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Sorte ou destino

Tereza sentia a necessidade de aprender pelo olhar, a única maneira que conhecia, sua única escola. Seu pai, vindo da simplicidade, não sabi...

sábado, 30 de dezembro de 2023

Tez -Ouro de Deus

 Ainda em reprodução do nada.

Em corpo condenado, que enfado

Assim como luz e escuridão,

quem vence?

A escuridão se afasta da luz, 

ou a luz encobre a escuridão?

De onde sai as falhas,

Da ordem ou das desordens?

Não pode haver folhas sem caule,

ou frutos sem flor, a flor vira fruto

e as folhas enfeitam os caules.

Sabem me dizer por quê?

Uma ilusão de tempo é a vida.

Ou o tempo e a vida são ilusões?

Sabedoria é saber, e saber onde está:

se não te contam.

Coisas obscuras, que as claras, não se vê.

Ou não compete saber, ou, de propósito

se esconde, para que os mortais

continuem mortos, após, a passagem da morte?

Hertinha Fischer.





Lua em festa

 A lua me vizinha, galopeira que só ela.

Em luzes, de mim se aprofunda

Num céu sem azul

Lança-se em sombras,

onde não alcança.

Onde galhos e galos se amarram

Cantando suas penas

Caracóis de meus costumes

Força que se aprume

Sonhos sonhados, esquecidos,

lembrados, quem define?

Luarada, enluarada, Luto e espera

Futuro do amanhã, 

Mansidão do ar, chuvas serenas

Folhas inundadas de prazer

Nos orvalhos de bem querer.

Luar, gloria da escuridão,

sol na sugestão.

Hertinha Fischer






quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

hospedagem da esperança

 Fim ou seguimento?

Surgimento, ânsia por outro.

Um caminhar, caminho, caminhando.

Ainda desperta estou, sou.

Anos que sobem e descem,

caminhos, os mesmos.

Solitário, vem, solitário vai,

figuras e fogos, alienados, impulsos.

Estômago cheio, vazios inúteis

Cama preparada, mesmo cobertor,

cismas e esperança, ao dispor

Ovos de borboletas ou peixes,

fora, dentro, folhas e água.

Como um gato se esgueirando 

sobre telhados, 

Como sorriso enfrentando mágoa de

tempos e injurias passados.

chorando igual criança,

brigando com o nada.

Lá vou eu, na espinheira,

sangrando mais uma vez.

Quem inventa o futuro

vive de embriagues.

Logo que um ano termina,

lá vem outro com rudez.

Hertinha Fischer







terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Regresso

 Saudade é o lema.

Juventude fantasma
rostos e figuras
que se foram
Imenso infortúnio é o tempo.
memórias e tristezas
Por que passado?
poderia passar sem levar.
De tantos caminhos lavados
com tantos prantos e brados
Rostos em areia transformados
Lança sobre nós,
uma secura por dentro,
mas, ainda com delicadeza
cria, além de memórias,
um lugar para seguir,
já sem antes. Num antes
modificado.
Hertinha Fischer.

domingo, 24 de dezembro de 2023

invisível da alma

 Ao longe o horizonte, perto, o irmão

Que luxo amar.

Sendo que amar não deriva de luxúria, 

luxúria é eu.

Amar é, todos.

Basta viver e deixar que vivam.

Assim como as palmeiras escondem

seus palmitos.

Assim como as aves voam e o ar é grande

para todas as asas.

Assim como o caule que produz flores e não o é.

De onde se formam?

Eu , que de mim, sou

e na ganância me acho mais.

E em minha prepotência me broto

Sou uma pequena pena dentro de um revolver,

pronta para atirar, achando

que tiro a vida.

Que pretensão, se nem caibo em mim

A quem pertence a vida? senão, aquele que a dá?

O instrumento não vale nada se não for manuseado,

ou, mesmo manuseado, não será nada sem competência.

O prego jamais será fincado com as mãos, é preciso a força do ferro, para

que as mãos faça efeito.

Posso ver o prego, o martelo, mas, a força me será sempre

invisível.

Assim como vejo o corpo a se mover. Penso, logo existo!

Ou existo para pensar?

Hertinha Fischer







sábado, 23 de dezembro de 2023

Ritmos do olhar

 Poesia também cabe dentro da desesperança.

Desde a chegada,  já estive de malas prontas para voltar.

Voltar sem ter ido, sonhos

A primazia fez parte, fui o primeiro em tudo,

até perceber que não era o único bobo da corte.

Fiz rir, rir de mim, as vezes, pelas costas.

Piada pronta.

Hoje me envergonho um pouco, por ter me deixado levar.

E os rios corriam em mim, entre pedras lavadas

Ouvia-se por dentro, cordas arrebentadas, sons de pingos no telhado.

Não houve tempo, córregos se abriam.

Um medo de seguir me impulsionava, o ir era o obstáculo.

Cheguei onde muitos chegaram. ou cheguei onde muitos desistiram

Falhei na revoada, bati com as asas no ar, e me refiz, quando alcancei o chão.

O limite  me eliminou.

Como uma arca perdida entre areias, ventania seria salvação,

Voltei-me com idade mais avançada

e descobri a felicidade, dentro de uma bacia de mel

Me dei ao clima, ao ânimo das estações me refiz. Aqui e agora me reconheci!

Hertinha Fischer.



sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Pretérito perfeito

 A grade ainda reside

na ânsia que a vida prende

Favor que se estende

á quem só quer se valer

de nada se vale

O ontem, sabor pretérito,

o hoje,  lambança,

amanhã, vizinhança.

Quem se quis de madrugada,

não ouviu a alvorada,

se foi na enluarada

que o dia encurralou.

Nem sou querer que se prende,

nada sei do amanhã.

nem saberei se amo ou se apenas

quero desejar o amor.

Ou ainda que me conheça,

ou me esqueça. Nada sou.

Hertinha Fischer

Porta destrancada, varanda de olhos verdes

 As tardes me sondavam como a mariposa explora as ondas de luz. 


As cigarras cantavam para mim: "Conta sua história, canta sua história, viva sua históriiiiaaaa." 


A hospitalidade da relva solta sob grandes arvoredos me inspirava tanto que eu acreditava que seria uma história longa e apaixonante. Quando os bem-te-vis se agitavam em busca da melhor nota para compor o som de cada folha caindo ao chão, outros seres alados se esforçavam para acompanhá-los com seus melhores trajes de festa. Peitos azuis, vermelhos, acinzentados, amarelados, violeta, inflados pela arrogância de suas cordas vocais, abriam seus biquinhos para me ensinar a cantar músicas indecifráveis e mágicas de viver com prazer. 


Muitas vezes ficava horas ouvindo a orquestra sinfônica da selva, executando solos poderosos e arrepiantes. As folhas que se desprendiam suavemente de suas hastes caíam aos meus pés como um despejar de paz. Aprendi a ser original. Não precisava ser cópia de ninguém, apenas ser eu mesma. Aquela paz me levava a construir alicerces fortes e poderosos, onde nenhum medo poderia pousar. Só precisava viajar cada vez mais fundo dentro de mim. Havia uma certa loucura por voar. 


Aprendi a linguagem dos pássaros. Uma imensidão de relvas crescia dentro do meu peito, arbustos de fé construíam meus ninhos, e os ovos de incentivo eclodiam, ganhando belas penas de compensações. Segui cantando e assobiando ao mesmo tempo. Tudo era alegria. 


