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Lá onde aconteceu

  Busquei em vão o que não achei, a maquina do tempo não funciona. Leva-me na alça de seu estalo Já foi, foi mesmo. Em que sala se entrega,...

terça-feira, 30 de maio de 2017

Maestria da vida

Ela buscava em todos os lugares um bom
motivo para alegrar-se;
As vezes se satisfazia plantando rosas
em seu jardim, noutras, apenas as vendo crescer.
Enquanto outras meninas se enfeitavam para satisfazer com olhares,
ela apenas olhava de longe a complicação do  viver.
Em sua historinha de menina, príncipe não existia, e princesa,
muito menos.
Não queria ser alguém melhor que ela mesma, não queria ser bibelô,
nem fantasia, nem sonho, nem esperta demais, só queria poder
andar pela vida, colhendo as flores pelo caminho, sabendo que enfrentaria
tantas contrariedades, por ter gosto apurado, e pelos tantos desejos que
lhe faltava.
Trabalhava com afinco em seu roçado, plantando e colhendo á seu tempo,
e as tardes ensolaradas, já livre da labuta, sentava diante do espelhado
mundo, a ver refletido nele, um pouco de si mesma.
Uma pequena fagulha, dizia ela: - nesse imenso vale do olhar.
Não posso simplesmente querer o prazer sem trabalhar, nada
me vem as mãos se antes não me levantar e realizar. Assim trabalha
a natureza, dia e noite, incansavelmente.
A noite a encontrava despida completamente de sonhos, maravilhada
com tanta beleza, muitas vezes, ficava a observar as estrelas, uma
a uma, enquanto nasciam ante seus olhinhos curiosos.
Quantos pontinhos brilhantes, - pensava ela: - será que me veem também assim?
Uma coleção brilhante, de variado esplendor, cada uma com identidade própria,
nasceram quase que despercebidamente, tomando conta daquele imenso vale
azulado, que agora, parecia mais com um pano de fundo cobrindo seu
mundo.
Abaixo da lona, estava seu corpo, estremecendo de frio, quase que a desmaiar
de tanto êxtase. Como era bom estar ali, sem idealizar nenhum futuro.
Por muitas horas acolhera aquele momento único, pois sabia ela, que
outro dia, talvez sentasse abaixo daquele véu brilhante, mas a sensação não
seria a mesma.
Nunca mais seria a mesma.
Desceu de sua imaginação, um pouco frustrada pelo sono que já
a espreitava. De súbito, soltou uma baforada de ar para fora, elevou-se
como uma árvore que emerge da terra, tornou a encher os pulmões com
oxigênio, sentindo a brisa suave tocá-la por dentro, e o
perfume da noite  a deixou tonta.
Só então, pensou no dia seguinte, Teria que levantar cedo, não dava para
namorar a noite por mais tempo.
Alcançou o alpendre com passos lentos, ainda com olhos voltados para o céu,
abriu a portinha que a levava para dentro e deixou lá fora o maravilhoso espetáculo.
Sua cama estava arrumada, tirou  a colcha de retalho que a enfeitava, afofou
o travesseiro de pena de ganso, e jogou-se  sobre ela  suspirando
de prazer.
Sempre seria assim: sua melhor hora era a hora que abrigava qualquer momento.
pouco importava o que fazia, sempre havia prazer em estar presente.
Enquanto dormia, sua alma a levava em lugares desconhecidos, raramente sonhava
com coisas palpável, ou lugares já vistos.
Naquela noite, especialmente, andava nas nuvens, sentindo a maciez sobre os pés, tendo
como companhia, milhares de gansos selvagens,  que passavam distraidamente ante seus olhos,
cortando as nuvens como vento cortando fumaça.
Acordou tão disposta ouvindo o som lá de fora, os gansos se tornavam reais, o som de seus gritos atravessavam a parede de terra batida, trazendo-á de volta a realidade.
Gostava de animais, principalmente  de aves. Tinha uma infinidade deles em suas terras, nenhuma
entre grades, Todos livres assim com ela.
Tirou de cima o cobertor que a aquecia, colocando seus pés sobre um chinelo que passara
a noite a observá-la ao lado da cama. e saiu a sorrir.
-Mais um dia!- pensava:
Tomou o rumo da cozinha, acendeu o fogo, e preparou seu café, sorvendo aos poucos a bebida quentinha, sentindo-se mais atenta do que nunca. tudo lhe dava prazer.
A vida se anunciava la fora a todo vapor;
Pássaros revesavam na cantoria, os gansos faziam tanto barulho parecendo uma pequena orquestra
regida pelo sol ardente que espalhava ternura por todos os poros.
Ela saiu para fora sentindo-se a dona do paraíso, pegou algumas espigas de milho, e pôs-se a debulhar,
