Capítulo 1 (Atitude)
O dia estava absurdamente quente, daqueles em que só pensar já nos faz desfalecer. Anita enrolou um pedaço de tecido ao redor do corpo, sem vestir nada por baixo. Estava sob forte pressão no trabalho, sem ter vendido um único imóvel naquela semana, nem mesmo atraído algum cliente interessado. Com a autoestima no chão, pediu folga naquela tarde para tentar espairecer. Precisava urgentemente de dinheiro — o aluguel, a taxa do condomínio e outras prestações estavam à espera. Só conseguia se lamentar pelos gastos desnecessários que havia feito. Devia ter escutado sua mãe, que sempre a alertava sobre economizar para emergências. Gostaria de ter seguido esse conselho, mas, agora, de que adiantaria?
Pegou o resto de refrigerante que estava na geladeira, despejou em um copo e bebeu com tanta pressa que quase se afogou. Riu de si mesma ao notar sua ansiedade. Deixou o copo na pia e foi para a sala, jogando-se preguiçosamente no sofá quente.
— Ai! — soltou um gemido suave, levantando-se num pulo e exclamando: — Nossa, parece que estou dentro de um forno!
Foi até a janela, mas não havia nenhuma brisa, tudo imóvel. Pensou no quanto tinha sido difícil chegar até ali. Abandonara sua cidade natal para se aventurar em uma cidade maior e, agora, estava ali, sem rumo, sem saber o que fazer da vida.
— Tudo parado — murmurou — até minha vida está estacionada.
Mas isso não ia continuar assim. A palavra tem poder, algo precisava acontecer, e era agora. Mal terminou de dizer isso para si mesma, o celular tocou. Correu até a cozinha, onde tinha deixado o aparelho sobre a pia. Ao atender e dizer “alô”, percebeu a voz aflita de seu colega de trabalho:
— Onde você se meteu? Estou te procurando por todos os lados, por sorte me disseram que você tinha saído.
— É... — respondeu, sem emoção. — Desculpe por não avisar.
— Bom, o motivo de eu ter ligado é o seguinte: Tem algo que você precisa resolver, aqui e agora! Um cliente te espera!
Entrou no carro às pressas, quase atropelando o jardineiro, que gritou vermelho de raiva: - Não olha por onde anda? - Desculpe, agora não, tá? Depois nos falamos. - E saiu em disparada.
Já em trânsito, refletiu sobre suas palavras, ditas quase sem perceber: - Palavra tem poder!
Não podia duvidar, só faltava fechar o negócio. Estacionou o carro na vaga, pegou a bolsa, fechou a porta, acionou o alarme e subiu as escadas às pressas.
Abriu a porta do escritório e, na afobação em que estava, nem notou a pessoa sentada de costas para sua escrivaninha. Jogou a bolsa sobre a mesa, sem sequer cumprimentar ninguém.
- Boa tarde! - ouviu uma voz melodiosa do outro lado da sala.
- Boa tarde - respondeu, reconhecendo a voz de seu colega de trabalho.
Só então se virou para a figura sentada em frente ao computador e disse: - Desculpe a espera, tive que resolver alguns negócios pendentes. - Mentiu.
Foi nesse momento que a ficha caiu. Ficou desnorteada com a beleza do homem, um pouco sem graça, mas tentando parecer efusiva, relaxou.
- Então! - começou a falar. - Está interessado nesta casa? - interpelou o homem, jogando uma foto sobre a mesa.
Enquanto ele analisava os detalhes da imagem para identificar o imóvel, ela o observava de soslaio, por cima do computador. Percebeu a imponência do pescoço e dorso dele, uma leve onda de cabelos brancos entre os pretos, bem cortados. Uma camisa de tom marfim e uma gravata vermelha adornavam aquele corpo másculo, que descia até a cintura, onde ela já não conseguia enxergar, pois ele estava sentado e de cabeça baixa.
Uma onda de calor quase a sufocou, e ela se viu abanando-se com um pedaço de papel.
- Está com calor? - uma voz macia e cortante ao mesmo tempo a despertou. Sentiu-se corar como uma colegial e, sem pensar, respondeu:
- Pois é! E olha que estamos com o ar-condicionado ligado!
Logo se arrependeu do que disse, balbuciando desconfortável:
- Me desculpe, é que estava lá fora, e com essa onda de calor sufocante, nem percebi que repetia essa mania de me abanar.
Ele sorriu, revelando dentes branquíssimos, e seus lábios pareciam tão acessíveis que ela ruborizou novamente, como se ele a tivesse beijado. Decidiu mudar de assunto e focar nos negócios, deixando de lado o que sentia por ele. Afinal, concluiu: - Não estou aqui para paquerar, mas para fechar o negócio do ano.
- Você quer ver o imóvel hoje? - se ouviu perguntar.
Ele assentiu com a cabeça e respondeu:
- Se você não tiver nada mais urgente para fazer.
- Não tenho nada para fazer - respondeu sem pensar.
Recuperando-se rapidamente, tentou corrigir:
- Quero dizer, nada que não possa esperar. Vamos?
Ela levantou-se abruptamente, derrubando a caneca decorada que guardava suas canetas, espalhando tudo pelo chão. Ele deu a volta na mesa e se agachou para recolhê-las, encontrando um par de pernas bem torneadas e pálidas como cera. Enquanto fingia procurar mais objetos sob a mesa, notou a cor do vestido dela. Seu olhar subiu lentamente, passando pelo busto arredondado e perfeito, e foi tomado por pensamentos que nunca havia tido antes, pelo menos até aquele momento. Corou, mas ela não percebeu, já se afastando para pegar a bolsa do outro lado da mesa.
— Sou muito desastrada às vezes — comentou, completando: — Como toda mulher que se preze.
Ele caminhou até a porta, abriu-a e segurou-a enquanto ela passava com passos firmes e decididos. Quando conseguiu fechá-la, ela já descia as escadas em direção ao estacionamento, e ele quase teve que correr para alcançá-la. Sorriu consigo mesmo, pensando: Que mulher é essa?
Anita, por sua vez, desativou o alarme, abriu a porta, acomodou-se e destravou o lado do passageiro. Ele entrou, ajustou o banco que estava muito à frente, e ela aproveitou para observar as pernas dele. Mais uma vez, se pegou imaginando coisas. Engraçado, pensou, nunca fui dessas coisas. Agora me vejo olhando para as pernas de um homem que é meu cliente, como se fosse um paquera. E ainda por cima, admiro até a cor da calça dele. Caqui! — ela afirmou em pensamento, combinando bem com a camisa marfim, a gravata vermelha e os sapatos pretos reluzentes, como se tivessem sido comprados naquele instante. Perfeito demais, pensou. Só então ouviu o motor roncar e percebeu que já estavam a caminho.
