novidade, só superficialidade.

Hertinha Fischer

segunda-feira, 2 de junho de 2025

O eu que se perdeu

 Não é só o eu passando,

mas tudo que do eu procede.
Um sopro que do ar se fez vento,
uma sombra solitária que saiu ao meio dia.
As ondas que morrem na praia,
a areia que se afoga na orla.
O pulsar de um coração sem sangue,
A magreza em meio a muita gordura.
O alto em lugares baixos, a luz em dia
sem lua.
Alegrias de momento, somos.
Curvados e amedrontados, eretos.
Sedentos de amor dos outros,
sem amor por si mesmos.

Hertinha Fischer.

domingo, 1 de junho de 2025

Bioalegria

 Nunca me entristeci com coisa alguma,

embora já tenha chorado muito.
As situações com as quais não podia lidar,
deixava para o tempo resolver á sua maneira.
Enquanto vivia, procurava absorver todas
as etapas com entusiasmo, mesmo quando,
não dava certo.
Nasci na pobreza, minha casa era limitada: apenas a cozinha, uma
parede e um quarto, abrigando sete pessoas.
Quando acordava e para fora, saia, tudo aquilo que meus olhos
alcançavam era meu.
Os cabelos que dançavam com o vento, a estradinha que circundava a terra, brincando de esconde-esconde com meu olhar curioso.
O riacho tão pequeno, segurando as águas em seus braços.
A jabuticabeira, sentada as margens, soltando flores brancas por sobre seu corpo, transformando-a, do dia para noite, em pequenas bolas negras e adocicadas.
O corredor de terra batida, atapetada por vegetações alegres, fazendo cocegas na sola do meu pé.
A tabua de lavar roupas, deixando-se envolver por musgos, só para nos ver escorregar pra dentro do rio.
As canções de radio, que a tarde incitava, acordando a noite e recebendo o dia com suas belas poesias.
A ribanceira que recebia um córrego, bem no centro de seu ventre, deslizando vagarosamente, como um brilho de sol.
A bacia velha que nos banhava, para depois nos ver brincar, pendurada no galho de um pessegueiro.
A roça viçosa que nos sondava de cima, louca para vir brincar com a gente.
E as pessoas - os conhecidos, morando longe, morando perto, trançavam amizade com carinho.
Havia uma certa obediência, fruto da hierarquia da natureza e do tempo.
Cujo patriarca seria Deus!

Hertinha Fischer.

sábado, 31 de maio de 2025

O sol também ama

 Me encantava com as cores da tarde, 

despejada na entrada da noite,

enquanto se preparava para receber a

visita da lua cheia.

Costumava deitar lá fora,

pousando o corpo quase adormecido,

rente ao chão frio, apenas um manto

de saco de estopa nos separava.

 Olhava para o céu como se pudesse tocar

as estrelas com as mãos.

Seu brilho intenso pulsava dentro dos meus olhos.

Enquanto a boca da noite assoviava uma

canção suave, adentrando com paixão

em meu coração.

Dizem que a noite é poética, faz poesia em

plena escuridão, só para enternecer as estrelas

que se enamoram do sol distante.

Acende as suas luzes para que se lembrem 

que elas existem.

Hertinha Fischer





sábado, 24 de maio de 2025

Alegria do saber

 Eu aprendia matemática contando as pedrinhas na estrada.

É claro que sempre acabava perdendo as contas, mas,

me divertia muito, enquanto, andava solitária, a caminho da escola.

Também foi assim que aprendi a sonhar.

Olhava com entusiasmo as borboletas que me cercavam, elas

coloriam minha história de momento.

As curvas, as retas, os círculos, as entradas, as saídas, a roça!

Ao adentrar a sala de aula, meus dedinhos seguravam o lápis

com tanta força, quanto a força que existia em minha imaginação

Desenhos, a princípio, tão desengonçado, iam desenvolvendo

músculos e ideais.

A escola tinha cheiro de sabedoria, não a sabedoria de se saber tudo, mas,

á de poder, enfim, descobrir.

A partitura das letras, que, procurava desvendar nas tabuletas espalhadas pelas estradas,

das quais pareciam querer me dizer algo muito importante, e que sempre me deixavam intrigada,

por não saber corresponder.

Aquele emaranhado de vogais e consoantes, que acompanhavam figuras, á tentar falar comigo, sem, no entanto, compreender.

A escola.. ah, a escola! que preciosa semente despertava em mim.

Ia muito além da estradinha, muito além de tudo que me rodeava, seria ela que me daria mais condições de saber um pouco mais sobre tudo.

As voltas do a, o laços do e, os pingos do i, o olho do o, as curvas do u. Tão difícil de desenhar, e tão fácil de amar.

Jamais pensaria que, um dia, pudesse fazer poesia com ela, e fiz!


Hertinha Fischer





sexta-feira, 23 de maio de 2025

Contando tempo

 Evoluía a tarde em suas andanças açucaradas,

embrenhando entre os galhos desleixados.

distribuindo fleches de luz nas íris floradas,

enquanto a lua já se fazia ornamentar atrás do morro inerte.

 Canções de cigarras e sabiás se fazia ouvir na boca do verão,

que acalorado, ainda, pela paixão eminente, se expandia,

baixando seu hálito quente sobre a terra.

Meu corpo sempre corria, para movimentar um pouco, de ar,

tornando mais leve o próprio respirar.

Enquanto os cabelos escorriam pelos ombros, os poros

iniciavam um lacrimejar, sistêmico, aliviando, um pouco,

o bafo quente da atmosfera.

A orquestra da noite começava a tocar a musica do silêncio,

onde os grupos dos sapos e dos grilos, conseguiam quebra-lo,

afinando as cordas de seus violões desafinados.

Tempo, de quanto tempo carecemos?

Apenas num segundo de luar, floresce tantos sonhos.

