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Lá onde aconteceu

  Busquei em vão o que não achei, a maquina do tempo não funciona. Leva-me na alça de seu estalo Já foi, foi mesmo. Em que sala se entrega,...

sábado, 2 de dezembro de 2023

Arte grega

 Estava eu atrás de alguma coisa que me chamasse a atenção, enquanto caminhava pela estrada de chão batido, ouvindo o som dos meus passos, de vez em quando, ousava, entrar em algum campo, onde a floresta me compensava com amora fresquinha.

Pensava em minha história que mais parecia uma casinha abandonada no meio de tudo.
Ousava sonhar que dirigia um carro, na velocidade da luz, até me encontrar comigo mesma, no outro lado do espaço. Aquele espaço que me cobria, era tão reduzido, que mal dava para realizar todas as minhas fantasias.
Corria, as vezes, no mês de outubro, á colher iças pelas roças, á sondar buracos, apanha-los e arrancar-lhes as mandíbulas, antes de assa-los para comer escondido de minha mãe.
Sozinha, a maior satisfação era andar pela mata. olhar, para tudo, como se tudo, visse, pela primeira vez.
Um turbilhão de emoções me rondava, assim, como as formigas rondam uma caixa de abelha.
Muitas vezes, saia, as escondidas, só para saber se sentiam minha falta.
Vagava, pelo milharal, trançando os cabelos das bonecas de milho, minhas amigas visíveis e secretas. Traçava dentro da cabeça, milhões de causos e historias, que, nem sequer, compreendia. Meu mundo de ilusão, quase chegava a ser perfeito.
Sempre com os pés despidos, dedinhos a vista, sola de pedra, suportando os espinhos.
Certa vez apareceu na sola do pé umas chagas, começou com um pontinho, que logo se transformou em uma aureola pequena, dentro, nascia carne esponjosa, e doía demais, a ponto de derrubar o sorriso do meu rosto. Assim se sucedeu por longos meses, nunca falei nada para ninguém. Sofria calada como se sofrer fosse minha sina. Em um determinado dia, senti que precisaria fazer alguma coisa, antes que perdesse, totalmente, a vontade de andar.
Minha mãe sempre tinha uma agulha fincada num calendário pendurado na parede da sala. Peguei a agulhinha como se fosse algo mais precioso que existia, sentei no chão e pus-me a cutucar a ferida, Parecia que toda dor, do universo, de repente, aparecesse para me visitar, tanto a tarefa fora dolorida e cruel. Insisti, até tirar toda aquela carne esquisita dentro do poço.
Quando começou a sangrar, parei.
Nem me dei conta de que sarou. Só sei que o buraco sumiu e a vida seguiu em festa.
Minhas três irmãs dividiam a cama comigo. Eu gostava demais quando ficava espremida na parede, com o nariz encostado nos torrões, sentindo o cheiro de terra seca. Parece que as paredes me auxiliavam quando tinha pesadelos.
Uma parte do nosso quarto, perto da porta, estava bem desnivelado, com o tempo e a limpeza com a vassoura, criara-se uma pequena montanha, Os pés da cama estavam alinhados com alguns tijolos. Enquanto a montanha ficara bem escancarada do lado de fora das duas camas que ficavam lado a lado. Uma era do meu irmão.
Ao passar dos anos a gente ia crescendo e a cama já estava ficando um tanto pequena para nós quatro. Eu, sempre tinha alguma resolução pronta para por em prática. Peguei um pedaço de couro de carneiro que meu pai usava como manta em cima do arreio do cavalo, Estendi sobre a montanha de terra e comecei a dormir ali. Ficava bem desconfortável, com a cabeça em cima e os pés mais abaixo, sentindo que dormia quase em pé, mesmo estando deitada. Isso era a mais apaixonante ideia que já tive na vida.
Minhas irmãs adoraram o fato de que podiam dormir sem muito aperto. Não se importaram nem um pouquinho, pelo fato de ter que dormir no chão. Tinha noites que eu chorava.
Sonhava com atenção. Esperava que me chamassem de volta e isso não aconteceu.
Certo dia, meu pai me chamou e disse que iria me levar para a cidade de São Paulo, para que eu pudesse aprender alguma coisa na vida. E lá fui eu, enrabeirada na história. Do interior a Capital!
Já completara os meus onze anos, madura demais para trabalhar e viver por conta própria, pensava:
Enquanto o ônibus delineava aquela estrada cheia de curvas, meu coração já sangrava por dentro, sentindo saudade de minha mãe e irmãos.