Ele permaneceu em silêncio, observando a paisagem ao longo das ruas. Ela nem precisava olhar para frente, parecia que seu cérebro havia ativado um piloto automático que indicava o caminho. E que caminho! Ela pensava: "palavra tem poder!" e riu por dentro.
Depois de uns vinte minutos, ele interrompeu o silêncio:
- Chegamos!
- Como você sabe? - ouviu-se perguntando.
- Já olhei tantas vezes para a foto da casa que não é difícil reconhecê-la. É aquela ali?
- Sim, ela mesma! Eu até tinha esquecido o quanto ela é bela.
Ele a encarou quando ela desligou o motor, virando-se para pegar a bolsa no banco de trás. Por alguns instantes, os dois ficaram imóveis, perdidos nos olhos um do outro. Mas o encanto se desfez rapidamente, antes que os levasse a algo que não haviam planejado.
Ela pegou a bolsa e saiu do carro, ele fez o mesmo. Como se nada tivesse acontecido, caminharam lado a lado até a porta da casa. Anita abriu a bolsa, pegou as chaves e, quando foi abrir a porta, ele as tirou de suas mãos, assustando-a um pouco com a rispidez do gesto.
- Parece bravo! - ela murmurou quase em um sussurro.
Ele respondeu que não tinha motivos para isso, apenas quis parecer cavalheiro. A casa era ainda mais bonita por dentro do que por fora, como ela já sabia, mas queria ver nos olhos dele a mesma emoção que sentia, sem saber exatamente o porquê. A cada cômodo visitado, ele dizia algo como: "Muito bom! Gostei disso!". Ela também não falava muito, o que era incomum, parecendo não querer vender a casa.
No final da visita, decidiu voltar a ser profissional e disse: "Vamos sentar!", apontando para um banquinho entre os arbustos. Antes que ele pudesse decidir, ela já estava a caminho. Um pequeno jardim encantador surgiu entre as árvores, prendendo seu olhar mais uma vez, como se viesse das profundezas de sua alma. Já o tinha visto tantas vezes, mas agora parecia ainda mais sublime. Seria o encanto daquele homem?
Sentaram-se quase ao mesmo tempo, lado a lado, mas um muro invisível se ergueu entre os dois. Agora eram apenas profissionais: ela, a vendedora, e ele, o comprador. "Então," começou ela, como sempre fazia, "o que você achou?" "Bela, muito bela, gostei muito!", ele respondeu.
- Vai fechar negócio ou ainda precisa pensar? Já sabe dos números, certo? Vai fazer uma contraoferta?
- Calma, calma! - ele disse com a voz um tanto rouca. - Deixe-me pensar um pouco.
Resfolegando, como se estivesse cansado, levantou-se. Distanciou-se alguns passos, chutando um montinho de terra. Ela sorriu por dentro, falando consigo mesma: "Vai sujar os sapatinhos."
Ele colheu algumas tulipas e, voltando-se para ela, fez um gesto de oferta. Ela sorriu, e foi o sorriso mais lindo que ele já vira. Com um movimento gracioso de cabeça, ela aceitou.
Ele se aproximou, fez uma mesura e colocou as flores em seus dedos. Sentou-se mais à vontade, olhou nos belos olhos dela e disse:
- Eu fico com a casa! Mas quero um favor.
- Que favor?
- Quero que trabalhe para mim.
- Como assim? - perguntou ela, um tanto apreensiva.
- Bem, estou me separando da minha esposa, por isso estou comprando esta casa. Não é uma separação litigiosa, é de comum acordo. Já resolvemos as questões financeiras; só faltam alguns trâmites legais. Assim que assinarmos o divórcio, pretendo me mudar para cá.
Ela não disse nada, apenas o ouvia com atenção. Seu coração batia descompassado, sem entender bem o que estava acontecendo. Era uma emoção nova, algo que ela desconhecia completamente. As tulipas murchavam em suas mãos, deixando no ar um perfume suave que enchia seu coração.
Com uma mistura de alegria e compaixão, relutava em dizer a ele que nada daquilo lhe interessava agora que o negócio já estava concluído. Com o aluguel garantido, todos os seus problemas pareciam tão pequenos, pelo menos por enquanto. Mas não podia dizer nada, apenas o ouvia com atenção.
Ele continuou: - Vou precisar de alguém confiável para trabalhar neste novo projeto, pois vou me ausentar por um tempo. Não sei se você sabe, mas moro em outro estado, a mil e duzentos quilômetros daqui. Não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo, então pensei em contratá-la para transformar esta casa em um lar.
Ela o olhou surpresa e, num instante de incerteza, perguntou: - Por que eu?
Ele ficou em silêncio por alguns segundos antes de responder: - Não me faça perguntas difíceis, eu não saberia responder. Só sei do que preciso, e meu íntimo diz que você é a pessoa certa para cuidar da casa, contratar uma arquiteta, uma decoradora, comprar o necessário, sem que eu precise me preocupar.
Olhando-a nos olhos, completou: - Aceite, por favor! Nem precisa deixar seu emprego atual, pelo que sei, não trabalha em tempo integral, dá para conciliar.
- Como sabe disso?
Ele a olhou com provocação e, com a voz cansada, disse: - enquanto esperava, por você, seu colega de trabalho me falou um pouco sobre você. Sei que é solteira, sem filhos, mora sozinha e que seus pais não são desta cidade. Que veio para cá para estudar, conseguiu este emprego para se sustentar e não gosta de ser conduzida ou protegida por ninguém.
- Nossa! - balbuciou. - Só falaram sobre mim, pelo visto!
- Um pouco sobre você, outro pouco sobre a casa. Mas não fique brava com ele, fui eu quem ficou muito entediado com aquela infinidade de café que ele me oferecia. Então, entre um gole e outro, fui lhe fazendo perguntas. Não queria fazer negócio com uma pessoa completamente desconhecida.
- E gostou do que soube sobre mim? - Assim que fez a pergunta, logo se arrependeu. - Não precisa responder!
- Respondo mesmo assim: gostei sim! Você me pareceu confiável e, depois que te conheci pessoalmente, constatei que, além de confiável, é também uma mulher corajosa e linda.
Ela corou novamente, suas íris se dilataram e seu rosto ficou tão rosado que até ele percebeu.
- Por que ficou constrangida? Acho que já está acostumada a receber esse tipo de elogio, ou estou enganado?
- Está! Não costumo receber elogios de clientes. Sou bem profissional, não dou margem para esse tipo de comentário.