Hertinha Fischer








segunda-feira, 19 de maio de 2025

Dia de sonho

 Noite que chega, noite adentra,

cansaço que nunca sai,

Se vai por algum momento

para depois voltar atrás.

Um sorriso passageiro,

mostra o dente e vai ligeiro.

trás as bençãos do descanso,

que só finge que é manso.

Casos estranhos se conta

que a realidade desmonta

Assim que o dia clareia

o cansaço incendeia.

Queria, do sonho, o caminho

Só para continuar dormindo

sonhar que a segunda feira,

poderia ser domingo.

E da manhã, aquela paz

Nunca a tarde á desfaz.

Hertinha Fischer



domingo, 18 de maio de 2025

o sonar do silêncio

 Há lembranças que nunca se apagam,

como os luares de outros tempos 

e lugares.

Havia uma criança e a criança era eu,

um mundão á minha espreita, e o

pouco que sabia.

Mesmo sem ver, eu ouvia.

Pela manhã, o cheiro de café me chegava

aos ouvidos.

E me contava que era dia.

As comédias dos grandes pássaros,

que começava ao sol nascer,

tentando ganhar dos pequenos,

que os punha á correr.

Da grandeza da Tereza,

que o dia dava leveza

ouvia o seu cantar:

Essa vida é uma beleza.

Essa saudade que solta corre,

esfola a alma e nunca morre

Se fecha uma estrada,

logo outra socorre.


Hertinha Fischer







sábado, 17 de maio de 2025

Olhar que nada perde

 Nem preciso de muito espaço,

já tenho meu verde cantinho,
das árvores me dando abraços.
Sorrisos de ruas se abrindo
diminuindo todos os cansaços
portas que vão se abrindo,
gentes que vejo saindo,
crianças da calçada emergindo,
tornando meus sonhos mais lindos
Meus olhos á ver tudo as voltas,
nuvens que do céu não se solta
estrelas que que o ar sempre escolta
e o mar que nunca se revolta.
as tintas que se jogam no ar,
No encontro do sol e a chuva,
traçando suas suaves curvas
para o arco-íris traçar
E a alma que se alimenta,
de tudo que vê e que sente,
o corpo que nunca desmente
a alegria que as vezes se ausenta.

Hertinha Fischer

sexta-feira, 16 de maio de 2025

O segundo diluvio

 Acordei pensando no amor. E logo me veio a mente a figura de Cristo - sem rosto, de coração aberto.

Doando-se como o céu se doa as nuvens.
Fiquei meio atordoada e logo pensei: Quem conhece o verdadeiro amor?
As características do amor: não é soberbo, não é ciumento, não se orgulha, não é inconveniente, não procura seus interesses, não se ressente do mal, não se alegra com a injustiça, e se regozija com a verdade - Tudo suporta, tudo crê, tudo espera.
Isso me lembra o decorrer da vida, não é direcionado a nada que se refere ao individualismo,
Então pensei com meus pensamentos: Quem é o amor, ou para que serve o amar?
O amor somos nós, este é o sentido. A que devemos esse amor? A Deus que nos fez!
Serve para servir, sem, no entanto, usar de si mesmo para exemplificá-lo.
O amor em si, o amor em nós, o amor que equivale, o doador, o receptor.
Como um casamento perfeito, onde o doador e o receptor agem de maneira digna, justa e abençoada.
Ai me lembro das virgens, das lâmpadas, das bodas.
As prudentes se abasteceram o suficiente para esperar que o esposo abrisse a porta para a festa. As néscias
acreditavam que estavam seguras e que, o esposo, assim que as visse, abriria a porta, trouxeram pouco combustível para suas lâmpadas e elas se apagaram. E ao ficarem no escuro, pediram azeite emprestado para as virgens prudentes que, imediatamente, se recusaram, dizendo: Se dermos a vocês e o noivo se demorar, correremos o risco de também perder a festa.
Quando as néscias saíram para comprar combustível, o noivo abriu a porta do salão, as prudentes entraram,
O noivo fechou a porta, quando as néscias voltaram encontraram a porta fechada.
Assim também é a vida.
Muitos tolos não acreditam que a porta pode se fechar de uma hora para outra, se recusam a olhar com clareza, até que a porta se feche e fiquem de fora.
Aconteceu na época de Noé - Quase todos, exceto sua própria família, acreditaram em Deus e em sua palavra, quando disse que haveria uma grande inundação que cobriria a terra. Os ateus zombaram dizendo: Como isso seria possível. O mar estava em seu lugar, protegido em seus limites, os rios se acomodavam, cada um em seu lugar. Jamais choveria tanto para inundar aquela terra que era grande em extensão. Riram quando Moisés começou a construir a arca, e mais ainda quando começou a coletar os animais para salvá-los. Mas, certo dia começou a chover sem parar, e não parou por cinquenta dias, a arca começou a emergir, os incrédulos que até aquele momento estavam alheios, cada um com seus compromissos, começaram a pedir socorro e o socorro não veio.
Se passaram milhares de anos e Deus vem dando oportunidade para que o amor nos leve ao arrependimento. E assim, possamos, através do exemplificado amor, viver uma vida equilibrada, deixando de lado todo tipo de rancor, inclusive aquele que nos faz esquecer o amor.
Obedecer é o caminho, sem obediência a porta se fecha e ficamos de fora, sem conhecer a gloria das bodas.
Poucos entrarão pela porta, e quando esta se fechar, tentarão arrombá-la, mas, já estará lacrada e selada.
É tão difícil acreditar que será assim, assim como naquele tempo, os incrédulos não acreditaram no dilúvio.
Muitos se agarram a vida que tem, acreditando que nunca vão morrer, e quando a lâmpada do corpo físico está quase se apagando, clamam por misericórdia.
E encontram a porta fechada, não há mais a quem recorrer.
O mar continua agitado, a arca se equilibra sobre as ondas e a terra já está inundada por águas impuras. E do amor revelado, só sombras e duvidas, assim, novamente, um diluvio se instala, só que desta vez, o mar tá dentro da gente.