O tempo trouxe algumas angústias, mas logo as levou. Dentro de mim, soava alto uma aurora incrustada como um diamante de ternura. Amei a vida e a odiei em alguns momentos. Com o tempo, deixei as fábulas e o encanto de sonhar com fantasias. A realidade estava longe de ser abstrata.  

Hertinha Fischer







domingo, 17 de dezembro de 2023

Experiências vividas

Quem serei, senão eu mesma?


Nada perdi, tudo é meu,


ainda que eu vá, ainda que se vão.


Nada está perdido,


guardado no pendrive da vida, memórias de computador.


Meus olhos viram e ouviram,


na luz da companhia, próxima e distante.


Coisas que se aprendem. O passado já foi presente,


e o presente nunca se esquece!


Boa memória é assim.


Guarda os cinco sentidos,


nomes, rostos, casas, lugares,


ações, conversas, brincadeiras.


No esconde-esconde da vida,


uma hora a gente acha e se abraça,


mesmo que seja breve


esse tempo que passa!


Herta Fischer

sábado, 16 de dezembro de 2023

Diversão na fazendinha

Na fazendinha do Seu João, a diversão está sempre garantida.


Tem ratinho na floresta e gatinho na festa,  

Porquinho no chiqueiro e galinha no poleiro.


Laranja doce no pé e casa de sapé,  

Grilo cantando alto e barata dando salto.  

Leite na geladeira e cabra na feira,  

Galo cantando cedo e bode cheio de medo.


Fogo na chaleira e raposa faceira,  

Roupas no varal e pintinhos no quintal.  

Roçado com plantinhas, comida pras minhoquinhas,  

Peixe no rio pequeno e pato com muito frio.


Carne defumando, água quente borbulhando,  

Água correndo no cano e vento soprando.  

Tartaruga na terra, arroz na serra,  

Sapos na lagoa e uma boa garoa.


Cavalos troteando, aranhas costurando,  

Árvores balançando e flores encantando.  

Vento uivando, cachorros passando,  

João semeando e Maria cozinhando.


Frutas doces no pomar, alegria sem parar,  

Amor que nunca acaba e jabuticabas.  

De dia o sol que brilha, à tarde a merecida partilha,  

No trabalho, força bruta e no lago pesca de truta.

Hertinha Fischer

sábado, 2 de dezembro de 2023

O barqueiro do ar

 -Nunca aprendi a voar, dizia: -Não tenho asas!

Era só sua maneira de brincar com suas pernas e de

inventar coisas. Tipo: gangorras de madeira cortada e carrinho

construído dentro de touceiras de bananeiras.

Assim era meu irmão - homem nascido entre quatro mulheres. Talvez, por causa disso, houvesse, nele, tanta solidão. Compartilhava tudo, mas não podia compartilhar de si.

Hoje, analisando, friamente, vejo que essa solidão lhe rondava abertamente, tanto, que, talvez tenha aprendido, a se dar, de uma forma absoluta, a ponto de não observar os abusos. Nada lhe pertencia, exceto, seu bom coração. Teve um fato, que me marcou muito, quando foi trabalhar num circo, ficou longo tempo longe de casa, e quando voltou,  só estava com ele a roupa que tinha no corpo. 

Havia nele, certa cumplicidade com as irmãs. Sempre solicito, mergulhava em sua caminha solitária, enquanto ouvia cochichos do lado. Não podia se atrever a comentar, era menino, e menino seria simplesmente menino. Falta de um pai? Não, falta de um amigo pai. 

O roçado, muitas vezes, temeroso. Era o que o unia com os demais. Nas cantorias das enxadas, afiadas, rasgando o gargalo da terra. E as afeiçoadas plantas, que se destacavam no amado chão. As muitas vezes em que se contavam histórias, ou quando as brincadeiras exigiam mais que um. Hoje, entendo meu irmão.

Perdemos nossa mãe muito cedo. fato que não se espera, dureza de se compreender. Talvez, seja quem mais sofreu. Era homem, e homem conta com sua mãe para tudo. Foi como se a solidão dobrasse de tamanho. 

Foi então, que se atreveu a formar família. Conheceu e se engraçou com uma mulher. A primeira mulher que, de fato, o aceitou, depois de sua mãe. Teve filhos e os amou á sua forma, Formando-os como se forma bons homens. Livres em suas escolhas, livres como asas de falcão.

Enquanto nos emaranhávamos em nossas próprias definições, definindo e contestando, construindo casas de papel, semeando vento. Ele subia bem mais alto, solitário e solicito, trocando boa vida por bons momentos.

Incompreendido, as vezes, pelo excesso. Pressa de viver, talvez?

Pediram-me para descrevê-lo. E foi ai, que senti o quanto estava longe, de tão perto estava. Pouco me lembro de quando éramos criança. Mulheres tem dessas coisas, pouco sabem da solidão dos homens.

Deixava transparecer bondade em fartos sorrisos e contos, que, mansamente, trazia memórias boas de algo ou alguém. Sempre a lembrar o passado e viver o dia como quem confia que só se vive uma vez, Onde o futuro se confundia com o dia.

Era como nos contos de fadas, onde o baile acontecia fora do salão, se contentava com a abobora, não queria a carruagem, nem uma modificação que  desfizesse a liberdade de autenticidade.

Fugia um pouco da responsabilidade, não por falta de amor, mas, por sentir-se livre demais, como um cavalo que ainda não foi domado. 

Seu ultimo dia, sobre o palco, é uma incógnita. Ousou tocar a ópera sozinho. Assim, como, no silêncio, enterrou qualquer resquícios, do, que, realmente, procurava e não encontrou, ou encontrando, tudo que buscava dentro dele mesmo.

As vezes, pulsava uma grande vontade de viver, Noutras, apenas subsistia.

Seguia os passos do pai que ele amava. Rabugento e sombrio, queria que a sua flauta tocasse com os lábios alheios .

Aprendeu com a vida dura da roça, mas, a vida na cidade é mais dura ainda. Oferece largas compensações e ilusões sem fim. Equilibrar-se  com o que a cidade oferece, seria como subir em pés de alface. Mais fácil controlar a lâmina de uma enxada, do que controlar-se diante dos vícios.

Não deu nenhuma atenção para os avisos, nem se ligou para os sinais, tanto era grande a teimosia.

Perdeu dinheiro, perdeu saúde e perdeu e fragmentou a família, tudo em nome de uma certa arrogância, coisa de macho.

Culpado? quem? Viver é isso: sem abalo no embalo.

O Vulcão depende do sísmico. Sem abalo, sem lava, nada de novo.

De repente, uma ilha!

Tudo depende da força. Força de vontade e vencer a si mesmo. E quão é difícil vencer um prazer.

Eu quero! Eu decido! Eu mando! Sou rei! E o rei também comete seus crimes, repletos de vontade!

O que seria rios caudalosos. Senão, aquele que atravessa pedras? As pedras nunca o deterão, até que encontre um lago tranquilo para desaguar. Quanto maior for a luta, maior seria a vitória, Não, sem antes, derramar-se em fúria contra si mesmo.

Isso sempre acontece com quem se deixa dominar por alguma espécie de raiva.

A incompreensão desencadeia certa vontade de ir contra a maré, para provar algo a si mesmo.