Ele sorriu de um modo que a fez estremecer.- está duvidando de mim? acrescentou:
- De modo algum, só achei engraçado a forma com que lida com suas emoções. Sei perfeitamente de tudo isso. Só que, em sua presença, as vezes, me esqueço que a conheci nesse dia, para seu governo, nos conhecemos á apenas algumas horas, mas, parece que sempre a conheci.
Ela corou novamente como se ele á tivesse despindo.
Pensou naquele dia: - Como pode acontecer tantas coisas, tudo o que ela almejava na vida, de repente se concretizava: - um grande amor, uma quantia razoável de dinheiro entrando em sua conta! - Opa!,
palavra tem poder, mas, nada disso é verdade, será apenas um sonho?
Não, não era sonho, pois a voz do rapaz a acordou para a realidade,:
- E ai, dá para me dar uma resposta?
- Resposta sobre o quê?
Ele fez uma cara de surpresa e falou rapidamente: - sobre a minha proposta de trabalho.
-Ah! sim, Claro! - Dá para esperar até amanhã?
- Sim, mas só até amanhã a tarde, pretendo, assim que assinar a papelada da compra da casa, seguir para minha cidade. ainda tenho muitas coisas que resolver por lá.
E ainda tem mais: - quero que você pense sobre se mudar para cá! - aquela casa construída lá embaixo, está vazia, se você quiser pode ocupá-la. Assim se livra do aluguel e ainda fica mais próxima do trabalho.
Ela olhou de soslaio, por cima dos óculos de sol, que agora, a protegia dos raios do pôr do sol, que estava diretamente voltado para eles . e sem pensar concluiu: - isto é bom demais para ser verdade!
- Isto quer dizer o quê? - ele disse: - que você aceita?
Ela pensou um pouco, e decidiu se fazer de difícil. balançou a cabeça em negativa.
- Ainda não!- Preciso pensar! Afinal, é uma mudança e tanto, incluindo muita responsabilidade.
De repente seu celular começou a tocar, ela pediu licença, levantou-se , se afastando um pouco, para atender.: - Alô! Tão logo reconheceu a voz de seu assistente, que começou a falar sem parar: - Onde você está? - Já estou a ponto de fechar o escritório, todos já foram embora, só falta você! - Ainda vai voltar?
Ela olhou para seu relógio de pulso e não conseguiu acreditar no andar das horas, o tempo passara tão rápido que nem percebeu que quase anoitecera.
- Desculpe-me! - saiu uma voz quase chorosa: - Pode sair, eu volto, mas, tenho a chave!
- E ai? Como foi?
- Tudo correu as mil maravilhas! - Não conseguiu esconder a emoção.
Ouviu um assovio animado do outro lado e uma expressão de contentamento no falar: - Que maravilha! Valeu a espera!
- Sim! valeu!, mas, vamos conversar noutra hora! Já está ficando tarde, preciso sair daqui. Beijo, amigão!
O telefone ficou mudo de repente, ele já tinha desligado, com certeza, estava louco para ir para casa!
Ela se voltou para o moço e só então percebeu que não sabia seu nome. Ficara tão empolgada com o negócio, que esquecera completamente de perguntar. Ou não era só isso?
- Eu peço desculpas, falamos sobre tantas coisas, tratamos das coisas práticas e nem sei qual é o seu nome!
- Daniel, mas pode me chamar de Dan!
- Então Daniel, podemos ir?
Ele sorriu, falando em seguida:- Dan! para os amigos prefiro ser chamado de Dan. Sim!
podemos!
Levantaram do banco e seguiram diretamente para o carro, falando sobre as questões legais de compra e venda.
Se despediram na porta do escritório, prometendo se encontrarem no outro dia as dez da manhã,
quando, então, iniciariam o processo da transferência do imóvel.
Ela voltou para casa com uma sensação estranha. Não era mais a mesma. Parecia que estava vivendo a vida de outra pessoa. Estava tensa e ao mesmo tempo relaxada, não sabia explicar: Seria amor ou apenas empolgação pelo homem, que, de repente, mudava sua condição de momento?
Entrou em casa, fechou a porta e foi para o banho. Enquanto a água caia sobre sua cabeça, ela colocava um pouco em sua boca e esborrifava para fora. Era assim que conseguia relaxar e pensar.
Tudo transcorrera bem, nem acreditara que depois de tanto tempo numa penúria que dava dó, agora, poderia resolver muitas pendências.: como saldar as dividas contraídas naquele ano, que estava difícil de sanar., sair daquele apartamento pequeno e morar num casa maior, com aquele jardim imenso e tantas outras regalias que sequer sonhara.
Dormiu mal aquela noite, foi difícil se desligar, só depois que o cansaço vencera é que pode descansar um pouco.No dia seguinte levantou-se muito cedo, preparou o desjejum, tomou uma ducha quente, e foi para o escritório.Chegando lá, todos á saudaram, dando-lhe os parabéns pela venda, nem notaram o turbilhão de emoções que á estava incomodando.Lá pelas dez horas, Daniel chagara, logo após o antigo dono da casa também apareceu, todos se reuniram na sala de reuniões e efetivaram o negócio.Daniel lhe parecera muito distante, diferentemente do dia anterior.Assinaram a papelada, os cheques foram editados. As comissões devidamente distribuídas. A parte que cabia a imobiliária, a parte que lhe cabia, enfim, todos os trâmites devidamente acertados e concluídos com muito sucesso, sem nenhuma ressalva.Agora, só havia mesmo o trabalho do seu assistente, que registraria tudo em cartório.Ela foi a primeira a sair da sala, não aguentava mais a pressão do seu coração, que batia muito acelerado, como se fosse um pilão a moer milho.Aquilo tudo lhe causara muito estresse como nenhum outro negócio que anteriormente fora fechado. Ela só entendia que o comprador era o culpado, não conseguia parar de pensar naquele homem.Foi para a saleta ao lado, serviu-se de um café, sentou-se numa poltrona de coro cru, disposto perto da máquina.Aquela sala era muito aconchegante, que, por alguns instantes, até conseguiu relaxar. No entanto, o sossego durou pouco. logo, ouviu vozes vindo do corredor e seu cliente abriu a porta, entrando acompanhado de mais dois colegas de trabalho e a conversa fluiu, sempre relacionado com trabalho.Ela pouco falou, de vez em quando, se deparava com um par de olhos verdes olhando em sua direção. Naquele dia, ele se vestira com esportividade. Estava muito mais atraente que quando o conhecera: vestia uma camisa cor de vinho, acompanhado por uma calça mais clara, quase que da cor salmão. estava sem a gravata, com a manga da camisa enrolada até os cotovelos e a camisa aberta , mostrando pelos dourados que se perdiam entre os tecidos.