Hertinha Fischer









quinta-feira, 15 de maio de 2025

Há tempo que não me escuto

 Fico a pensar se vale a pena,

sair ou entrar em cena.

Muitas coisas novas não me atrai,

coisas velhas me distrai.

Já senti a magnitude da ansiedade,

mais saudade que felicidade

Mais calma me descaminho,

já desfiz o meu ninho.

Só me resta o pouco tempo,

de resto o contratempo.

Sinto a pele cada vez mais fina,

os cabelos ralos.

coração falseando,

nas mãos uns poucos calos.

Posso falar o que quiser,

ninguém me da ouvido

posso sentir um pouco mais,

fica tudo reprimido.

Invejo certas manias,

nada faço que me anime,

tudo perdeu a graça,

até escrever me deprime.

Hertinha Fischer



quarta-feira, 9 de abril de 2025

O espelho que não me reflete

 Só temo me perder de mim mesma.

Temo acordar de manhã e não me identificar, não me reconhecer
e não mais poder ser útil a ninguém.
Posso ser esquecida pelos outros, mas, não quero esquecer que
sou uma peça importante para a vida.
Não preciso ser vista, elogiada, aplaudida, só quero poder andar e
sentir cada pedaço, de chão, como meu. Sentir, pela manhã, o cheiro gostoso de mais um dia. Os caminhos flutuando além do meu olhar, a relva a sondar meus passos, a debandada dos pássaros a se lançarem em seus magníficos voos, quase a me contar de seus medos.
Me reconhecendo em tudo - em cada flor, nos caminhantes que sequer me percebem, mas, não ocupam o meu espaço,
por que nele, só eu me caibo.
Na novidade de cada etapa, onde eu me sustento. Pouco importa se me compreendem, ou não. Se me querem bem ou não. Se sou importante ou não. O que me importa mesmo, é que me identifico como um ser. Estou vivendo no meio, com muito pouca significância, mas, sou.
E celebro como quem celebra as bodas. Encantada com os arranjos que o dia me oferece em cada passagem - seja de pedra ou de carne, seja de flor ou descampado, secas ou úmidas.
Tenho consciência de tudo, tenho eu em tudo que me rodeia, Tudo pertence aos meus olhos, aos meus ouvidos e ao meu coração.
Embora não possa me ver sem que seja através do espelho, sinto a minha presença, isto me faz pensar que existo, que amo existir, sem me preocupar com a aparência, já que meus olhos nunca me contemplará. Os olhos dos outros não me incomodam.
Hertinha Fischer.

terça-feira, 8 de abril de 2025

Seios dos tolos

 Abra a janela e olhe lá fora, perceba

que silêncio de

gente anda nela.
O antes de agora.
Alegria murchou, só se vê
olhar estranho.
Hoje até uma criança rosnou pra mim,
será o amor animal que todos almejam?
Os frutos gerados, na liberdade, se jogam
dos pés ainda verdes.
Enfeitam o chão de podridão.
Que pena. Será que posso falar assim,
ou ainda é cedo?
Ofusca-me a beleza falsa e a "beleza"
que ainda se guarda no bolso,
anda mais enfraquecida,
Seria só para comprar
um pouco mais de falsidade?
Já se utilizam de mais terra para adornar
túmulos que não são mais caiados,
se exibem com pedras de mármore,
Seria o infinito, a soberba dos homens,
que se conformam em ter uma vida
rasa, mesmo sabendo
que o fim é profundo?
Se houver um amanhã,
provavelmente, saberá onde ir,
e se não houver, para onde irá?

Hertinha Fischer.


sábado, 5 de abril de 2025

Minhas lembranças

 Há!! O que antes eu tinha,

com que delicadeza o sol

se estendia.

O abraçar da estrada á minha casa,

com braços compridos e comprimidos

ladeados por arbustos rasteiros.

As flores, que, de certo, se abriam

em sorrisos primaveris, a festejar

as passagens.

A estampa de terra batida, a envolver, com 

delicadeza, o ladear do nicho sagrado.

As vozes que preenchiam o silêncio,

como quem precisa de canto.

Arvoredos chamando as folhas 

para dançarem na seresta do vento.

A menininha sentada no alpendre da vida,

a sonhar com os anjos.

O senhor e a senhora atiçando a força e a lei,

que eles mesmos resolviam e acertavam

O riacho á descobrir o caminho das águas,

o balde a suportar o peso da mesma.

Aliança sem dedo. Casamento sem clausulas

União de tudo com todos, lei sublinhada

na razão do sacrifício.

O complemento da necessidade e causa,

Alinhamento do útil e agradável,

Na delicia de se construir, na simplicidade,

um lar de respeito e amor.


Hertinha Fischer

lar 






Subidas, descidas e coordenação

 Me envolvi com o tempo. Nunca quis esquecer.

Cada milímetro de estadia, deixava marcas

Fui superando os medos, embora,

 fossem donos dos meus instantes.

Queria andar, me faltavam pés

Passei a usar o tempo á meu favor.

Suava minhas mãos despreparadas,

brotava sorrisos meio tosco

e palavras tremiam em minha boca

Fui, como quem desbrava a si próprio

Protegida pelas escamas do seguir

Cada dia me provava, e cada prova me

aprendia.

Tive alguns encontros bruscos,

que não me derrubaram, apenas me 

impulsionou a andar mais cautelosa

Não sou contra nem a favor de ninguém,

Sou a favor da vida que me contém.


Hertinha Fischer.





sexta-feira, 4 de abril de 2025

Filiação

 Talvez o digno seja um passageiro,

cujas mãos balançam o céu.

Tinha uma foice nas mãos,

e uma infinidade de força nos

cortes.