Porém, estava meio que orgulhosa por estar saindo da caixa, como aquele papelzinho do realejo o faz, Segui desejando que a sorte estivesse ao meu lado.
Dois meses de tortura me esperavam. Dias e noites sofridas e desconfortantes bateram forte em minha mente. Uma saudade imensa das minhas poucas coisas - das florestas, do andar sorrateiramente a pisar em folhas, da conversas que desenrolava entre eu e as árvores, dos canteiros, dos banhos de água fria, de minha doce mãezinha e dos meus irmãos, que não sofriam por ter que dormir no chão, mas, que, inundavam meu coração de amor.
Toda noite chorava feito uma criancinha. (E sem saber o era) Até que pedi para que me levassem de volta para casa.
Estava um dia bem quente, poucas nuvens e sol ardente, quando adentramos o ultimo trecho desconhecido da estrada. Um simpático pé de eucalipto, plantado em meio a uma bifurcação, me reconhecendo, estendeu uma das mãos, que balançou, ao receber uma baforada de vento.
A felicidade veio ao meu encontro naquele instante.
A pessoa que me trouxe de volta estava de cara amarrada, por ter que largar seu trabalho e me atender.
E eu era eu de novo, como se estivesse renascendo naquele momento.
A estradinha, aquela mesma que me encantava, com naquela amizade desinteresseira, espelhada em meus mais recentes sonhos, a qual abandonara por puro capricho de meu pai. Se abriu num sorriso maroto, mostrando suas curvas e retas bem desenhadas, e perfumou minha entrada com vários tipos de perfumes.
Não estava a pé, mas sentia cada milímetro de terra batendo no pneu do carro, sentia as pedrinhas tilintando como pingos de chuva. Ah! que doce ventura! Todos os habitantes do lugar estariam com inveja de mim.
Não não tinha formosura alguma em mim, apenas aquele deslumbrar da volta, a consciência da saudade que estava indo embora, O gotejar alegrias pelos cantos da face rosada e livre.
Nenhuma pergunta, nenhum abraço, nenhuma euforia por parte dos meus familiares, apenas a porta aberta e a lã de carneiro a me esperar. Parecia que aquele espaço de tempo só tinha existido em meus pesadelos. Nada mudou!
Tudo estava em seu lugar. O fogão a lenha com suas línguas de fogo. A lamparina deitada em cima do armário, a esperar a noite. O balde de água estava transbordando de fresco. O chão limpinho, sem nada a incomodar suas terras batidas. E minha montanha, intacta, pronta para receber-me de volta.
Ainda deu tempo de usar a enxada na plantação, antes da noite chegar. Talvez fosse verão, não sei! todas as estações pareciam iguais!
A lua prateada apareceu para a festa, havia festa dentro de minha cabeça.
Acenderam-se as lamparinas, Havia pouca luz, e silencio. Tanto, que, comecei a falar bem pausadamente e em baixo tom, para não quebrar a paz daquele lugar. Feliz demais, para expressar, tudo o que sentia, por ter de volta aquele lar abençoado.
Minha mãe continuava em sua tarefa de cuidar e meu pai na árdua tarefa de manter, minhas irmãs, meigas ajudantes, não paravam de auxiliar no que fosse possível. Eu, a pequena formiguinha do acaso, no meio daquele vai e vem.
As coisas se completavam tão maravilhosamente - O olheiro do mundo nos sondava com suas luzes fugazes. O céu mudava de cor, de azul para cinza, de cinza para alaranjado, como uma aquarela de paz.
A noite surgia, mágica como sempre, chamando o fosforo para acender a lamparina para iluminar por dentro, a lua para iluminar lá fora. e as estrelas para compor a opera. Mas, o brilho mesmo, vinha da fadinha mãe, que nunca se cansava.
Era ela que apagava tudo, auxiliando o descanso que merecidamente nos esperava na cama. Depois também se apagava, para resguardar-se para um novo amanhecer.
Havia tantas esquinas que se perdiam em meio as folhas verdes. curvas abençoadas indo ao encontro
dos suaves frutos que se prendiam em seu ventre.
Destacando-se, acima, a estradinha empoeirada, aberta para todos, como a esperar por um amor, a tocar-lhe com os pés suave e suado, afundando-se em suas matérias vivas e inertes.
Delicadeza estar ali, a contemplar tamanha proeza do viver!
Havia uma certa cumplicidade entre os seres - As abelhas com suas flores, as flores com seus beija-flores. Doando, de si, na mesma sintonia e frequência. Cada um em seu lugar.