O sapato era um tanto menos chamativo, embora simples, mantinham uma limpeza impecável.
Ficou admirando seu cliente por alguns segundos, até ouvir uma voz dirigida diretamente á ela: - Oi!, está me ouvindo? Parece estar num outro mundo!
Anita deu um salto na cadeira, quase derrubando a xícara que estava segurando entre os dedos,
- Que susto! Não estou dormindo, nem me encontro fora do mundo, só estou um tanto cansada.
Ele deu aquele sorrisinho encantador que derrubou toda a sua defesa.
- Eu estou esperando a resposta!
- Sobre? - fez a pergunta sem pensar - Desculpou-se logo a seguir: - Ah, sim! Eu aceito a sua proposta, só que, com uma condição.
- E qual é essa condição? perguntou meio decepcionado: - que será que viria agora? Tudo poderia se esperar de uma mulher, ainda mais de uma que parecia viver nas nuvens.
- Eu quero ter carta branca, já que não vai estar por perto, quero todas as condições necessárias para realizar esse projeto.
- Claro!- ele respondeu com segurança na voz:- Nem poderia ser diferente, já que estou colocando a minha vida em suas mãos.
- Sua vida? - ela se viu balbuciando:- por acaso aquela casa representa a sua vida?
- Sim! ele disse com uma certa tristeza no olhar: - a partir de agora, só viverei para ela e para os negócios.
- Não sei se deveria dizer isso, mas você me pareceu um pouco frustrado. O que realmente aconteceu para o seu casamento não dar certo?
- Ele sorriu, com certa displicência no olhar, e começou a contar o ocorrido: - A culpa foi minha. Minha esposa sempre foi muito dedicada ao casamento. Embora trabalhasse, não era por necessidade, mas para se distrair e se sentir importante como pessoa. Só que eu vivia para o trabalho e acabei deixando-a de lado. Quando percebi, já era tarde. Ela já estava interessada em outro, alguém que a completava e atendia todas as suas necessidades. Ao conhecê-lo, entendi o porquê.
- Você conheceu o amante da sua esposa e se deu bem com ele? Como isso é possível?
- Ele não era ainda o amante, embora já tivessem uma amizade há muito tempo. Antes de mudarem a condição do relacionamento, foram muito sinceros, vieram falar comigo e, sem muita demora, expuseram o que estava acontecendo. Estavam se apaixonando e queriam ficar juntos. Eu era um empecilho. Então, para o bem de todos, concordamos que o melhor seria nos divorciarmos o quanto antes. Isso já vem acontecendo há algum tempo, embora ainda moremos na mesma casa.
- Nossa, que história! E como você se sente diante disso?
- No começo, não vou negar, isso me abalou profundamente. Não percebia que nosso relacionamento já havia se esgotado. Fazia tempo que não tínhamos muito o que conversar ou compartilhar, exceto coisas banais e alguns encontros românticos sem muita emoção, apenas por comodismo.
- Que triste!
- Sim, muito triste! É isso que acontece quando se casa muito jovem.
- Há quanto tempo vocês são casados?
- Quinze anos, eu acho!
- Vocês tiveram filhos?- Não! E não foi por falta de vontade. Não tivemos porque não tivemos. Ela tem um problema nas trompas e não consegue segurar o feto. Já sabia disso quando me casei com ela, e isso não me afetou no início. Como já te disse: quando somos jovens, não pensamos muito e achamos que está tudo certo.
- E agora, o que você pretende fazer? Quero dizer, depois que se mudar para cá.
- Ainda não sei ao certo. Só sei que quero recomeçar. Sou jovem e preciso pensar!
- Vai mudar de atitude ou pretende viver para trabalhar? Se for assim, nem adianta casar de novo.
Falou isso mais para sondar a situação, já sonhando em ocupar o lugar vago.
- É óbvio que aprendi a lição. Se me casar novamente, acho que preciso avaliar os prós e contras. Afinal, já tenho o suficiente para pensar em equilibrar meu tempo.
- E falando nisso, que tal um drinque depois do trabalho para comemorarmos o negócio? Podemos convidar seus amigos ou sairmos sozinhos, como preferir.
- Sozinhos? perguntou surpresa.
- Sim, por que não? Afinal, fomos nós que fizemos o negócio, sem interferência de ninguém. Sua simpatia me cativou de tal forma que me senti quase obrigado a comprar a casa.
Deu uma gargalhada e acrescentou: - brincadeira!
Mas ela viu sinceridade no olhar dele e, por isso, aceitou o convite. Pediu que a buscasse às nove da noite em frente à sua casa. Ambos se despediram. Ele foi para o hotel, sentindo-se realizado, e ela foi comemorar com os amigos o fechamento da venda.
Passou o restante da tarde no escritório, resolvendo tarefas pendentes, e depois foi para casa com certa ansiedade pelo encontro daquela noite. Arrumou um pouco o apartamento, levou o lixo para fora, tomou um banho e tentou relaxar no sofá com a televisão ligada. No entanto, não conseguia se concentrar, pois sua mente estava focada na imagem encantadora de seu novo cliente e nas dúvidas sobre se valeria a pena mudar-se para a nova casa.
Ligou para a mãe e compartilhou as novidades, omitindo, contudo, o detalhe mais intrigante: a paixão crescente pelo novo patrão. Quando o relógio marcou oito horas, começou a se arrumar. Maquiou-se, frisou os cabelos, escolheu um perfume especial guardado para ocasiões raras, vestiu seu melhor traje e sapatos novos, enquanto a agitação tomava conta dela.
Do outro lado, Daniel também se perfumava, algo habitual, mas dessa vez com atenção redobrada, por se tratar de uma ocasião especial. Após quinze anos sem envolvimentos românticos além de sua esposa, ele sentia um nervosismo quase desconhecido. Era como se sua vida ganhasse novamente um ritmo vibrante, respirando com intensidade e prazer renovados. Fez a barba, escolheu a roupa, os sapatos e até comprou um novo perfume. Queria algo diferente, nada que lembrasse o homem do passado. Desta vez, a mudança seria total em todos os aspectos; não queria arriscar no novo relacionamento. Nem sabia ao certo se seria correspondido, mas sentia que, se as coisas seguissem dessa forma, pelo menos era isso que desejava.
Pensou muito sobre o assunto. Não queria agir por impulso, mas parecia que o destino sempre fazia tudo ao contrário do planejado. Pelo menos era essa a mensagem do seu coração. Bendita hora em que resolveu mudar de estado.