E meu irmão dominou essa arte, feliz sempre! Pouco importa  o rumo, achar-se  ou perder-se, dá no mesmo. E assim foi. Estava certo? pouco sei!

Só sei que deixou história como qualquer vivente, sobrevivente neste mundo ilusório.


Hertinha Fischer



























Arte grega

Eu caminhava pela estrada de chão batido, em busca de algo que chamasse minha atenção, ouvindo apenas o som dos meus passos. De vez em quando, me aventurava em algum campo, onde a floresta me presenteava com amoras fresquinhas.


Minha história parecia uma casinha abandonada no meio do nada. Sonhava com ousadia, imaginando-me dirigindo um carro na velocidade da luz, até me encontrar comigo mesma do outro lado do espaço. Mas aquele espaço ao meu redor era tão pequeno que mal cabiam todas as minhas fantasias.


No mês de outubro, às vezes, corria para colher içás pelas roças, sondava buracos, pegava-as e arrancava suas mandíbulas antes de assá-las para comer escondido de minha mãe. Sozinha, minha maior alegria era andar pela mata, olhar para tudo como se estivesse vendo pela primeira vez.

Um turbilhão de emoções me envolvia, assim como as formigas cercam uma caixa de abelha. Muitas vezes, eu saía às escondidas só para descobrir se alguém sentia minha falta. Vagava pelo milharal, trançando os cabelos das bonecas de milho, minhas amigas visíveis e secretas. Na minha cabeça, criava milhões de histórias e causos que nem sequer entendia. Meu mundo de ilusão quase parecia perfeito. Sempre com os pés descalços, dedinhos à mostra, a sola endurecida suportando os espinhos. Certo dia, surgiram feridas na sola do pé. Começou com um pontinho, que logo virou uma pequena auréola, e dentro dela nascia carne esponjosa que doía tanto que apagava meu sorriso. Isso durou por meses, e nunca contei a ninguém. Sofria em silêncio, como se sofrer fosse meu destino. Até que um dia percebi que precisava fazer algo antes de perder completamente a vontade de caminhar. 
Minha mãe sempre mantinha uma agulha presa em um calendário pendurado na parede da sala. Peguei a agulhinha como se fosse o objeto mais precioso do mundo, sentei no chão e comecei a cutucar a ferida. Parecia que toda a dor do universo havia decidido me visitar de uma só vez, tão dolorosa e cruel era a tarefa. Insisti até remover toda aquela carne estranha de dentro do poço. Quando começou a sangrar, parei. 

Nem percebi quando sarou. Só sei que o buraco desapareceu e a vida continuou em festa. Minhas três irmãs dividiam a cama comigo, e eu adorava quando ficava espremida contra a parede, com o nariz encostado nos torrões, sentindo o cheiro de terra seca. Era como se as paredes me protegessem durante os pesadelos.

Uma parte do nosso quarto, perto da porta, estava bem desnivelada. Com o tempo e as limpezas com a vassoura, formou-se uma pequena montanha. Os pés da cama estavam apoiados em alguns tijolos, enquanto a montanha ficava bem evidente ao lado das duas camas alinhadas, uma das quais era do meu irmão.
Com o passar dos anos, fomos crescendo e a cama ficou pequena para nós quatro. Eu sempre arranjava alguma solução prática. Peguei um pedaço de couro de carneiro que meu pai usava como manta no arreio do cavalo, estendi sobre a montanha de terra e comecei a dormir ali. Era desconfortável, com a cabeça mais alta e os pés mais baixos, parecendo que dormia quase em pé, mesmo estando deitada. Ainda assim, achei a ideia incrível. 

Minhas irmãs adoraram ter mais espaço para dormir e não se importaram nem um pouco de eu estar no chão. Mas havia noites em que eu chorava, sonhando com atenção, esperando que me chamassem de volta. Isso nunca aconteceu.

Um dia, meu pai disse que me levaria para São Paulo, para que eu pudesse aprender algo na vida. E lá fui eu, embarcando nessa história. Do interior à capital! Já tinha completado onze anos, madura demais para trabalhar e viver por conta própria, ou assim pensava.

Enquanto o ônibus seguia pela estrada cheia de curvas, meu coração doía de saudade da minha mãe e dos meus irmãos. Mas, ao mesmo tempo, eu sentia um certo orgulho por estar saindo da minha zona de conforto, como aquele papelzinho do realejo que salta para fora. Segui desejando que a sorte estivesse ao meu lado.
Dois meses de tormento me aguardavam. Dias e noites sofridos e desconfortáveis pesaram em minha mente. Uma saudade imensa das minhas poucas coisas - das florestas, do caminhar sorrateiro sobre as folhas, das conversas que eu tinha com as árvores, dos canteiros, dos banhos de água fria, da minha doce mãezinha e dos meus irmãos, que não se incomodavam em dormir no chão, mas enchiam meu coração de amor.  
Toda noite eu chorava como uma criança, sem saber o porquê. Até que pedi para me levarem de volta para casa.
Era um dia bem quente, com poucas nuvens e um sol escaldante, quando adentramos o último trecho desconhecido da estrada. Um simpático pé de eucalipto, plantado em uma bifurcação, me reconheceu e estendeu uma de suas mãos, que balançou ao receber uma rajada de vento.
A felicidade me encontrou naquele instante.
A pessoa que me trouxe de volta estava de cara fechada, por ter que largar o trabalho para me atender.
E eu era eu de novo, como se estivesse renascendo naquele momento.
A estradinha, aquela que tanto me encantava, com sua amizade desinteressada refletida em meus sonhos mais recentes, a qual eu havia abandonado por puro capricho de meu pai, abriu-se em um sorriso maroto, exibindo suas curvas e retas bem desenhadas, e perfumou minha chegada com uma mistura de aromas.
Eu não estava a pé, mas sentia cada pedacinho de terra batendo no pneu do carro, as pedrinhas tilintando como gotas de chuva. Ah, que doce ventura! Todos os moradores daquele lugar estariam com inveja de mim. Não havia beleza em mim, apenas o encanto do retorno, a consciência da saudade se dissipando, as alegrias escorrendo pelos cantos do rosto rosado e livre. 

Nenhuma pergunta, nenhum abraço, nenhuma euforia dos meus familiares, apenas a porta aberta e a lã de carneiro à minha espera. Parecia que aquele intervalo de tempo só tinha existido nos meus pesadelos. Nada mudou! Tudo estava em seu lugar: o fogão a lenha com suas línguas de fogo, a lamparina deitada sobre o armário esperando a noite, o balde transbordando de água fresca, o chão limpo, sem nada para incomodar a terra batida. E minha montanha, intacta, pronta para me receber novamente.

Ainda deu tempo de usar a enxada na plantação antes que a noite chegasse. Talvez fosse verão, não sei! Todas as estações pareciam iguais!
A lua prateada surgiu para a festa, e dentro de minha cabeça também havia celebração. As lamparinas foram acesas, trazendo pouca luz e silêncio. Falei pausadamente, em tom baixo, para não romper a paz daquele lugar. Sentia uma felicidade imensa, difícil de expressar, por estar de volta àquele lar abençoado. 

Minha mãe seguia com sua missão de cuidar, enquanto meu pai se dedicava à árdua tarefa de sustentar. Minhas irmãs, sempre meigas, ajudavam sem parar no que podiam. E eu, a pequena formiguinha do acaso, no meio daquele vai e vem. Tudo se completava de forma tão maravilhosa. O céu, como uma aquarela de paz, mudava de azul para cinza, de cinza para alaranjado, enquanto o olheiro do mundo nos espiava com suas luzes passageiras.