O fogo preparado para um lugar,

quase sempre em acero

Nunca sobrepunha o que lhe

pertencia.

Mesmo entre as torres de babel,

simplicidade era papel.

Não tumultuava o natural,

certo de que teria, a presa solta

em seu quintal.

Assim vivia, ouvia e transmitia,

nada que era alto lhe cabia.

O que fazer fazia se saber.

O redor do mundo lhe interessava,

como lição se desenhava, mas, não o

incomodava.

Se foi nos anos como caminho

que já nasceu pronto, absorvendo suas pisaduras

que se fizeram as ruas.

Viera de outros lugares, e o lugar

já era dele,

E ele pertencia a todo

lugar que via.

Se fez na miudeza, lavrou a tristeza,

sobrou proeza e se casou com

a  amada Tereza.

Construindo a partir do nada,

uma estrada de felicidade

para a posteridade.


Hertinha Fischer




quinta-feira, 3 de abril de 2025

Memória de escultor

 Guardo na minha quietude tantos rostos, na memória, tantos momentos. Ainda há encontros quando a distância os torna impossível. Tenho as minhas estradinhas invisíveis, por onde ainda andam tantas promessas, sorrisos, passeios, palavras, que o passado não conseguiu enterrar. Muitas vezes, quando me entristeço, gosto de chamar a noite, a penumbra me trás lembranças e enumero um a um. Posso estar esquecida, mas, nunca me esqueço. Tenho memória de escultor.

Hertinha Fischer.

Chama das pegadas ( caminho dos pés)

 Ainda que amanhã seja apenas,

apenas penas a voar

Sei ter chegado lá

Neste acaso que as horas me chegam,

aos olhos de relógio que recebo

Um arco que se demora,

um ponto que não me atrevo

De lá que ainda venho,

pra lá que sequer andei

Depressa me absorveu

os sonhos que sequer sonhei.

Foi-se um a um, em dia ainda claro

Como terra que virou barro

Os amores  que dediquei,

nos afetos que mendiguei.

Sou como onda de calor

que frente fria abordou

Nuvens negras enfrentou

chuva forte me lavou,

em pedra de gelo, transformou

Ainda cega eu vejo

Com pouca luz, ilumino

Se pouco transmiti,

esse era meu destino.

 Hertinha Fischer




sábado, 29 de março de 2025

Transformados seremos

 Minha alma guarda o que não sei,

do que vivi já me cansei.
Quero o futuro ser,
ser futuro que serei
Sou um pouco do passado,
e do presente refém
Espero pelas cores que caem
nas estações,
Depositadas nem sei por quem.
Se colidem com as flores,
entre folhas e frutos vem.
Tudo cabe neste mundo,
antes que tudo acabe,
Tempo é poço sem fundo,
que nem o tempo sabe.
Escolhe, recolhe e sustenta
E a alma é que se arrebenta
O mesmo que trouxe, leva
No auge é que tudo encerra.
Não consigo imaginar,
Longe da imagem do eu.
Que serei na eternidade,
um eu que não sou eu,
Ou eu no apogeu?

Hertinha Fischer

Sinalização do viver

 Aprendi a tecer arames para cercar-me.

Tenho a liberdade em mim, isto me basta.

O intenso que me vê pelos olhos, 

As claras que me ouvem pelas frestas

A solicitude que me empresta favores

O alcançar que me satisfaz.

O que veio me alcançou

O que foi se distanciou, 

Há! mas o prazer ainda flui.

Na orla da esperança,

traçadas de mero segredos,

canta vitória sem medo,

Do que sou e fui,

do que trilhou e brilhou

Do que percebeu de olhos fechados,

escancarando a luz dos outros lados.


Hertinha Fischer



quinta-feira, 27 de março de 2025

A roda da finitude

 A vida encurta,

O ponteiro corre.

Logo, logo, a gente...

Há como se vai o dia na

rapidez, me leva a correr

andando.

E de leve vai somando.

Quando se percebe já são depois,

de depois em depois é que se percebe

Que a tartaruga virou lebre

Os brancos dos cabelos roubam

a cor.

A tez da esperança vira renúncia,

no descarado passar e passar.

Onde a amizade desbanca o amor

E o tempo seca o suor.

Lá na terra do nunca é nunca mesmo,

só é, sempre, por acaso.

E se caso o sempre vence,

é lógico que o nunca mente.


Hertinha Fischer.




domingo, 23 de março de 2025

Transitoriedade

 E a vida que chegou em mim, 

nem sei de quando

Nem sabia que era vida,

mas, nela ando


Embarcou-me em sua aventura

calçando  minha estrutura

Fez de mim o que aprouve

Se fui, nem sei se houve


Vejo-me e te vejo em mim

Goteja, destila enfim

Se te vejo, nem sei se vim

 

Pequena neste mundo grande

folha perdida neste desmande

E a vida que se expande

me leva com ela, por onde ande


É a terra a dona do tempo

Que tudo encerra no esquecimento

pra dentro leva o ensinamento

Se não paguei, fiquei devendo.


Hertinha Fischer




sábado, 22 de março de 2025

Tarde colorida

 Hora do silêncio das flores,

dormindo no seio da terra,
acolchoando-a com cores,
cobrindo-a de amores.
Folhas deitaram para descansar
flores secaram para encantar
tilintando doce melodia
quando os pés forem passar
Doce é o outono
tempo que senta no trono
debulha o que estava acima
do baixo se torna dono
Tudo parece morrer,
olhos que não mais pode entender
Que a seiva ainda perdura
para tempo de renascer
Hertinha Fischer.

Fidelidade e compromisso do existir

 Há um só palco e uma só peça.