Olhou para o relógio: oito e vinte. Pediu pelo interfone que o manobrista tirasse o carro da garagem do prédio. O hotel não era tão sofisticado, mas tinha suas regalias. "Tudo o que o dinheiro pode comprar", pensou.
Às oito e meia, já estava no carro. Oito e quarenta, a buzina soou lá embaixo. Anita se olhou no espelho mais uma vez, satisfeita com o que via. Espiou pela janela e confirmou que ele havia chegado.
Seu apartamento ficava no segundo andar, e levaria poucos segundos para descer. Mesmo assim, sinalizou para que ele esperasse; não queria parecer ansiosa. "Mulher tem que se fazer de difícil", pensou.
Foi ao banheiro e ficou um tempo sentada no vaso, tentando controlar o nervosismo e desacelerar o coração que batia mais rápido do que o normal. Depois saiu, chamou o elevador e entrou sorrindo para um casal que estava no mesmo espaço. "Boa noite!", disse.
Os dois a cumprimentaram; a moça não parava de olhar para ela, enquanto o rapaz disfarçava, temendo levar um beliscão. Ela percebeu e sorriu internamente, satisfeita. Se causava essa impressão nos desconhecidos, certamente agradaria seu acompanhante, e era só isso que desejava!
Ao abrir a porta que dava para a rua, deparou-se com ele à sua espera. Não esperava nada diferente, já havia notado que era um perfeito cavalheiro. Ele tomou sua mão e lhe deu um beijo no rosto. Ela se encolheu um pouco diante da emoção que tomou conta de seu ser. Não esperava aquele gesto, afinal, mal se conheciam, e ela estava acostumada a tratar pessoas pouco conhecidas com certa formalidade no início.
Ele manteve sua mão entre as dele enquanto a conduzia até o carro estacionado mais adiante. Caminharam em silêncio, sem querer romper a agradável sensação proporcionada pelo leve toque. Só então ele soltou sua mão para abrir a porta do carro, permitindo que ela entrasse. Enquanto ele dava a volta para entrar pela outra porta, ela tentou se acostumar com aquele conforto ao qual nunca estivera habituada.
Nenhum rapaz a tratara com tamanha gentileza, tampouco ela havia sentido aquela sensação de que o mundo girava ao seu redor, deixando-a vulnerável a ponto de se achar tola aos próprios olhos. Sem encontrar palavras melhores, quando ele se sentou ao seu lado, ela apenas conseguiu balbuciar: – Muito obrigada!
Ele não respondeu, apenas lançou um olhar cheio de faíscas em sua direção e disse suavemente: - Você está deslumbrante!
- Você também está muito bem! - ela devolveu o elogio.
Ela não pôde deixar de notar cada detalhe que compunha a imagem daquele homem ao seu lado. Ele estava impecável: calça jeans preta, camisa azul-clara com as mangas dobradas, sapatos mocassim claros, cabelos bem penteados com uma leve onda sobre a testa e fios brancos nas têmporas que o destacavam. Um perfume inebriante preenchia o ar, uma mistura ousada de couro e cacau, com um toque fresco de lima e manjericão, muito diferente dos perfumes que ela conhecia, refletindo uma sofisticação única.
O garçom se aproximou com uma garrafa de vinho tinto Malbec, servindo delicadamente duas taças de cristal. Ele ergueu a taça para um brinde, e ela o acompanhou automaticamente, perguntando: - A que brindaremos?
- Ao futuro! - respondeu ele, acrescentando: - Tim-Tim! - antes de tomar um gole e suspirar de prazer.
Ela fez o mesmo, sentindo a bebida aquecer ainda mais seu corpo já tomado pela emoção. Uma onda de calor subiu, e pequenas gotas de suor apareceram em sua testa, que ela rapidamente secou com a palma das mãos.
- Está muito calor para vinho - comentou ela. - Preferiria algo mais refrescante.
Imediatamente, ele chamou o garçom:
- Por favor, acho que errei no pedido. A dama prefere algo mais fresco. - Não! Ela replicou. - Falei por falar. O vinho está muito bom.
O garçom permaneceu parado, esperando que os dois decidissem.
Anita lançava um olhar fulminante para o companheiro. Após alguns segundos de silêncio, ela despejou sua fúria: - Poderia, ao menos, conversar comigo antes de tomar suas decisões, não?
Ele a olhou surpreso. Estava habituado a decidir tudo sozinho, mas percebeu que com ela isso não funcionava. Notou que estava lidando com alguém inabalável, cheia de dignidade e autoestima.
O garçom, ao ouvir o comentário de Anita, afastou-se para que eles pudessem discutir a sós.
Ele ergueu as mãos num gesto de paz e falou pausadamente: - Peço desculpas, não queria te chatear. Estou acostumado a ir a restaurantes e pedir uma garrafa de vinho, independente da estação. Eu gosto! Se não se importar, pode pedir o que quiser. Não precisa me acompanhar.
- Sem problema – respondeu ela. - Eu é que peço desculpas. Não deveria reclamar de nada, está tudo perfeito!
- Ótimo! Para compensar minha falta de companheirismo – disse Daniel –, você pode escolher o prato!
Sentindo-se mal depois do ocorrido, ela preferiu deixar a escolha nas mãos dele. Desta vez, porém, decidiram juntos.
Enquanto saboreavam uma comida deliciosa, conversaram sobre várias coisas. Ele contou que trabalhava em uma empresa de agronegócios, onde produzia sementes para exportação, o que o fazia viajar frequentemente.
Como diretor, nunca deixava que outros tomassem decisões por ele... - Até hoje, acrescentou em tom de brincadeira.
Ela também sorriu, entendendo o que ele quis dizer, e sentiu-se satisfeita pela forma como ele a incluía em sua vida.
Depois de terminada a refeição, ele a convidou para dar uma volta. Ela aceitou prontamente, querendo prolongar o encontro, talvez até quebrar o gelo e partir para outro tipo de intimidade.
Ele segurou suas mãos assim que saíram da mesa. Ela sentiu uma vibração que parecia conectar-se ao seu próprio desejo, como se estivesse sintonizando consigo mesma. Ao saírem à rua, ele parou, passou as mãos pelos cabelos dela, descendo pelo pescoço, causando um prazer inigualável que a fez estremecer. Seus lábios se uniram como um ímã poderoso, e o mundo deu lugar a sensações nunca antes experimentadas.
O tempo parou: nenhum dos dois saberia dizer quando as carícias começaram nem quando terminaram. Olharam-se nos olhos, e ele disse baixinho em seu ouvido: "Você não faz ideia do quanto esperei por isso!" Ela respondeu: "E você não tem noção do quanto esse pensamento me abalou!"