A noite, mágica como sempre, chegava chamando o fósforo para acender as lamparinas, iluminando por dentro, enquanto a lua clareava lá fora e as estrelas compunham a ópera. Mas o maior brilho vinha da fadinha mãe, que nunca se cansava. Era ela quem apagava tudo, preparando-nos para o descanso merecido da cama, antes de também se apagar para se renovar para um novo amanhecer.

Havia tantas esquinas que se perdiam entre folhas verdes, curvas abençoadas conduzindo aos suaves frutos presos ao ventre da terra. Acima, destacava-se a estradinha empoeirada, aberta para todos, como se esperasse por um amor para tocá-la com pés suaves e suados, afundando-se em sua matéria viva e inerte. Era uma delicadeza estar ali, contemplando tamanha proeza do viver!
Havia uma cumplicidade natural entre os seres – as abelhas com suas flores, as flores com seus beija-flores, todos compartilhando em harmonia e sintonia. Cada um em seu lugar. A enxada repousava num canto, o varal apoiava-se nos galhos, o chiqueiro aproveitava a sombra da figueira, o cocho segurava o milho, e a roça enfeitava a palhoça. Memórias queridas balançavam nos galhos. 

A felicidade, sempre acolhedora, nos oferecia um café quentinho à sombra de qualquer árvore. As enxadas viravam cadeiras, a terra fazia-se mesa, enquanto a roça nos observava com seu olhar esverdeado. Semeadores natos, rancheiros de coração, havia tempo para dançar nos finais de semana, bater um bom papo à beira dos campos e descansar na hora certa. Amigos se colhiam nas estradinhas, escolinhas eram cobertas de fé, brincadeiras animavam os fins de tarde, e frutos eram colhidos direto dos pés.

Águas corriam livres pelos vales, nascentes abençoadas da terra, enquanto o povo valente e sincero vivia, sem esperar mais do que o necessário.
Corredores de terra pisada entre capins, flores de varias cores sobre jardins. Cada pé sugerindo um lugar, pessegueiros a se desejar, bananeiras de frutos variados, coisa linda de se olhar.
Havia magia nos fogareiros de brincadeira, galhos secos entre tijolos, pedras a se cozinhar. Tudo de faz de conta, abrindo conhecimentos, despertando pensamentos.
As famosas preces de fim de semana, corroborando o descanso tão almejado, acalentava nossa sede de passeio.
Raramente nos furtávamos da alegria de fazer visitas a algum parente próximo, ou, simplesmente, tomar um café em casa de alguma vizinha, acompanhado de muitos causos e risos. Enquanto os adultos se regalavam em não fazer nada, Me preparava para mais um dia de exploração do lugar. Via novidade em tudo. Um simples regato, açucarado, de águas límpidas, sucumbindo em desleixo pelos córregos, desaguando por entre florestas furtivas, rolando, entre a mata, motivo dos olhos brilharem de satisfação. Assim aprendi o simples.
Deus estava presente em tudo, mesmo sem que me despertasse por dentro. Sabia que o conhecia, pelo simples fato de as coisas existirem.
Não havia sol forte, nem chuva tempestuosa, apenas dias ensolarados que nos cobria com um manto suave e as chuvas, não se demoravam muito, para não nos manter ociosos demais.
As pequenas piscinas nascidas nos buracos das vias, tornavam-se motivos de brincadeiras dos pés calejados, nos proporcionando momentos de descontração em meio ao árduo trabalho de todos os dias.
E as letras da musica vida se formavam.
As pequenas borboletas que nasciam, em massa, sobrevoavam sobre os capins secos a procura de mim, com suas asas abertas e coloridas, prontas, para serem vistas e apreciadas, como fazendo parte, sem, no entanto, perder o entusiasmo por voar, Inspirando as asas do pensamento.
Juncos nascidos as margens dos pequenos lagos, aproveitando deles, o espaço, enquanto corriam pelo meio, sem se intimidar. como um corpo, perfeito, sintonizado e coerente, se davam e se recebiam.
Não sendo borboleta, não tendo asas e não voando. Também vibrava entre elas.
As mariposas que serviam de banquete aos sapos, a madrugada que despertavam seus coaxos, as luzes que a lua desperdiçava entre o banhado, transformando o ar em prata, despertando, em mim, um aconchego, como se um véu, de veludo, me cobrisse o coração.
Amava andar por debaixo das grandes árvores, elas me contavam histórias de magia, de tempos antigos, de gente que já se foram, de passados distantes e ainda vivos, de fadas de vento, de Elfo desbravador, oriundo da magia que despertava em meu pensamento. Como foram parar ali?
Eu, provavelmente, lhes trouxera de algum lugar, que, também desconhecia, minha mente estava tão limitada que esqueci o caminho que me fez chegar ao ventre. De onde vim?
Achei meu lugar, Sim, aquele era o lugar dos meus sonhos eternos, dos dias em que ainda não sabia, da vida que saboreei em algum momento, antes de nascer para estar!
Ainda não sabia, mas havia sede de contar.
Contar, como se conta um, dois, três. a matemática crescente.
Lebuno era nosso cavalo, ocupava um lugar de destaque, abaixo de nossa casa. Entre gramas, frondosas árvores e vegetações rasteiras. Seu pasto era imenso, Tinha um rio só para ele.
Até as galinhas estavam vibrando de felicidade. Tendo um imenso ambiente, que as levava a sonharem com ninhos, com pintainhos e com seus mais belos galos.
Eram de boa aparência, andavam como rainhas, com suas penas brilhantes, seus bicos afinados, pés ligeiros, e asas velozes, poedeiras
No lagar das lembranças, esperanças
Gente simples, discretas, sem trair, nem largar. Todos na vida ao viver, todos ao trabalho sem castigo, ao castigar também havia amar.
Tudo era igual ou diferente, tanto faz
maluco ou contido, ambos vividos.
Na composição não havia meios, nem erros, nem comédias, nem agravos. Nem libertos, nem escravos.
A medida na medida,
A reza era a mesma - crendo se cria.
Alguns acolá, outros mais perto, sem a indelicadeza de parecer outra coisa que não era. Simples passageiros.
Feijão na mesa, carne em conserva, alegria dos garrotes nos pastos, boiadeiros e gado, forte agrado
Gente ensinando gente, transmissão de conhecimento instantâneo, Ouvido atento, olhos acesos e coração aberto. Prática.
A vida chamando vida, a história reconhecendo a sabedoria. Transplante de conhecimento a céu aberto.
A cidade do campo: menos gente, menos casas, menos muros. Terra a perder de vista, gente mais amável, hospitaleira de coração.
Ainda estou lá, onde se podia conviver sendo diferente, podia se colher, muitas vezes, sem plantar. Onde havia roçado, havia doação, onde havia plantação, fome zero.
Deus nos compensava com seus dias e noites, com o zumbido de abelha a colher o mel, com o paiol cheio de milho para os animais que nos serviam de alimento.
Toda noite havia sonhos, pela manhã, se plantava trigo.
Labaredas de credos e crenças incendiavam nossa palhoça, Credos de louvores e crença de agricultores, tudo pelas mãos e todos pela fé.
Não se cuidava das vidas alheias. Havia mais que vida além de nós, esperança demais a se colher, independente de quem seria, ou de quem viria ou saia.
Nossa estrada empoeirada estava abarrotada de pegadas. Não tinha muitas rodas a rodar, havia um certo gosto em andar.
Farmácias ao ar livre, bastava gostar de cheiro de mato.
Se curava dor de garganta com gargantilhas de cordões de fios e pingentes de sachês de alho.
A roça era a igreja, onde se fazia orações no plantio, cantava-se hinos na colheita e risos e alegrias de louvor ao colocar alimento á mesa.
O calor, recompensa e frio era dispensa. Geladeira, água corredeira.
Ar fresquinho, pela manhã e ar limpo no respiradouro da tarde, por onde, se via, Deus trabalhando no horizonte. Graça de graça. vento que a vida soprava.
Entre lençóis de algodão cru, a alma se envolvia, travesseiros de marcela do campo, cheirosa e delicada como nossos sonhos, embalava nosso descanso.
Tudo se complementava: água da bica, bacias de alumínio, baldes cheios de vida.
A terra, nossa madrinha, a sorte, nossa varinha, o rei, nossa historinha.
Só conhecíamos repressão, quando faltava chão e chuva e nosso plantio não vingava e nosso rancho sofria. Mesmo assim a alegria nos servia.
Onde estaria nosso quintal?  
Nas obras de um destino, pássaros cantando nas laranjeiras, cotovias de dia, urutaus à noite.
O que se passa no tempo, que o passado enterra, quanta coisa nas mesmices que tudo encerra.
Ontem que seria hoje, hoje que se faria amanhã, e a manhã também passa. Quanta graça e trapaça?
Eu, que ontem nada sabia. Eu, que hoje sei ainda menos. Não sou juiz para julgar, nem judeu para negar.
Ainda faço preces, ainda tropeço nas ondas, ainda careço de memória para resgatar o futuro que se passa.
Andorinha sem vento, a voar sem direção, com poucas asas e pouca força.
Não sou fruto, apenas lapsos de flores brancas e sutis, que sonham com polpa.
Cidade mal construída entre cigarras e postes.
Um lamentar de tristeza, um guerrear sem armas, um amar sem sentido, doído.
De Veneranda, de Domênica. Muito mais de uma coisa do que de outra. O sentido despreparado, absorção seca.
A magia do saber, o acaso do poder, a distância do discernir, na propriedade que defendo, que nem é minha.
Uma agoniosa fraqueza, desdobramento de cansaço, mais afinco no que faço. Domino a arte sem ser dominado pela perfeição.
E vou, sem pressa, olhando pelas frestas.
Cruas certezas, mais certezas que dúvidas. Não vivo ilusões, sigo com os pés no chão. Descalço, sinto melhor o chão.
Hertinha Fischer.
















