Bancos vazios e pouca gente aplaudindo.
Pouco importa: bons protagonistas se incumbem
de fazer o prazer rolar pelo tapete vermelho.
É só uma questão de realização naquilo que se
comprometem.
Um passo, alegrias, dois passos: pura satisfação.
O desencadear da história de cada um se presta a
dizer o que cada um pensa, de acordo com o
que cada um predispõe a acreditar.
Foi assim, é assim e continuará sendo.
Bem se diz que não somos diferentes
dos animais. O que acontece com um,
acontece com o outro.
É pra ser só uma questão de sobrevivência.
Mas, o homem se mete em tudo com
muita astucia.
Não quer só o palco, nem só ser personagem na vida,
ele quer a diretoria.
E como diretor, coordena o que os outros
devem dizer e como os outros devem representar e
até como se deve amar.
E assim acabamos por perder a originalidade,
nos tornando fantoches, num palco
infestado de hipocrisias.
Não se dando conta que tudo é finito.
Deus nos conta que somos semelhantes a ele,
Assemelha-se, talvez, na sua originalidade.
Mas, quando fugimos de nós mesmos, confiando na
metamorfose, como se fossemos criados em casulo,
como a ciência quer que acreditemos. Dai entra toda sorte
de infortúnio. Por que nos afastamos da bondade em justiça.

Hertinha Fischer.







domingo, 16 de março de 2025

A liberdade que Deus concede

 A aparência nega, sim, nega a essência.

Há aqueles que julgam saber, afiam a língua para falar,
como se afiassem uma enxada para capinar.
No entanto, pouco falam sobre si, porque, na ânsia do saber sobre os outros, negam a si mesmos por fraqueza.
Condenam os seres humanos, sem se darem conta, que são massas batidas no mesmo liquidificador.
Se negam a existência de Deus, como saberão explicar a vida?
Procuram por algo que nunca vão achar, já que se consolam com aquilo que morre.
Esmiúçam na palavra, mas, no viver, há falta de concentração.
A biblia não tenta provar nada, mas, assume Deus como um fato. Não encarcera, por que acredita que melhor se faz em liberdade.
Quem procura se consolar naquilo que morre. A morte parecerá o fim.
A palavra de Deus não nos é imposta. Nem o crer é acessível aqueles que fazem questão de se perder.
Hertinha Fischer.

sexta-feira, 14 de março de 2025

Revelando-me como pessoa

 Já se ia as longas horas,

que delongas me contaram
As colinas cansadas declinavam, suavemente,
sobre uma superfície montanhosa.
Enquanto meu semblante se rejuvenescia,
na altivez do pensar.
Nunca me sentia maior, nem melhor,
só uma miudeza sem igual,
como as asas de um gafanhoto,
sustentava-me no alto.
Fui crescendo entre meio,
sem saber, ao certo, se realmente,
era.
Tudo me parecia grande demais, impenetráveis demais,
para que pudesse fazer parte.
Foi ai que me engrenhei em mim, fui adentrando
na sutileza do eu, quase que, em murmúrio,
para que eu mesma pudesse me escutar.
E ouvi meu próprio falar como os surdos
ouvem seus grunhidos e os compreende.
Atentei para a descoberta silenciosa de
poder, sem que soubessem que sabia.
E a poesia voou para dentro, e se propôs
a falar para fora, jorrando-me para a
completude da vida plena.
Ouvindo-me e relatando-me.

Hertinha Fischer.

quinta-feira, 13 de março de 2025

"Heimatlos

 Onde eu estava?

Não sei!
Ainda não sei se estou,
sou apenas uma energia que
se perdeu entre outras que
foram surgindo.
Tentei submergir lá do fundo
do oceano da vida,
e só encontrei, na superfície,
uma forma de me afogar.
Só dependia do não crescimento,
mas, as células, se multiplicavam
enquanto dormia, e os acontecimentos
não davam-me alivio.
Tive que seguir por meios próprios,
próprios daqueles que nasceram
sem folga.
Nunca folguei por completo, mesmo,
quando, na solidão, meu corpo se
ausentava de mim.
Por um dia! Só por um dia, pensava: E esse dia
chamava outro e outro.
Não quero futuro, nunca o quis, aliás, ainda não quero.
se quisesse, provavelmente, não teria,
pois tudo colabora para me contrariar.

Hertinha Fischer.

sábado, 8 de março de 2025

Guerra interna

 Há sessenta e quatro anos nascia eu.

Eu no circo de lona azul,
pairando acima de um tapete verde,
Como tatuzinho morando em buraco de terra,
acima da terra.
Anãzinha de pele queimada, olhos esverdeados,
misturados com galinhas e cães.
Onde rios saiam a passear na mata, traçando atalhos como
chão de formigueiro.
Despencando em penhasco, caindo, lindamente,
com suas saias rodadas e brancas.
Sem saber onde vai, vou eu,
a andar pelos encantos da mata,
tuneis de ensejos se abrem.
Vi algumas trincheiras abertas por sobre a mata fechada,
Talvez ali, houve guerra.
E a guerra interna trava ainda dentro de mim,
que, ligeiramente, segue as borboletas,
e como elas, desejo voar.
Tento seguir como quem segue uma presa,
com a agilidade de quem precisa, e precisamente,
se esgueira, muitas vezes, se arrastando.
Confrontando as mesmices com olhos
de lince, a caçar coelhos.
Quanto mais penso, mais me consumo nesta
canseira de existir.
Os anos andaram em mim e me expuseram a mudanças,
tão radicais, que já não consigo voltar.
Também esqueci de como andar viçosa,
A esperança ainda brota,
como brota os galhos cansados,
até que a seiva perca a sua função,
e a terra consuma os galhos secos.
Hertinha Fischer



quarta-feira, 5 de março de 2025

A meia Luz

 Em terra pisei,

pausei, pousei e passei.
O vicio de andar me embebedou
Areias bebi com licor.
Errante se deu num instante
Tantas vias e fatos constantes,
via e ouvia a metade.
Terra fogo não come,
um pouco de pedra é homem

Epidemia de sons,
metamorfose cruel,
muito, que parece pouco e
pouco que parece tudo.