A noite prometia. Caminharam de mãos dadas, trocaram beijos incontáveis, até que sentiram ser hora de se despedirem. Ele a acompanhou até a porta do prédio. Ela teve vontade de convidá-lo para subir, mas conteve-se, engolindo a vontade. Deu-lhe mais um beijo, desta vez menos intenso, soltou suas mãos das dele devagarinho, quase a contragosto, e só então abriu a porta e afastou-se rapidamente, sem olhar para trás.
Ele ficou parado, imóvel, tomado por uma sensação de perda que quase o asfixiava. Deu meia-volta quando viu a luz do segundo andar acender, voltou para o carro e foi embora.
Capítulo 2 (Medo de amar)
A noite foi longa para Anita, que mal conseguiu dormir. Entre cochilos curtos, a imagem de Daniel insistia em aparecer, desbotada e incerta, como se pudesse desaparecer a qualquer momento. Seria sua consciência tentando lhe dizer algo, ou apenas o medo de amar e ser esquecida? Sempre foi uma mulher conservadora, que não se deixava levar pela magia de um encontro. Evitava se expor ou se envolver sem compromisso.
Seus amigos a chamavam de puritana, mas ela sabia que o apelido não fazia sentido. Apenas reservava o direito de escolha e tinha receio de aventuras passageiras. Criada com muita disciplina, sua mãe sempre a alertava sobre o perigo de se apaixonar no primeiro encontro, dizendo que as coisas poderiam mudar de repente, tornando o sofrimento inevitável. Por isso, nunca teve um compromisso sério. Mesmo quando queria, não conseguia se entregar no primeiro encontro. Preferia conhecer bem a pessoa antes de iniciar qualquer relação.
Mas, desta vez, algo foi diferente. Um sininho tocou, e ela se viu refém de uma história nova, um sentimento inesperado que não sabia como lidar. Algo em seu íntimo dizia para tomar cuidado, e ela repetia para si mesma: - Palavras têm poder. Eu serei feliz com ele! Eu serei feliz com ele! Assim, passou a noite repetindo até o amanhecer.
Ao despertar, começou o dia como de costume. Pegou o carro para ir ao trabalho, mas antes verificou o celular para ver se havia alguma mensagem. E encontrou uma de Daniel que dizia: - Obrigado pela noite! Abraço!
Ela sentiu-se feliz por um instante, mas logo uma sombra negra começou a rondá-la: achou a mensagem fria demais. Por que um abraço em vez de um beijo? Depois de tudo que aconteceu, dos beijos e carinhos trocados, já tinham intimidade suficiente para mensagens mais calorosas. Decidiu trancar esses pensamentos no fundo da mente e focar no trabalho. Afinal, de que adiantaria remoer o que ainda não aconteceu? Outro dia, outros motivos, pensava.
Seu assistente já estava lá quando ela abriu a porta, atolado em uma pilha de documentos. Assim que a viu, disse apressado: "Temos muitos casos de aluguéis atrasados para resolver. Os clientes estão ligando para saber o que está acontecendo. A crise está feia!" "Realmente," ela respondeu, "não está fácil para ninguém!" O rapaz deu uma risada, passou a mão na cabeça e completou: "Só para você que não!" Ela ficou sem graça. Em outra ocasião, teria rido, mas não agora, apaixonada pelo patrão.
Silenciosa, começou a organizar sua mesa, concentrando-se nos assuntos mais urgentes, atendendo e fazendo ligações, esquecendo por um momento sua crise emocional. O dia passou rápido. O entra e sai na imobiliária exigiu toda a sua atenção. Às vezes, ao atender o telefone, lembrava de Daniel e se perguntava: seria ele?
Só depois das quatro da tarde, seu assistente revelou que havia recebido um e-mail de Daniel. Ela abriu rapidamente a mensagem, que trazia apenas uma ordem: "Ligue para tal pessoa no número tal. Minha contadora dará as coordenadas para você iniciar o trabalho na casa. Os cheques estão prontos, ou prefere um cartão corporativo? Já dei ordens ao escritório de contabilidade para lhe dar carta branca sempre que solicitar. Depois nos falamos. Pode se mudar quando quiser, sinta-se à vontade!"
abraço!Daniel.A noite chegou, e ela voltou para casa sem notícias de Daniel: nenhum telefonema, nada, apenas silêncio. Nos dias seguintes, ela limpou a cabana. Embora fosse pequena, era muito simpática e, comparada à residência oficial, parecia mesmo uma casinha.
Ela arrumou e embalou seus pertences, entregou a chave ao senhorio, chamou um pequeno veículo para o transporte e partiu para outra aventura, desta vez sem o receio de não poder pagar. "Pagarei com meus serviços", pensou. Mas, até quando? A insegurança voltou a atormentá-la.
Uma semana, duas, e ainda nada de notícias do patrão. Já havia iniciado algumas reformas, contratando um encanador para resolver problemas e pesquisando em lojas de eletrodomésticos para entender o mercado e encontrar produtos bons a preços menores.
Certa noite, inquieta, saiu para tomar um ar. O clima fresco a fez caminhar pelo jardim. De repente, sentiu um perfume inesquecível, madeira e chocolate. Inspirou profundamente, parecia que Daniel estava tão perto que quase podia tocá-lo. "Que saudade...", balbuciou.
Foi então que uma mão tapou seus olhos. Um arrepio percorreu seu corpo ao ouvir uma voz dizer: "Adivinhe quem é?". "Daniel!", sua voz respondeu sozinha, pronunciando aquele nome tão querido. Ao se virar, deparou-se com aqueles olhos verdes, brilhando sob a luz do luar, a sondá-la. - Não percebi quando o carro chegou. Ele disse:
- Ainda bem, queria fazer uma surpresa!
- Por que não ligou antes?
- Não deu tempo, respondeu com certa emoção:
- Estive muito ocupado, fui chamado às pressas para resolver alguns negócios. Tive várias fazendas para visitar. Além disso, detesto falar de coisas íntimas pelo telefone. Minha ex-esposa odiava isso.
Mas eu prefiro assim: seus lábios se aproximaram dos dela lentamente, e ela sentiu o hálito quente queimando-a por fora antes que uma onda de calor invadisse seu interior, com um sabor de hortelã misturado a prazer e loucura.
Beijaram-se com intensidade. Após se separarem, ele tocou de leve a testa dela e murmurou ao seu ouvido:
- Sentiu? Agora sabe por quê?
- Sim, ela sentiu e entendeu que, por telefone, isso jamais aconteceria.