sábado, 25 de novembro de 2023

Olhos surdos

 Anda comigo

dois inimigos:
Fim de domingo
saudade de um amigo

Desprezo só me consome
por dor ou por fome
quando o mal bate na porta e
alguma doença que se nos tome

Antes o que era eu?
Se eu só pudera ser
nem comigo, nem consigo
a mais do que menos digo

Se a vida fosse lembrar,
e a morte eternizar
a morte mais que certeira
haveria de, em mim, morar

Amizade é como o amor,
nunca se extingue de vez
Uma vez enamorado
para sempre haverá de ser

Coração que logo esquece
tem problema de memória
perdeu todo sentido
ou esqueceu sua
própria historia.

Hertinha Fischer.

domingo, 12 de novembro de 2023

Vento de pensamento

 Vento, neve e carga

Foi para ti que nasci,
foi para ti que cresci.
Nada que não seja ontem
hoje ainda é promessa.
Andei na povoada,
aprendi alvorada.
Foi para ti,
conserva anônima.
Chance de rega, de poda.
Chance de me dar
de receber,
de pertencer em liberdade.
Luz de felicidade.
colhida e disputada.
Foi para ti, fui e serei,
nave cósmica,
neve sísmica,
energia eólica.
Temperança, esperança
e andança, aliança!
Hertinha Fischer.

Rima interna

 De um abraço ao beijo,

do vinho ao queijo,
De um mel ao melado
de um agravo ao afago
De uma luta a comunhão
do olhar ao coração.
da jaca ao morango
da galinha ao frango
Do suco a vitamina
da gloria a sina
Do amor a amizade
do romance a solidariedade
Da razão a sobriedade,
da fama a sociedade.
Da bondade a verdade
da bronca a bondade
Do rancor ao perdão,
do pecado á salvação
da venda o valor
do fruto, o sabor
da cama o descanso
da fúria o manso
da cobra ao bote,
da menina o dote
da gente a generosidade,
do passado a saudade.
Do homem a grandeza
De Deus a gentileza
de mim, eu sei
de você neguei.

Hertinha Fischer.

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Em teu ventre

 Ah! E os campos falam de ti, cantam em versos os teus passos, declamam o teu rosto.

O passado volta a ter voz dentro do peito, realçado no amor que te contemplei.
Ainda em tempo de te ver de novo, espelhada em doces lembranças.
Quando pensei-te eterna, quando vivi em teu tempo, que o tempo limitou.
Ainda sinto aquela sensação boa de prece, de Deus me aconchegando em seu colo, quando a madrugada espirrava vaidades.
Do leite me alimentando, do leito simples com cheiro de préstimos, das longas noites que me velastes, do olhar que sempre me destes.
Do teu melhor me acompanhando, da tua fé me defendendo, do ruído que incendeia minhas lembranças, como um fogo que nunca se acaba.
Nunca ninguém no mundo me fez tão completa, como a costura de teu poder e o alinhavar do seu amor.
A Senhora do meu destino, minha mãe, inspiradora de minha história, escritura do meu viver.
Hertinha Fischer.

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Mentes e mentas

Gosto de escrever.


Acendo a lâmpada letreira


e caminho como vagalume.


A vida é um aprendizado,


Nascer é uma iniciação.


Crescer é desafio,


passar é superação.


A composição ao meu redor me acolhe,


O esplendor das árvores que parecem tocar o céu.


O olhar que desvenda o invisível,


O sentir que soa como ópera.


Há um pacto com o saber


que revela.


Um desdobramento sutil e tão distinto,


Vai além do ar que se respira,


passarinhos que inspiram ainda mais.


Guardiã de algo, sal e sálvia,


Sabor e fragrância,


peixe e cardume,


mais sonho do que costume..

Hertinha Fischer


 



quarta-feira, 4 de outubro de 2023

O fim do mundo


Não quero perceber, perceber dói.
Quero a frustração do não saber.
Quero sair para o encanto do novo dentro do velho.
Do sangue preto do asfalto reparado, as marcas das velhas trincas da terra.
Mesmo em seca severa, espero o melhor do gotejar.
Imundo seria trocar um mundo já pronto para um desmundo disfuncional.
Quando o que era já não tem lugar e a verdade, tão lucida, está trancafiada em algum manicômio, cuja esperança já não tem, cujo remédio a engana.
Não! não quero perceber!
O violão perdeu as cordas, a musica perdeu a memória , o homem perdeu seu lugar.
As mãos perderam a força, usam-se da artificialidade para esquecer.

E o que será do futuro sem memória?