A enxada encostada em um canto, o varal escorado nos galhos, o chiqueiro aproveitando a sombra da figueira, o cocho a segurar o milho, a roça enfeitando a palhoça.
Querida lembrança a balançar em galhos.
A felicidade sempre hospitaleira, nos oferecendo café quentinho a sombra de uma árvore qualquer. As enxadas se transformavam em cadeiras e a terra, a mesa, enquanto a roça nos sondava com o canto dos olhos esverdeados.
Rancheiros de nascença, semeadores vorazes. Havia espaço para dança aos fins de semana, para um bom papo as beiras dos campos e descanso na hora certa.
Amigos a colher nas estradinhas, escolinhas cobertas de fé, brincadeiras aos fins de tarde, frutos a colher nos pés.
Água corrente em seus vales, nascente sublime da terra, gente valente e sincera, nada que muito se espera.
Corredores de terra pisada entre capins, flores de varias cores sobre jardins. Cada pé sugerindo um lugar, pessegueiros a se desejar, bananeiras de frutos variados, coisa linda de se olhar.
Havia magia nos fogareiros de brincadeira, galhos secos entre tijolos, pedras a se cozinhar. Tudo de faz de conta, abrindo conhecimentos, despertando pensamentos.
As famosas preces de fim de semana, corroborando o descanso tão almejado, acalentava nossa sede de passeio.
Raramente nos furtávamos da alegria de fazer visitas a algum parente próximo, ou, simplesmente, tomar um café em casa de alguma vizinha, acompanhado de muitos causos e risos. Enquanto os adultos se regalavam em não fazer nada, Me preparava para mais um dia de exploração do lugar. Via novidade em tudo. Um simples regato, açucarado, de águas límpidas, sucumbindo em desleixo pelos córregos, desaguando por entre florestas furtivas, rolando, entre a mata, motivo dos olhos brilharem de satisfação. Assim aprendi o simples.
Deus estava presente em tudo, mesmo sem que me despertasse por dentro. Sabia que o conhecia, pelo simples fato de as coisas existirem.
Não havia sol forte, nem chuva tempestuosa, apenas dias ensolarados que nos cobria com um manto suave e as chuvas, não se demoravam muito, para não nos manter ociosos demais.
As pequenas piscinas nascidas nos buracos das vias, tornavam-se motivos de brincadeiras dos pés calejados, nos proporcionando momentos de descontração em meio ao árduo trabalho de todos os dias.
E as letras da musica vida se formavam.
As pequenas borboletas que nasciam, em massa, sobrevoavam sobre os capins secos a procura de mim, com suas asas abertas e coloridas, prontas, para serem vistas e apreciadas, como fazendo parte, sem, no entanto, perder o entusiasmo por voar, Inspirando as asas do pensamento.
Juncos nascidos as margens dos pequenos lagos, aproveitando deles, o espaço, enquanto corriam pelo meio, sem se intimidar. como um corpo, perfeito, sintonizado e coerente, se davam e se recebiam.
Não sendo borboleta, não tendo asas e não voando. Também vibrava entre elas.
As mariposas que serviam de banquete aos sapos, a madrugada que despertavam seus coaxos, as luzes que a lua desperdiçava entre o banhado, transformando o ar em prata, despertando, em mim, um aconchego, como se um véu, de veludo, me cobrisse o coração.
Amava andar por debaixo das grandes árvores, elas me contavam histórias de magia, de tempos antigos, de gente que já se foram, de passados distantes e ainda vivos, de fadas de vento, de Elfo desbravador, oriundo da magia que despertava em meu pensamento. Como foram parar ali?
Eu, provavelmente, lhes trouxera de algum lugar, que, também desconhecia, minha mente estava tão limitada que esqueci o caminho que me fez chegar ao ventre. De onde vim?
Achei meu lugar, Sim, aquele era o lugar dos meus sonhos eternos, dos dias em que ainda não sabia, da vida que saboreei em algum momento, antes de nascer para estar!
Ainda não sabia, mas havia sede de contar.
Contar, como se conta um, dois, três. a matemática crescente.
Lebuno era nosso cavalo, ocupava um lugar de destaque, abaixo de nossa casa. Entre gramas, frondosas árvores e vegetações rasteiras. Seu pasto era imenso, Tinha um rio só para ele.
Até as galinhas estavam vibrando de felicidade. Tendo um imenso ambiente, que as levava a sonharem com ninhos, com pintainhos e com seus mais belos galos.
Eram de boa aparência, andavam como rainhas, com suas penas brilhantes, seus bicos afinados, pés ligeiros, e asas velozes, poedeiras
No lagar das lembranças, esperanças
Gente simples, discretas, sem trair, nem largar. Todos na vida ao viver, todos ao trabalho sem castigo, ao castigar também havia amar.