Ele continuou:
- Detesto sentir desejo e não poder realizar. Sou obsessivo por toque. Sentir saudade é bom, mas só falar de amor não me basta. Você não tem ideia do quanto esperei por isso.
Ele a soltou do abraço, segurou suas mãos entre as dele e a conduziu pelo caminho de volta.
- Vamos para sua casa ou para a minha? perguntou.
- Para a minha, respondeu ela. - Sua casa ainda não está pronta!
Não tem cama, ela ia completar, mas desistiu. Não havia como fugir do desejo que sentia por aquele homem. Se as carícias continuassem, certamente o destino seria esse. O destino da cama.
E foi exatamente o que aconteceu.
Assim que chegaram à porta, ele a tomou nos braços e, como recém-casados, a levou para a cama, onde as carícias se intensificaram até não poderem mais resistir. Ele a penetrou suavemente, e ela sentiu-se nas nuvens. Nunca em sua vida havia experimentado algo tão profundo, como se ele fizesse parte dela. Os beijos tornaram-se ardentes, as carícias mais ousadas, até que alcançaram o clímax, perdendo-se em suspiros e gemidos de prazer.
Ela virou-se na cama, de lado, enquanto ele a envolveu em um abraço de conchinha. Permaneceram assim por horas, em silêncio, apenas sentindo o descompasso dos corações.
- Estou com fome - ela murmurou. - Vou tomar banho e preparar algo para comer. Ele a soltou, relutante. - Tá bom, também estou faminto. Vai tomar teu banho, depois eu levanto e te ajudo!
Enquanto ela colocava o espaguete para cozinhar, ele apareceu na porta e perguntou: - Em que posso ajudar? Que cheiro bom!
- É o molho de manjericão, em sua homenagem - respondeu ela. - Seu perfume me lembra lima e manjericão, além de madeira e chocolate.
Ele riu alto, fazendo-a rir também. - Como assim? Tudo isso?
- E algumas coisinhas mais... emoção, carinho, amor... Pode ir lavando a louça, se quiser.
Ele começou a lavar os utensílios na pia, mas de repente parou, foi até ela e a beijou novamente. E assim foi, durante o jantar, após o jantar, até voltarem para a cama para fazer amor mais uma vez.
O dia amanhecia lá fora, o sol já ameaçava com seu calor sufocante. Ela procurou um corpo ao lado e só encontrou o vazio.
- Não é possível! - pensou. - Esse homem é especialista em desaparecer.
Ouviu o som de um carro chegando: era ele, trazendo café pronto.
- Não acredito! - exclamou ao vê-lo entrando pela porta. - Achei que tinha ido embora.
Ele, confuso, respondeu sorrindo:
- Como assim? Só fui preparar um café para você!
E lhe entregou o pacote que trazia nas mãos.
- Trouxe café preto, não sabia se gostava de leite e preferi não arriscar. Hoje só tem café, pão e manteiga na chapa.
- Eu poderia ter feito, - respondeu contrariada. - Tenho tudo aqui, mas você nunca pergunta, sempre decide sozinho.
Ele levantou as mãos em protesto:
- Olha, mocinha, só quis agradar. Se não gostou, desculpa, jogo tudo fora.
- Não! - gritou ela. - Desculpe!
Tocando levemente seus ombros, ela disse:
- Não quis ofendê-lo. Sou impulsiva demais, não consigo evitar.
Tomaram o café juntos, conversaram sobre a decoração do imóvel. Ela o levou para ver alguns itens que havia comprado, e ele elogiou satisfeito:
- Sabia que podia contar com seu bom gosto. Continue assim.
Mas então ele anunciou:
- Vou me ausentar por alguns dias. O dever me chama, e estarei muito ocupado para pensar em outra coisa que não seja trabalho.
Ela se sentiu ofendida, mas guardou o silêncio, evitando uma briga antes de sua partida.
- Para onde vai desta vez?
- Por aí, onde me chamarem. Não sou eu quem decido.
- Sentirei saudades!
- Eu também sentirei! – disse meio tristonho – mas quero que saiba que, mesmo que eu não ligue com tanta frequência, você estará em meu pensamento.
- Será? – ela perguntou.
- Pode apostar! Não quero que pense que eu não ligo, mas gosto de deixar o tempo decidir! Assim que puder, eu volto!
Dito isso, ele se levantou, afastando a cadeira para trás. Deu a volta, tomou-a em seus braços e beijou-a com desespero. Seus lábios chegaram a inchar com tamanha intensidade do desejo. Depois, ele se despediu, pegou sua maleta e foi se distanciando, perdendo-se entre a vegetação. Ela só conseguiu ouvir o barulho do carro indo embora. Ficou ferida ao constatar que ele nem pediu que o acompanhasse, parecia querer fugir, como sempre.
Os dias seguiram sem qualquer novidade. Ocupada com seus dois empregos, nem viu o tempo passar. Todas as noites, ficava por horas olhando a estradinha embrenhada na mata, na esperança de ver algum farol de carro iluminando algum ponto da estrada. Por meses, nada aconteceu. Foi então que, num fim de semana prolongado por um feriado na sexta-feira, ela resolveu ir para a casa de sua mãe. Fazia algum tempo que só se falavam por telefone.
Como ela detestava dirigir na estrada, optou por ir de ônibus. Comprou a passagem e, na quinta-feira à noite, assim que saiu do trabalho, arrumou as malas e partiu. A pequena cidade onde sua mãe morava ficava a uns duzentos quilômetros dali, longe o suficiente para que não se vissem com tanta frequência. Ela sentiu-se feliz em poder visitar o lugar onde morou por tanto tempo, sempre no mesmo bairro, na mesma rua e na mesma casa, desde que se conhecia por gente. Seus pais se separaram quando ela tinha apenas seis anos. Ele as abandonou e nunca mais voltou, nem para vê-la. De vez em quando enviava algum dinheiro para ajudar sua mãe a criá-la, até que se casou novamente, mudou-se para outro país e nunca mais deu notícias. Sua mãe trabalhou duro para criá-la e garantir uma boa educação. Até que ela decidiu seguir sua própria vida, mudando-se para uma cidade maior, enfrentando o medo da solidão e das despesas, deixando sua mãe livre para recomeçar, se quisesse.
Quatro anos se passaram, ela se formou em administração, fez um curso técnico em transações imobiliárias. Como já trabalhava na área, conseguiu facilmente um emprego como corretora no local onde estava. Ganhou algum dinheiro, mas gastou muito em coisas supérfluas, quase precisou voltar, até que fechou o maior negócio de sua vida. Junto com esse sucesso veio uma dor de cabeça: o caso de amor com seu novo patrão.