A casca conta quem é,
e no que parece e não é.
A poupa que conta tudo,
atrás do espelho se esconde.

No reverso canta o verso,
soneto que anda disperso
nem é noite nem é dia
A meia luz fica imerso

Ainda não me entendi,
quando quero e nem quero,
quando gosto e desgosto
tudo no mesmo passo.

Vou e é tudo que quero
Voltar é sacrifício,
ficar, espero.

Hertinha Fischer.

Um dia fiz morrer

 E a noite cai sobre mim,

Sua pesada mão me aconselha,

A escuridão abate minha alma,

sussurrando calma em minhas orelhas.

Onde foi os meus jardins?

Em que terras se meteu.

Se perdeu o azul do céu,

 escondeu o que era meu

Fui ao encontro do amor,

ele desapareceu,

A lua que antes sonhava, em

eclipse se dissolveu.

Eu queria ter ficado, mas

o tempo me levou,

Me acusaram de silêncio,

e o grito então morreu

Eis que fui despercebida,

nem olharam nos olhos meus,

pra saber o que continha, 

dentro dos sonhos que se perdeu.

Já alcancei as nebulosas,

Nesse tempos estelares,

sobrando poeira e fumo,

descolorindo todas as fases

As janelas já se fecharam, 

finco da porta, a soleira

Esperando dias melhores

na hora já derradeira.

A força antes tão abundante, 

agora, fecha a torneira.

Hertinha Fischer


terça-feira, 4 de março de 2025

Saudosas tardes rosadas

 As acaloradas e rosadas tardes de verão abriam caminho para o descanso merecido.

Ao deixar a roça, se abria um pequeno trilho entre a vegetação rasteira, que se acabava numa estradinha de terra, onde passavam sonhos de rodas. Ao lado, havia postes de transmissão de dois módulos, deslizando no ar, várias linhas em simetria, que pareciam dançar no ar.
Um romantismo para todos os olhares cansados.
Saindo da estrada, outro trilho, marcado por um pé de bananeira nanica, levava a dois pessegueiros, plantados, um em frente do outro, No meio, o trilho se jogava para um terreiro imenso, Do lado de baixo, grandes arvoredos se deixavam crescer até o céu, do lado de cima, infinidades de bananeiras de todas as espécies, disputavam lugar. No meio do bananal, uma passagem de pedestres, largo e sombrio, que se ia até outro terreiro menor, desbocando, um pouco mais a frente da primeira passagem da casa para a estrada.
Dentro do contexto, a casinha se destacava, sentada na base do primeiro terreiro, com bananeiras também ladeando á suas costas.
No terreiro de cima, havia o paiol, onde se guardava a colheita. As vezes, de milho, noutras de tranças de cebola.
A morada continha uma pequena porta de madeira que se abria para oeste, outra para o sul, Duas janelas pequenas e desajeitadas de abriam para o norte, E uma para o sul. Ao leste ficava suas costas, que se encostava com um grande pessegueiro, que segurava um varal de roupas, feito de arame farpado, que se esgueirava acima dos capins até se encontrar com um coqueiro, que ficava ao lado do primeiro chiqueiro.
Abaixo do chiqueiro, o pasto do cavalo, Também cercado com arame farpado, ladeando uma boa parcela de terra, que ia até um taquaral a beira da estrada, descia até o rio, e do rio, vinha ladeando o segundo chiqueiro, feito por erosões, subindo pelos braços da mata, até, novamente se encontrar com o primeiro chiqueiro perto da casa..
A frente havia um mata burro, por onde havia a passagem para buscar água no rio, lavar roupas e chegar até outro mata burro, que se abria no segundo chiqueiro feito por erosão, onde se preparava a terra para os canteiros onde semeávamos as sementes de cebola, que, tão logo, alcançasse bom tamanho, eram retiradas e plantadas em terrenos, preparados, acima da estradinha de terra.
Encantos se espalhavam por todo lugar, goiabeiras davam seus frutos de quando em quando, enchendo os ares com seu perfume.
A pequena casinha contava histórias passadas, por onde se olhava havia vestígios: Ora um descampado, ora, se achava uma árvore frutífera perdida no meio da mata!
Quando ali chegamos, estava tudo abandonado, mas, assim que o lugar nos conheceu, começou a brilhar novamente.
A composição de um lar, modelado a mão antiga, Tesouros de terracota enfeitava paredes : desenhados pelas mãos do tempo, ressecados, formavam imagens.
O assoalho de terra batida, de tanto mimo, já se tornava meio tonto, Tinha certas ondulações, que os tijolos consertavam, para nivelar os pés das camas.
Dois quartos - Um para as cinco crianças e um para o casal, a cozinha já se aprontava para as fieis refeições, que nunca faltavam, se deliciavam nas panelas bem limpinhas, ariadas com perfeição, em cima da quentura de um fogão á lenha.
A sala de visitas, nunca era usada, ficava a observar o passeio da criançada que á usava apenas de passagem. Apenas o patriarca se sentava numa das cadeiras, a tarde, quando botava o rádio para funcionar , para ficar entendido dos acontecimentos longínquos.
Oh! que magia, tudo funcionando e resultando em alegrias.
Não havia pobreza por aqueles lados, só uma vontade imensa de viver. O que se plantava, se comia, e era tão farto como um restaurante qualquer de uma cidade grande.
O porco gordo que se abatia, ficava guardado em pote de barro, dentro de sua própria gordura, como um açougue a disposição, assim como os frangos, colhidos no quintal de casa. Bastava pegá-los sábado á tardezinha, para comê-los no dia de domingo.
O feijão sendo plantado, cuidado, colhido, batido, peneirado, ensacado, depois, direto para a panela.
Não me lembro de um só dia que não seria dia de festa.
Começava com a cantoria do galo, de madrugada - As galinhas despertavam e ficavam aglomeradas perto do chiqueiro, esperando que o milho fosse debulhado. Após, saiam cada uma para um lado, a ciscar ou botar seus ovos.
Depois o cheirinho de café que chegava até a cama, um convite para se levantar. Parecia uma prece, a prece de todas as manhãs.
Meu pai ia para o rio, com a toalha no pescoço, para se lavar e começar bem o seu dia. Nós ficávamos esperando que ele voltasse. Assim que ele abria a porta, todos pulávamos da cama em sintonia. Hora de tomar aquele café com pão amanhecido torrado.
Depois do desjejum, Ele colocava o seu conga azul, nem precisava falar nada. Saíamos para a seara na roça. Cada dia uma tarefa . Ora carpindo, ora plantando, ora arrancando matinhos com as mãos, entre as mudas de cebola.
Só quando chovia é que ficávamos presos dentro de casa. E mesmo assim, achávamos um jeito de ocupar o tempo. As vezes, lendo, outras vezes, aborrecendo uns aos outros.
Mas, o tempo voa com asas de borboleta. Bate- bate e vai em frente. Some!
E assim foi - é lembrado, que nasce a saudade, as lembranças e por que não dizer: o esquecimento.
Outro tempo se precipita, outros lugares nos comporta, outra idade nos distrai. Pessoas vão indo embora, pessoas vão chegando, agregando, abarrotando o sentido de tudo. E quando a gente percebe, estamos no mesmo patamar. Com muito menos história pra contar.