Hertinha Fischer


quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Memorias de fotografia


Ela, a pedra. Eu, o silêncio ao lado dela.
Memórias em fotografia, a ilusão de existir.
O ontem que vivi, o hoje que esqueci.
Somando tudo, a matemática da vida.
Tirando tudo, a luz se apaga.
Um dia! Aquele dia! Que dia foi?
Hertinha Fischer.


terça-feira, 26 de setembro de 2023

Luau de lembranças

Salvando memórias, quase nada persiste.


A sombra de um momento que marcou.


Um canto de saudade em penumbra.


O galo cantando de madrugada, em noite


enluarada.


A coruja a chiar nas fendas abertas.


O cavalo trotando nas valas tranquilas.


O caminho se abrindo sobre o milharal.


A sombra da jabuticabeira.


O pequeno regato cortando caminhos.


A casinha iluminando dias.


Os dias coletando as horas.


A chama vermelha do fogão.


A fumaça contando estrelas.


A panela perfumando o ar.


A cama chamando sonhos.


O dia declamando a aurora.


O taquaral guardando segredos.


Os grilos cantando seus versos.


Os versos e seus inversos.


O corpo buscando lenha.


A alma divulgando as chamas.


A água e suas biqueiras.


As lamas traiçoeiras.


Aroeiras chorando veneno.


Roseiras e suas penas.


Seu Hugo, coração aberto.


Tereza e seus afetos.


Amigos brotando na estrada.


O céu azul enfeitando o teto.

Hertinha Fischer





segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Qualidade da ânsia

O sol sempre volta de suas voltas.
Cobre-se aqui, descobre ali.
Assim como o jovem espera por um amor
que em verão se vê, nem sempre se crê
Tortuosas mesmices
Tudo a esmo,
melodrama e fanatismo
parábolas e sofismo.
O romântico azedume,
flores sem perfume.
A vagar como Maomé
sobre a arca de Noé
Finge que é, enquanto há fé.
Queria poder exemplificar
nas derrotas desse militar
que de guerras já se fartou
e ainda tem que lutar.
Ressurgiu o feio
que o bonito matou
A lua ficou mais fraca e o sol 
se exaltou
Romantismo descontruído,
mais fome do que amor.

Hertinha Fischer




domingo, 24 de setembro de 2023

Poesia mapa vento

Se não houvesse tempo, seria o vento a sondar rios e pedras, a bolinar folhas e pensamentos. Escrever nas linhas do equador, suavizar outro lagar com lápis furta-cor. Surfar os horizontes nas ondas-vias, beijando a areia da beira-mar, descansando nas encostas. Nos confins dos querubins e terras dos serafins, paraíso dos lagostins. Conhecer o norte das coisas bobas, o sul das genuínas alegrias, o sudeste do Pacífico, o noroeste das águas frias.

Hertinha Fischer














sábado, 23 de setembro de 2023

A magica das letras

 O livro que a capa dura

Letras, alegria pura.
escreve encantamentos
nas linhas que a tinta apura.
Declama que a alma chama,
Delírio que se esparrama
força na esperança
sobe, sobe, que alcança a rama
Vogal que abecedário conhece,
Se dá as mãos que até parece
histórias que se encanta
nas folhas que resplandece.
Sou mágica que se esconde
dentro da cartola do coelho.
em cartas de baralho me acho,
da rainha busco conselho.
Hertinha Fischer.

Favos e cheiro

  Primavera gosta de chuva

neblina e alegria menina
Canários, violão, sabiá,
canção e rima
Ninhos de passarinho, minhocas
a encher os biquinhos
Flores a dançar entre ventos
ventos a despertar lá no sul
Caruru de poças e roças
a verdejar seu advento azul
Menina ainda se revela,
navio que vaga sem vela
Mareia com olhos neblina
NA terra, eflúvio canela.
Hertinha Fischer.

terça-feira, 19 de setembro de 2023

A coragem da vergonha

 -Queria ter nascido com asas — não de borboletas, nem de pássaros, mas de coração. Assim, poderia pousar no seu e fazer meu ninho.


Ela se retraía enquanto ele a cobria de sentimentos confusos. Não sabia ao certo quantos suspiros seriam necessários para expressar um amor.


Nascida da terra, sertaneja flor, acostumara-se ao rude das coisas. Palavras bonitas não faziam parte do seu vocabulário, e muitas vezes se surpreendia com aquele mundo deslumbrante que ele a convidava a explorar.


Começou a criar fantasias, como quem veste de brilho lembranças que nunca existiram. Inventora de alegria e força, nos sonhos domava as margens da sedução, mas ao despertar, esquecia como agir.

Hertinha Fischer






sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Acabrestado

 Fim de ano é cruel, pra ele, tiro o chapéu.

Vai se embora sem ir.
Sensato, fica, mas vai.
Me dá uma leseira danada,
aflição de domador.
Nada muda, se mudar, é mesmo o ai.
Des encorujam a corujinha,
escuridão, agora é luz.
Palavras precisam de régua,
sentimento, não mais produz.
Encarceram a criatividade,
nas palavras colocam capuz
Hertinha Fischer.

La já existe

 Havia serras no luar, daquelas que gosto de escalar.

Tempo que é tempo fica e vai ao mesmo tempo.
Os torrões eram terras vaidosas, embora, também fosse
terra, ficava acima dos demais.
O charco tão solidário, lavava os pés dos lírios
até que suas flores subissem no mais alto do pódio.
Eu, deslumbrada, fazia da cama, meu céu.
Deitada, não descansava. Em pé,
sondava os caminhos das rosas.
Formiguinhas seguia o tema, se enfeitavam com ramos e
folhas.
Raízes a soltar suas bolhas
Espigas se espelhavam no chão, o paiol iluminava meu cão.
O poleiro segurava a galinha, a árvore, a noite mantinha.
Madrugada, relógio de galo, a lua, virava a pontinha
O cedo que já estava tarde, já vinha despertar a gatinha
A porta se fechava pra dentro, enquanto se abria pra fora
Meu pai, com a enxada nas costas, saia a capinar sua historia.
Hertinha Fischer..

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Casa abandonada

 Quando a saudade chamou, voltei.

Entendi que o passado é casa abandonada, cheia de fantasmas.

Tudo morreu por lá.

Mesmo puxando rostos na memória, sempre faltava o necessário,

Presença é tudo.

Risos cessaram, rios secaram ou se retiraram.

Casas desabaram, amigos se foram.

Alguns esboços sobraram, quase a sucumbir em cacos, irreconhecíveis

As estradinhas murcharam sem os pés que as regaram

Os jardins foram roubados pelo tempo, Em lugar das flores, esquecimento.

Os famosos sábias das laranjeiras, sem lugar, nem sei onde foram parar.

Meu pé de ingá, de saudade, caiu aos pés da terra, transformando-se em maternidade

de besouros.

A chuva apagou os rastros, o céu levou sentimentos.

O amor se tornou imigrante estrangeiro, migrou para outros janeiros.

Hertinha Fischer





Um olho no peixe, outro no homem

Vencendo os dias como quem enfrenta um dragão,  

apaga suas labaredas com água e sabão.  

Golfinho encantado, que do mar sabe tanto,  

escuta as falas de que não abre mão.  


Salta sobre as ondas, cortando a garganta,  

nos olhos das águas lança o seu mantra.  

Sopra o apito ao seu reinado atento,  

à hora que passa e nunca alcança.  


Abre sua boca, alçapão de ladrão,  

peixe e sereia viram refeição.  