Tudo era igual ou diferente, tanto faz
maluco ou contido, ambos vividos.
Na composição não havia meios, nem erros, nem comédias, nem agravos. Nem libertos, nem escravos.
A medida na medida,
A reza era a mesma - crendo se cria.
Alguns acolá, outros mais perto, sem a indelicadeza de parecer outra coisa que não era. Simples passageiros.
Feijão na mesa, carne em conserva, alegria dos garrotes nos pastos, boiadeiros e gado, forte agrado
Gente ensinando gente, transmissão de conhecimento instantâneo, Ouvido atento, olhos acesos e coração aberto. Prática.
A vida chamando vida, a história reconhecendo a sabedoria. Transplante de conhecimento a céu aberto.
A cidade do campo: menos gente, menos casas, menos muros. Terra a perder de vista, gente mais amável, hospitaleira de coração.
Ainda estou lá, onde se podia conviver sendo diferente, podia se colher, muitas vezes, sem plantar. Onde havia roçado, havia doação, onde havia plantação, fome zero.
Deus nos compensava com seus dias e noites, com o zumbido de abelha a colher o mel, com o paiol cheio de milho para os animais que nos serviam de alimento.
Toda noite havia sonhos, pela manhã, se plantava trigo.
Labaredas de credos e crenças incendiavam nossa palhoça, Credos de louvores e crença de agricultores, tudo pelas mãos e todos pela fé.
Não se cuidava das vidas alheias. Havia mais que vida além de nós, esperança demais a se colher, independente de quem seria, ou de quem viria ou saia.
Nossa estrada empoeirada estava abarrotada de pegadas. Não tinha muitas rodas a rodar, havia um certo gosto em andar.
Farmácias ao ar livre, bastava gostar de cheiro de mato.
Se curava dor de garganta com gargantilhas de cordões de fios e pingentes de sachês de alho.
A roça era a igreja, onde se fazia orações no plantio, cantava-se hinos na colheita e risos e alegrias de louvor ao colocar alimento á mesa.
O calor, recompensa e frio era dispensa. Geladeira, água corredeira.
Ar fresquinho, pela manhã e ar limpo no respiradouro da tarde, por onde, se via, Deus trabalhando no horizonte. Graça de graça. vento que a vida soprava.
Entre lençóis de algodão cru, a alma se envolvia, travesseiros de marcela do campo, cheirosa e delicada como nossos sonhos, embalava nosso descanso.
Tudo se complementava: água da bica, bacias de alumínio, baldes cheios de vida.
A terra, nossa madrinha, a sorte, nossa varinha, o rei, nossa historinha.
Só conhecíamos repressão, quando faltava chão e chuva e nosso plantio não vingava e nosso rancho sofria. Mesmo assim a alegria nos servia.
Onde estaria nosso quintal?
Nas obras de um destino, pássaro a cantar nas laranjeiras, cotovias, de dia, a noite, urutau.
O que se passa no tempo, que de passado se enterra, quanta coisa, nas mesmices, que tudo encerra.
Ontem que seria hoje, hoje que se faria amanhã, manhã que também passa. Quanta graça e trapaça?
Eu, que ontem, Eu que nada sabia. Eu, que hoje, Sabendo menos ainda. Não sou juiz para ajuizar, nem judeu para negar.
Ainda tenho prece, ainda tropeço nas ondas, ainda careço de memória, para resgatar o futuro que se passa.
Andorinha sem vento, a voar sem direção, poucas asas, pouca força.
Não sou fruto, apena lapsos de flores brancas e sutil, que sonha com polpa.
Cidade mal construída entre cigarras e postes.
Um lamentar de tristeza, um guerrear sem armas, um amar sem sentido, doído.
Que de Veneranda, De de Domênica. Muito mais de uma coisa do que de outra. O sentido despreparado, absorção seca.
A magia do saber, o acaso do poder, a distancia do discernir, na propriedade que defendo, que nem é minha.
Uma agoniosa fraqueza, desdobramento de cansaço, mais afino no que faço. Domino a arte sem ser dominado pela perfeição.
E vou, sem pressa, olhando pelas frestas.
Cruas certezas, mais certezas que dúvidas. Não vivo as ilusões, vou de pé no chão. Descalço se sente melhor o chão.
Hertinha Fischer.
















































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