jogando as sementes sobre a terra, enquanto as galinhas se aglomeravam entre os gansos, disputando
cada grão, comungando uns com os outros:- como não ser feliz?
Tudo estava calmo naquele dia, nenhuma nuvem perturbava o sol, e a harmonia na natureza era bom de se admirar.
Depois daquele banquete, cada um procurara o que fazer: os gansos se jogaram na água, numa dança frenética de poder, as galinhas se embrenharam na mata a cuidar de si, e ela se preparou para o trabalho.
Nada mais importava, nem o relógio á obrigava a ir mais rápido.
A pequena enxadinha descansava ao lado da porta, a esperar por sua ordem, Ela pegou a ferramenta
com naturalidade, como se já fizesse parte de seus dias. E com uma certa agilidade nas mãos,
se pôs a limpar o seu quintal.
Se alegrava demais com o ruido que ela fazia, e vendo os matinhos se deitarem á seus pés, sorriu satisfeita.
O dia parecia fluir bem humorado,
Mas, em certo dia, quando a chuva caia em abundância, ela sentiu falta de alguma coisa, não sabia bem o que era, mas, uma nostalgia tomara conta de seu ser. Precisava entender o que lhe acontecia.
Aquele sentimento de antes á abandonara, e uma mescla de infelicidade começava a rondar por ali.
Não havia mais alegria em suas tarefas, apenas uma canseira sem fim. Tudo á incomodava, seria saudades
do que não tinha?
E o que lhe faltava? - pensava:
Um amor? mas amor ela tinha em seus bichos!
Um outro eu, talvez! para sonhar comigo, para dividir meus espaços, para cuidar e ser cuidada, e reaver vozes que por muito tempo deixara de ouvir,
Suas vozes internas não mais satisfaziam, suas melodias se perdiam no vazio quase sussurradas ao vento.
E a chuva, cada vez mais intensa, lhe obrigava a se recolher, e se recolhendo, sentia-se tão sozinha.
E sentindo-se sozinha, começara a sonhar.
Tinha saudade do que havia lá fora, saudades de outras vozes que não fosse a sua. Outra musica a tocar, outros elementos a se compor, tão cansada estava das mesmas letras.
Foi então que conheceu a dor.
Descia toda hora para a pequena biquinha lá na ribanceira, quando o rio se jogava de um barranco transformando-se em cachoeira, mas, notou algo acontecendo, quase sem som já estava, a desbarrancar-se em seu leito.
Nas suas noites belas, agora povoava uma certa agonia, inexplicável, soberba e repleta de pesadelos.
Pela primeira vez na vida ela sentiu-se frágil e deslocada. Precisou se esforçar para entender os sinais, que estavam estampados como uma bandeira hasteada,
O tempo! - ela se viu a exclamar:
Passou sem que me desse conta, envelhecendo tudo ao derredor, tirando-me as forças e a capacidade, assim como os aguaceiros de verão, chegou sem avisar.
E pela primeira vez em sua historia sentiu medo de morrer.
Passou então a fantasiar, Assim como uma nova historia a se contar de outro jeito. E a espera agora era sua unica companheira.
Nunca se ligara muito ao tempo, só pensava nas renovações de cada instante, assumindo diante da vida
a sua maneira de ver, de ouvir e de estar.
Mas, agora, as coisas estavam mudando, precisava se habituar ao fato de que estava envelhecendo, não cabendo mais aquele sentido florido como dias de sol.
Tudo ia desaparecendo: o apetite, as lembranças, a alegria, o sorriso, a força, enfim, estava definhando.
E a noite não mais lhe trazia alento, ficava horas acordada, tentando subir no lombo das nuvens, chamando por seus gansos, mas eles não vinham, assim como o sono.
Tudo á sua volta dormia, mas, ela não conseguia fechar sequer seus olhos.
Tinha medo do amanhã, aliás, tinha medo do segundo seguinte, as horas, agora, se tornara sua maior rival.
Muitos dias se passaram, cada vez mais seu corpo definhava, e sentia cada mais saudade: saudade do que vivera, daquelas horas todas ocupadas com alguma coisa.
Até que surgiu no horizonte mais um dia, aquele que a levaria para outra instancia. quando sem querer ouviu o som de um sino tocado ao longe, e esse som lhe encheu de paz, Fechou os olhos para sentir melhor a melodia, e foi se deixando levar, até que tudo parou, Não mais ouviu o tilintar das gotas caindo do telhado, não mais ouviu a voz do seu lamentoso estado. Tudo se tornou silencio, e ela enfim,
se foi!

Herta Fischer  (Hertinha)



















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