Hertinha Fischer




terça-feira, 12 de setembro de 2023

Vencendo os acúmulos

 Vamos de alegria, assim como meu sertão que não se cansa.

Bata palmas, reze, bendiga.
Seja leal com os outros e com você mesma.
Agracie a felicidade e a convide para se instalar.
Vente, seja brisa, suavize-se
Floresça, floreie, favoreça.
Ande com suas asas e voe com seus pés de esperança
Umedeça seus lenços e ofereça as tardes quentes,
renove-se, revista-se, lave-se no manancial de águas claras.
Plante o que quiser, mas só ofereça aquilo que cresce para cima.
Cansei de contar passado, cansei de acumular saudade, cansei do que se foi. Ausência não se vive. Hoje estou pronta para frutificar no deserto, para ser capaz de vencê-lo.
Hertinha Fischer.

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Saudade poética

Tempo bom que não se esquece,
quando vira saudade, faz-se uma prece.
Papai andava a cavalo, mamãe andava a pé
capins de corpo e dança se lançavam sobre
meu pé.
Vargem ofegante, respiro de águas paradas,
cheio de observação,
arrozais ofertados, nela, se dorme, em ascensão
Tudo cresce quando se planta, reveste a roça
de pura manta, lembra a magia que a boca espera,
estômago cheio, magica lembrança
A estrada que, ali, aparece, feitas de terra que
desfalece. máquinas mortíferas e barulhentas
deita a grade que não se esquece.
Por dentro da mata ainda uiva, pequenos
trechos desconhecidos, terra batida por
passos lentos, trilhos selados e esquecidos
Ainda dorme aqui no peito, cintilante adeus a cantarolar
gravado na alma, ainda surge, um grande amor a esverdear.

Hertinha Fischer





sábado, 9 de setembro de 2023

acasos em festa


Olhar perdido. vaga-lume
Desperta, como
o mar desperta seus sonhos.
Vago seria se não houvesse prece
Fraco seria se não fosse amor
Haja e houve
Pertinentes acasos em festa,
sobre ombros estrelados,
sobretudo açucarados.
Troveja versos, raios de promessas
Cumpre mandatos nos alqueires
rega sonhos nos açudes, pega pedra
que se peneire.
Cria luzes no alçapão, acendedor de
coração.
Caminhos se abrem por sobre as veias,
em ventre, santo, não titubeia.
Haverá quem o chame de ascensão,
conheço mesmo por elevação.
Hertinha Fischer.

sábado, 2 de setembro de 2023

Risos e rezas

 O inodoro está cheio de sentimentos cheiro

A bica seca bebe água, de fora, quando a brisa chega.
Céu que é céu, levanta cedo, enchendo seu copo de cor azul,
branqueando alguns espaços para nuvens.
Bebem juntos, curaçao Blue, sentados a margem do dia.
Os corvos gostam do ar, cansam-se do desagradável. 
Lá em cima, sentem-se reis de cheiro bom.
Nem as plantas gostam do escuro, estendem seus braços até alcançar a luz. 
Se os pedras falassem, declamariam meu nome, as vezes, também sou pedra.
Coisas são coisas. sem significado.
Também me sinto coisa, quando a coisa tá em profundidade tal, que não alcanço.
A coisa não pertence a raça da criação, é derivada da descrença:
Sem forma, sem corpo, sem presença.
Anulo um eu por fora, embora, seja também, por dentro, puro desdém
Nem sei quando vou chegar se nem marquei hora para sair.
Despenquei quase que verde no maduro da vida. 
A terra me acolheu com suas mãos para amparar minha semente.
Eu, que nem tinha jeito, sem jeito, me instrui no acaso. como qualquer
ser que morre.
Quem puxou minhas mãos para crescer, assoprou gorduras para preenchê-la,
inflando-as até as unhas
O vento é sopro de agosto, as vezes, se esquece e sopra a qualquer hora.
A terra, as vezes, abafa, como forno de fogo apagado. Até o vento esquenta.
Tudo é uma questão de estar. Se não está, não é.

Hertinha Fischer













Fé, crenças e versos

 Veste-se de verde e veludo esse meu chão,

coroando-se de frutos e flores.
Faz seus ninhos, no alto e canta,
alegria em seus amores.
Onde houver revelação, por meio de fé e precisão
Deus ressurgirá a tocar
Flauta em seu coração
Amigo há que almeja,
pra todos, grande afeição
Que a vida brote em seu seio
o lírio da salvação
Ditado que conta-se em versos
vozes que clamam no deserto
se alegrem que já é a hora
de encontrar o céu aberto
Diluvio de realizações
suave brisa nos rincões
paz em seus furacões
laranjas em pés de limões
Tudo o que se faz de melhor
vem em sua direção
como balsamo abençoado
cura ferida de aflição
Teima em certeza em bondade
Vira-se mirando a sorte
Se entrega nas grandes promessas
que já se venceu a morte
Tua Pátria já bem definida
No outro lado da ponte
No trincado do chão
É cristalina a fonte
Grande a tristeza aqui
juntando mazelas e aflições
Coloque o juízo na frente
E Cristo em seus corações
.
Aurora já se vê ao longe
Tudo é manhã e fulgor
Espanta o seu espanto
Já vem logo o teu Senhor.
Hertinha Fischer.



domingo, 27 de agosto de 2023

Vintage retrô

 Tinha o olhar voltado para aquele cavalo que troteava, elegantemente,

a minha frente, assim como o cavalheiro (cavaleiro) que segurava as rédeas,

tão elegantemente, como o aquele trote.

Havia certa magia no ar, a mulher que o seguia, assim como o cavalo, seguiam o mestre

como quem segue a fidelidade.

A estradinha que fora aberta entre arvoredos e montes, estava entrecortada: Ora, soberba e alinhada, ora, humilde, serpenteava.

Em alguns trechos, barrancos imponentes a cercavam com seu corpanzil em arrogância, derramando pedras e terras por sobre ela, a esmagar  suas entranhas.

De repente, tudo se transformava e o modo de ver era outro.

Suave ramas a saudavam, deitadas sobre seus pés, como quem mostra um caminho diferente que a leva em frente. Quem foi o autor daquele deslumbre. Quantos homens trabalharam, incessantemente, com suas pesadas ferramentas para fazê-la tão preciosa?

E o cavalo seguia a corda que seguia o guia, que sabia que a mulher também o seguia, como quem confia. E a estradinha se superava. Em cada curva, subia ou descia.

Assim como a vida que nunca trava, sente a fava a seu favor, nascendo e crescendo entre pedras e suor.

A mulher que seguia, de olhar esperto, coberta de poeira, é poedeira de sonhos. Espreita a novidade com olhar de menina, a deslizar na felicidade.

O homem, no entanto, com passos confiantes, segura as  rédeas de seu destino, tem em mente algum lugar pra chegar.

Tudo a mercê do tempo e passos, não há fracasso, só o embaraço do cansaço.

Seguindo os trilhos que se formavam, para novamente se fazer mais aberta, a estradinha aparecia do outro lado.

Até que a cidade chegava, cheia de gente e casas, tão travessa e obediente, ao mesmo tempo, misteriosa e perversa, a derramar suas ruas como enxurradas no deserto.

As roupas penduradas ao alcance das mãos que se davam a troca de papéis e os frutos, sem folhas ou caules, da mesma forma se formavam uma em cima da outra, nascendo em tábuas enfileiradas, cheias de cor e fascínio.

