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Deleite com café

  A janela, onde o sol nasce, sobe as escadas das flores e ali permanece, sentado, até que a porta da poesia, se abra, lá pelas bandas das ...

sábado, 2 de dezembro de 2023

O barqueiro do ar

 -Nunca aprendi a voar, dizia: -Não tenho asas!

Era só sua maneira de brincar com suas pernas e de

inventar coisas. Tipo: gangorras de madeira cortada e carrinho

construído dentro de touceiras de bananeiras.

Assim era meu irmão - homem nascido entre quatro mulheres. Talvez, por causa disso, houvesse, nele, tanta solidão. Compartilhava tudo, mas não podia compartilhar de si.

Hoje, analisando, friamente, vejo que essa solidão lhe rondava abertamente, tanto, que, talvez tenha aprendido, a se dar, de uma forma absoluta, a ponto de não observar os abusos. Nada lhe pertencia, exceto, seu bom coração. Teve um fato, que me marcou muito, quando foi trabalhar num circo, ficou longo tempo longe de casa, e quando voltou,  só estava com ele a roupa que tinha no corpo. 

Havia nele, certa cumplicidade com as irmãs. Sempre solicito, mergulhava em sua caminha solitária, enquanto ouvia cochichos do lado. Não podia se atrever a comentar, era menino, e menino seria simplesmente menino. Falta de um pai? Não, falta de um amigo pai. 

O roçado, muitas vezes, temeroso. Era o que o unia com os demais. Nas cantorias das enxadas, afiadas, rasgando o gargalo da terra. E as afeiçoadas plantas, que se destacavam no amado chão. As muitas vezes em que se contavam histórias, ou quando as brincadeiras exigiam mais que um. Hoje, entendo meu irmão.

Perdemos nossa mãe muito cedo. fato que não se espera, dureza de se compreender. Talvez, seja quem mais sofreu. Era homem, e homem conta com sua mãe para tudo. Foi como se a solidão dobrasse de tamanho. 

Foi então, que se atreveu a formar família. Conheceu e se engraçou com uma mulher. A primeira mulher que, de fato, o aceitou, depois de sua mãe. Teve filhos e os amou á sua forma, Formando-os como se forma bons homens. Livres em suas escolhas, livres como asas de falcão.

Enquanto nos emaranhávamos em nossas próprias definições, definindo e contestando, construindo casas de papel, semeando vento. Ele subia bem mais alto, solitário e solicito, trocando boa vida por bons momentos.

Incompreendido, as vezes, pelo excesso. Pressa de viver, talvez?

Pediram-me para descrevê-lo. E foi ai, que senti o quanto estava longe, de tão perto estava. Pouco me lembro de quando éramos criança. Mulheres tem dessas coisas, pouco sabem da solidão dos homens.

Deixava transparecer bondade em fartos sorrisos e contos, que, mansamente, trazia memórias boas de algo ou alguém. Sempre a lembrar o passado e viver o dia como quem confia que só se vive uma vez, Onde o futuro se confundia com o dia.

Era como nos contos de fadas, onde o baile acontecia fora do salão, se contentava com a abobora, não queria a carruagem, nem uma modificação que  desfizesse a liberdade de autenticidade.

Fugia um pouco da responsabilidade, não por falta de amor, mas, por sentir-se livre demais, como um cavalo que ainda não foi domado. 

Seu ultimo dia, sobre o palco, é uma incógnita. Ousou tocar a ópera sozinho. Assim, como, no silêncio, enterrou qualquer resquícios, do, que, realmente, procurava e não encontrou, ou encontrando, tudo que buscava dentro dele mesmo.

As vezes, pulsava uma grande vontade de viver, Noutras, apenas subsistia.

Seguia os passos do pai que ele amava. Rabugento e sombrio, queria que a sua flauta tocasse com os lábios alheios .

Aprendeu com a vida dura da roça, mas, a vida na cidade é mais dura ainda. Oferece largas compensações e ilusões sem fim. Equilibrar-se  com o que a cidade oferece, seria como subir em pés de alface. Mais fácil controlar a lâmina de uma enxada, do que controlar-se diante dos vícios.

Não deu nenhuma atenção para os avisos, nem se ligou para os sinais, tanto era grande a teimosia.

Perdeu dinheiro, perdeu saúde e perdeu e fragmentou a família, tudo em nome de uma certa arrogância, coisa de macho.

Culpado? quem? Viver é isso: sem abalo no embalo.

O Vulcão depende do sísmico. Sem abalo, sem lava, nada de novo.

De repente, uma ilha!

Tudo depende da força. Força de vontade e vencer a si mesmo. E quão é difícil vencer um prazer.

Eu quero! Eu decido! Eu mando! Sou rei! E o rei também comete seus crimes, repletos de vontade!

O que seria rios caudalosos. Senão, aquele que atravessa pedras? As pedras nunca o deterão, até que encontre um lago tranquilo para desaguar. Quanto maior for a luta, maior seria a vitória, Não, sem antes, derramar-se em fúria contra si mesmo.

Isso sempre acontece com quem se deixa dominar por alguma espécie de raiva.

A incompreensão desencadeia certa vontade de ir contra a maré, para provar algo a si mesmo.

E meu irmão dominou essa arte, feliz sempre! Pouco importa  o rumo, achar-se  ou perder-se, dá no mesmo. E assim foi. Estava certo? pouco sei!

Só sei que deixou história como qualquer vivente, sobrevivente neste mundo ilusório.


Hertinha Fischer



























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