Hertinha Fischer.










segunda-feira, 3 de março de 2025

Moribunda imagem

 Gaiola de ouro, presa dentro do passarinho.

Anéis enfeitando, corpo de canarinho

Suados sussurros, silêncio noturno

Alegoria controlando os passos do taciturno

Houve tempo de Luar,

Luz fraca a enfeitar.

Tudo enfim, se apagou,

só restou o lento vagar.

Samba e enredo sem razão,

caça rabos de um cão.

A beleza se esvaiu,

oco e feio se viu

balançando em terra seca,

a bandeira do Brasil.

Quanto mais terra se tira,

mais fundo fica o buraco,

suntuosa mansão, por fora,

por dentro, pobre barraco.

Hertinha Fischer



domingo, 2 de março de 2025

A derradeira tarefa

 E repentinamente, ela emudeceu diante da possibilidade de ter que deixar seu corpo. Não queria sair de si, Não queria seu espaço vazio, mas a força, antes, tão fogosa, agora definha na incerteza.

Já sabia que um dia teria que partir, mas, não queria acreditar que em algum momento, teria que abandonar sua casa, seu companheiro e tudo aquilo com o qual convivera por décadas.

Seu quintal bem feito - aquele sol da manhã, que espalhava perfumes em sua sala de estar.
A mesa, onde guardava seus mais ousados sonhos, quando, pela tarde, encostava seus cotovelos e colocava a vida para açucarar.
E a comodidade do sofá da sala que, a noite, se fazia, macio, para lhe ver descansar.
As paredes que guardavam tantos passos, o portão, que, por tantas vezes a viu sair ou chegar. Que não poderia mais fechar ou abrir.
A poderosa cama que a acalmava enquanto dormia, E que agora, suavizava um pouco, o corpo já sem forças.
Tinha tantas coisas por se dizer, que precisava, as vezes, cochichar para as paredes. Já que ninguém quer ouvir um moribundo a falar coisas sem sentido.
Havia uma coisa que ela gostava de lembrar: O tempo em que viveu sem aquela preocupação em tomar remédios para se sentir melhor.
Nascera numa casa modesta, a segunda filha, sendo que, a primeira não sobreviveu mais que três meses de vida.
Sua mãe tivera a primeira filha, logo que se casara. Mas, a criança teve uma doença com apenas dois meses de vida, vindo a morrer aos três.
Naquela época, as mulheres engravidavam depois que deixavam de amamentar, Não havia métodos para evitar.
Tão logo a primeira filha veio a óbito. Sua mãe engravidou, após, nove meses, veio outra menina. Esta menina era ela, cheia de vida e bela como uma manta de tramas bem feita.
Talvez pelo trauma da perda, a mãe teve dificuldade para amamentá-la, por causa do abcesso em ambos os seios.
Teve que ser alimentada com água de arroz, e eventualmente, com leite de vaca, já que naquela época, tudo era mais difícil. Não tinham nenhum modo de refrigerar alimentos.
Ela ficou raquítica e não cresceu como deveria. No entanto, havia uma força sobrenatural, que fez com que sobrevivesse e se tornasse uma linda menina.
Com pele branca e algumas sardas, cabelos negros levemente encaracolados como de sua mãe.
Tinha apenas um ano e meio quando veio outra menina, também de pele branca, cabelos loiros como espigas de milho seca, sem ondulações.
Cresciam juntas, como duas crianças felizes. Aos seis anos de idade, já havia, além da irmã, mais dois novos membros. Um menino e outra menina.
A mãe sempre atarefada com as crianças e os afazeres da casa e o pai a trabalhar na lavoura para trazer o sustento, fez com que tivesse que trabalhar bem mais cedo.
Fazia pequenas tarefas como levar o almoço para o pai, na roça, ou cuidar dos mais novos, quando a mãe tinha que ir para o riacho para lavar roupas ou buscar água.
Conforme os anos foram passando, as tarefas foram aumentando, gradativamente, até que, passou a ajudar o pai na lavoura.
Como filha mais velha, isso fatalmente iria acontecer. Sua força de vontade superava a pouca estatura, e logo se viu, sendo o braço direito do pai. Agora, todos os outros irmãos já estavam sobre seu comando.
Viu-se a buscar água na bica, logo pela manhã, depois levava o almoço do pai até a lavoura, e a tarde, levava o café, aproveitando para ensinar a irmã mais nova, tudo o que sabia e que aprendera com o pai.
Certo dia, seu pai ficou preocupado. Já estava tarde e o café não chegava. Então, abandonou a foice e voltava para casa, foi quando viu duas menininhas a brincar num pequeno córrego que atravessava a estrada. Ao chegar mais perto, viu suas duas filhas rindo ao colocar os bolinhos na água, fazendo de conta que eram barquinhos, pulando e gritando de alegria ao vê-los nadarem.
Seu pai ficou furioso, mas, também sorriu, não podendo deixar transparecer a graça. Fez com que voltassem para casa com ele, e após tomar seu café, voltou para a roça.
Foi assim que cresceu, tendo que parecer mais velha do que realmente era, e mais grande que sua própria estatura.