O cavalo ficava fora, amarrado a distância, a coicear o ar.

Até que a tarde chegava, para trazê-los de volta a cirandar, outra vez, no mesmo lugar, agora, sobre a luz do luar.


Hertinha Fischer.







 


quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Fora de contexto

O vento parou, chuva a caminho.


Quando venta aqui dentro, é como cavalgar,


balança.


Agita-se uma emoção que muitas vezes nem tenho, mas insisto!


Sou especialista em me sentir culpada, juíza das minhas próprias causas.


Estou sempre devendo, mesmo sem dever nada. Nem amor!


Faço minhas preces de gratidão com as mãos, sempre


procurando ocupação, para não me sentir tão desleal.


Cansaço? Que cansaço! Me dou bem com o corpo dolorido.


Enquanto não me volto contra meu corpo, meu espírito permanece inquieto.


Ainda bem que tenho o travesseiro para me acalmar e uma boa


noite para descansar.


Soo-me desafinada, como cordas de um violão esquecido.


Já bordei e costurei, nunca obtive bons resultados. Quero tudo para ontem.


Admiro quem gosta da noite. Eu a evito.


Queria entender o amor dos outros, para definir os meus. Me acho (nesse sentido) um


pouco neutra.


Acredito que sou muito intensa e lúcida para me perder no irreal dos fatos.


Não acho que as pessoas são chatas, só não descobriram como ter uma boa conversa.


Gosto de saber de tudo, menos do que todo mundo já sabe ou do que não me sustenta.


Detesto assistir o mesmo filme duas vezes. Só poemas e poesias nunca me cansam!


Nem sei por que escrevo: se é para me isolar ou para me refugiar.


Aliás, tudo o que faço é trabalhar, o melhor refúgio de todos os tempos.

Hertinha Fischer








quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Riscos, ciscos e rabiscos

Meus medos me moldaram a ponto


de caber em carretel.


Pequena esperteza,


que de perto nem é flecha,


apenas rabiscos de quem


não sabe escrever.


Fui mansa, quase nua,


nessa fase quase lua.


Chinelinhos de cordão,


de tanto andar, viraram sertão.


Ali se escondia no dia que nem era dia,


só imaginação de uma pobre noite


enluarada que se rendia.


Tudo às pressas, peso e medida,


que cabe numa mão:


só palha seca e bastão,


infinito na ilusão.


Cabe aqui uma senhorinha,


olhar raso de emoção,


folha de louro atrás da orelha,


perfume de manjericão.

Hertinha Fischer




terça-feira, 22 de agosto de 2023

ilusionista


E as vestes tão simples varria o roçado, 

De lado a janela que se abria por dentro

De tão triste a enxada engolia a foice

Em cima a febre do seu firmamento

Raposas uivando como um lobo

em ninhos cobertos de cedro e capim

seus ovos se iam sem nenhum pecado

na terra dos deuses tupiniquim.

De tudo que amansa se rende a praga

rostos cobertos de pano carmim

Te leva a fome onde não tem nada

se dorme em cama feita de capim

Nem sempre a farsa é pobre e burra

as vezes se deita lá nas alturas

Homens que rezam no alto dos montes

trazem em si, imensas ranhuras

Fuja daquele que empresta favores

Nem sempre o bem é aquilo que vemos

boas palavras também é razão 

para tirar aquilo que temos.


Hertinha Fischer



terça-feira, 15 de agosto de 2023

Engolindo o amanhã

 Humanos entre migalhas

espirito impuro que se espalha
come de tudo e nunca se farta
fome de fé e sua falha.

Sublime é o céu em entardecer
miúdo se passa sem perceber
o escuro andando e tropeçando
na falha do sol entorpecer

A destra descansa em súplica e bonança
na esquerda da vida nunca esperança
o veio que se abre nunca é ouro
é corpo moído em seu matadouro

Lá onde se vê alguma leveza
é só alegria sem aurora e sua presa
nada se encontra nem se vigora
é só o segredo na sutileza

Bem largo é o hoje na substância
que se vive na pressa logrado na ânsia
o amanhã é fugitivo e encantado
vive cercado de inconstância

Se a rede te pega só resta lamento
o tempo te leva em seu firmamento
a grande vantagem também é perigo
a terra te engole quando termina seu tempo.

Hertinha Fischer

domingo, 6 de agosto de 2023

Aconchego da solidão

Estou no ausente, o ausente é belo
É lá que nasce um sol infinito sobre um lago
numa casinha que não tenho que disputar,
onde a felicidade é um mago

Faz-me completa sem mediações
reveste de paz uma nuvem de algodão
Me dá o que preciso e
leva pra longe a solidão

Capaz de serenar no silêncio copioso
tudo em folha de papel
Onde a fidelidade e felicidade
não cabe num anel

Ouço mais o canto dos pássaros
vejo mais o infinito
sozinha e bem descansada
só sinto o que é bonito

Longe das frustrações de palavras
aconchego de ouvido
onde a lua é namorado
e o dia é marido.

Eu me entendo comigo
o comigo me faz companhia
me contando tantas histórias
longe de qualquer perigo.

Hertinha Fischer

sábado, 29 de julho de 2023

Adregar

Arrumava seus cabelos sem olhar em espelho. Sempre estaria linda aos olhos dos outros, 
mesmo cobrindo seu corpo com vestido de algodão florido.
O que interessava vivia nela em todo tempo: aquela magia de quem sabe o que vale.
Talvez tivesse um pouco de ciúme, dentro de si, mas, não o revelava.
Suas mãos, sempre solicita, regavam as partes secas. Um alivio saber que seu marido
admirava as pessoas pelas ações, assim, ela não precisaria de tanto esmero com sua imagem.
Bastava conhecer a arte de acender fogo, de resto, era a panela que desenvolvia.
A água e o sabão limpavam, o óleo e a cebola saborizavam, o fogareiro e o fogo cozinhavam, ela era apenas o principio.
A plantação trazia o sustento, os filhos cresciam com o tempo e aprendiam praticando o bom olhar.
Assim anos vão se findando e os vazios vão sendo preenchidos.
Entre um passo e outro sobrava espaço, sempre haveria um vazio a preencher.
Certa que tudo estava certo, sobreviveria.
Filhos crescidos trazem certa solidão de vozes, só o som sonoro da vida em ventania conforta. Muitas vezes se é infeliz em plena festa.
Tem coração que pulsa sem cérebro, mas, tem cérebro que vive sem coração. É vibrante a vida.
Ontem vi um pássaro de asas quebradas voando com os pés, tudo é uma questão de sobreviver.
Hertinha Fischer


Vazio cheio

 Ah, como o agora me parece curto, o tic tac mais ousado e o andar mais vagaroso.

Quanta bonança, quanta lambança, ainda criança em lembrança.
Suados dias trabalhosos, enfadonhos e desengonçados dias a sussurrar sobre nervos, a desenrolar fraquezas, a submergir nas profundezas de um eu severo.
Que culpa me condena, que anjo me acolhe, que dia me engole?
As vezes que me distrai, achei o lugar, para depois já desperta me perder em vazio. Um vazio que sempre cabe coisas.
Cabe mais do que caberia se já se achasse cheio.
Sempre peço menos pensar. pensar traz o peso do que está longe, liberdade mesmo é controle.
Hertinha Fischer.