Logo começou a perceber que poderia colocar os irmãos para trabalharem, a fim de não sobrecarregar-se demais.
E lá estava ela, dando ordens aos mais novos, enquanto trabalhava arduamente na lavoura com o pai, distribuindo tarefas a cada um deles.
Sua imaginação aflorava enquanto crescia, logicamente, já sonhava em se casar.
Seu pai não deixava que as meninas conversassem com rapazes, mas, ela, dona de muita esperteza, já começava a dar seus pulinhos. Saia com as amigas no domingo a tarde, para fazerem visitas. Quando, porém, encontrava um moço atraente, as visitas se tornavam muito mais assíduas. Uma de suas amigas tinha um primo muito bonito, morava um pouco distante de sua residência, mas isso não impedia que se encontrassem de vez em quando.
Sua mente se realizava em sonhos, como se o que vivesse no dia a dia, bastasse para continuar a existir.
Domingo era um dia diferente de todos os outros. Seu pai dava folga para ele mesmo e os outros seguiam o mestre. A tarde livre tinha gosto de aventura, longe do olhar inquisidor de quem quer que fosse. Nesse dia a luta dava descanso, para nascer outros sabores diferentes de diversão.
A dura vida de roceira estava entranhada em si, era a única maneira que conhecia de subsistir. Seu anfitrião lhe deslocava para lá e para cá, dando certa importância ao que fazia. E realizava, como abelha rainha, a construir maneiras e maneiras de aprender.
Enquanto a irmã um pouco mais nova que ela, cuidava dos pequenos afazeres em casa, para ajudar sua mãe, ela se desdobrava para não fazer feio frente ao pai. Realizava quase todo trabalho junto com ele.
Franzina em tamanho e uma fortaleza por dentro - capinava, abria covas com a enxada, buscava lenha para alimentar o fogão, regava as mudas com regador, tratava do cavalo, buscava água no rio, destrinchava um porco, inteiro, como ninguém. cuidava dos irmãos mais novos, Sempre ela a frente, atrás do papai.
Por sorte, aprendeu a colocar os irmãos para trabalhar, tornando menos árdua as tarefas que eram lhe atribuídas. Mas, a parte mais pesada, ela carregava sem reclamar.
E o tempo a despertou para o brilho. Fora da lavoura, se esmerava em procurar por amor.
Os rapazes estavam sempre por lá. Tinha um que a queria, fazia tudo para chamar-lhe a atenção. No entanto, não fora bem sucedido. Ainda havia um certo medo de namorar.
Medo de enfrentar a ira do pai, que dizia: É a partir de amizade e conversa com rapazes que tudo começa.
-È claro! ela pensava: -Como começar sem conhecer?
E os dias iam se indo, como quem obedece ordens. Aliás, de obedecer ela sabia bem.
Começou a se convencer de que teria que sair da roça. Só assim poderia, alcançar a liberdade tão desejada.
Tinha muita vergonha de ser quem era. Havia uma certa pureza em seu pensar.
De certo modo, sentia um certo ciúme, de quem, errante, estava livre.
Aconteceu que, em certo momento de sua história, as algemas foram retiradas, e ela pode conhecer o outro lado da moeda.
Só não sabia que a maneira de existir de cada pessoa é diferenciada. E mesmo livre do sistema patriarcal, sua alma estava acorrentada nos princípios.
Saiu da solicitude de sua casa, enredando por caminhos desconhecidos e maus.
Tentou montar um negócio na cidade, e, inocentemente, perdeu mais um pouco.
Conheceu um homem que desejou, fez o possível e o impossível para colocá-lo em sua vida. E o casamento veio a acontecer, de modo simples sem nenhum glamour.
Logo a causa deu seus frutos, e uma linda menina nasceu.
Enfeitou sua alma de luz, pode enfim, saber do que se tratava a vida.
Traçou caminhos, fincou estacas em suas defesas, chorou ( por que não) as vezes.
Luas e sóis traçaram dias e noites, lençóis e travesseiros cavaram tempo, e como o tempo corre atrás da gente, logo ela estaria a deriva.
Buscou solução onde as palavras lhe davam esperanças. Trabalhou dentro de si para não sucumbir. Tratava-se de vida, mas, sabia que a vida tem seus declínios.
Quarenta anos depois, o tempo lhe apresentou outro membro, uma menina linda que lhe deu o nome de avó.
E mais uma vez, o destino distorceu seu caminho.
Teve um infarto, foi parar em um hospital, quase sem pulso.
Ficou por vários dias na U.T.I , sendo medicada por remédios fortes, perdeu o sentido do que ocorria em seu redor.
E teve mais uma chance. A vida ainda lutava.
Passou se os dias a correr mais depressa, agora ela tinha uma pontada de esperança, que, as vezes, lhe dava um pouco mais de energia, mas, o corpo fingia. Não era a mesma e sentia as vibrações cada vez mais lentas.
E o medo de deixar a construção para trás, ainda emerge, como quem se prepara para o último estar.
Não quer ir embora, mas, as malas já se arrumaram. E logo terá que partir.

Hertinha Fischer