Enquanto viajava à noite, deitada na poltrona confortável do veículo, Anita finalmente refletiu sobre seus últimos momentos naquela cidade. O amor e a saudade que sentia pelo patrão eram quase insuportáveis. Muitas vezes, sentia vontade de ligar para ele e confessar que o amava mais que tudo, mas a razão sempre a fazia desistir. Era uma tortura pensar que poderia ser apenas um passatempo, usada quando ele aparecia, para depois sumir sem explicações. Nenhum recado, pedido de desculpas, nada, apenas um silêncio ameaçador.
Sentiu as lágrimas escorrerem pelo rosto. Pela primeira vez, sofria por amor. Felizmente, estava escuro, e os outros passageiros dormiam ou mantinham os olhos fechados, incapazes de ver sua dor estampada. Até agora, tinha sido corajosa, mas talvez a lembrança de seus pais a tivesse deixado emotiva demais.
Não conseguiu dormir nada, seus pensamentos despertos a impediam de relaxar, até que o sol despontou no horizonte, trazendo-lhe algum alívio ao perceber que já estavam entrando na cidade. Agora, só queria um abraço da mãe, refletiu: que ela a compreendesse, que pudesse compartilhar toda essa confusão que a dominava e, sem questionar, lhe mostrasse um caminho, pois sabia que palavras têm poder. O ônibus estacionou na pequena rodoviária, e agora só precisaria caminhar por cerca de quinze minutos para chegar em casa.
Capítulo 3 (Querendo colo)
Depois que Anita desceu do ônibus na rodoviária, ainda teria que caminhar cerca de quarenta minutos até a casa de sua mãe. Poderia chamar um táxi, mas decidiu não fazer isso.
Queria caminhar um pouco para redescobrir, em sua memória, o caminho que fez parte de sua infância por tanto tempo. Enquanto andava pelas ruas, sentia no rosto a brisa serena da manhã. Um perfume chegava até ela, uma mistura de almíscar e mel, provavelmente vindo das flores espalhadas pelas árvores que se erguiam sobre a calçada, destacando suas flores brancas e amarelas, com inúmeras abelhas zumbindo ao redor.
Uma sensação de frescor a envolveu em boas lembranças do passado, quando, em companhia de sua mãe, colhia flores, sendo erguida pelos braços fortes daquela mulher que tanto a mimava, para depois oferecê-las com imensa ternura e carinho.
Algumas pessoas passavam apressadas por ela, talvez indo para o trabalho. Embora fosse uma sexta-feira de feriado, sabia que o comércio ficaria parcialmente fechado e agradeceu por isso. Ainda bem que trabalhava em uma empresa com horário flexível.
As ruas se desenhavam à sua frente como se soubesse exatamente o caminho que precisava seguir. Seus pés a conduziam sem muito esforço.
- Ainda bem que optei por ir a pé! - pensou. - É muito mais prazeroso curtir essa brisa da manhã.
Alguns minutos se passaram e a mochila já pesava em seus ombros, quando enfim avistou de longe o telhado de sua velha casa, por cima de um muro imponente e um portãozinho de madeira envelhecida.
Já haviam se passado muitos anos, e ela nem percebeu o quanto tinha envelhecido. Pensou: Parecia tudo tão novo, e agora vejo como o tempo deixou suas marcas. A velha figueira, plantada a alguns metros de sua casa, parecia tão cansada que lhe trouxe uma certa tristeza. Refletiu: - Como estará minha mãe?
Fazia tempo que não a visitava. Sempre que precisava, era sua mãe quem ia ao seu encontro. Ela preferia assim, evitando rever pessoas e lugares que tinha deixado para trás. "Vida nova, sonho novo!", justificava, temendo desistir do projeto de se capacitar. Perdida nesses pensamentos, mal notou que já estava tocando a campainha da casa, sentindo-se um pouco culpada por não ter avisado que viria. Certamente sua mãe ainda estaria dormindo.
Esperou alguns minutos até ouvir o ranger da porta da frente sendo aberta. Seu coração acelerou com a expectativa de abraçar sua querida mãe. Ao girar a chave na fechadura do portão, preparava-se para fazer uma brincadeira, mas viu que quem apareceu não era sua mãe, e sim um homem de meia-idade. Ficou boquiaberta, sem saber o que dizer, enquanto ele perguntou:
- Pois não! Em que posso ajudá-la?
Ela não sabia se ria ou chorava, mas teve tempo de pensar: Será que minha mãe mudou-se sem me avisar?
O homem à sua frente esperou pacientemente pela resposta.
- Eu procuro a dona da casa, Mariana Soares - disse ela, meio sem jeito.
- Ela está dormindo. Pode me adiantar o assunto, por favor? - falou em um tom muito sério.
- Eu sou a filha dela!
O homem ficou pálido de repente. Quase engasgando com as palavras, se desculpou:
- Nossa! Me perdoe, eu já a conhecia por foto, mas nem reparei nos detalhes. Você é Anita, certo?
- Sim, sou eu mesma! - resmungou.
- Vamos entrar, por favor! Deixe-me carregar sua mochila, parece pesada!
Anita tirou a mochila das costas, ficando apenas com uma frasqueira nas mãos, e entregou-a ao desconhecido antes de segui-lo. Ele abriu a porta da frente, pedindo que ela esperasse. "Lá se foi a surpresa!" - pensou. Ela havia imaginado a reação da mãe ao vê-la na porta, mas agora outra pessoa iria contar à mãe que ela estava ali.
"Quem era aquele homem?" - ficou se perguntando, até que viu a mãe descendo a escada. Com uma expressão um pouco apreensiva, a mãe chegou até o sofá, mas logo comentou com alegria na voz:
- Que surpresa, minha filha!
Ela a abraçou com carinho e completou:
- Não esperava você, por que não avisou? Teríamos ido buscá-la na rodoviária.
- Pois é! - respondeu Anita. - Não quis avisar para não dar esse trabalho. Cheguei bem cedo, peguei o ônibus da madrugada!
- E... Bom... Quem é aquele homem? Seu namorado? Sua mãe enrubesceu, seu semblante ficou sério de repente. Anita sentiu a tensão no ar e acabou se sentindo culpada. Por isso, dosou bem suas palavras: – Que é isso, não precisa ficar assim, dona Mariana. Eu não a culpo. Foi para que isso acontecesse que eu a deixei sozinha. Pensei que, talvez, um pouco de solidão a trouxesse de volta à vida e, assim, pudesse encontrar novamente a felicidade ao lado de alguém. O caminho estava livre, era natural que alguém a alcançasse. Quem é ele? – O nome dele é Roney. Ele ficou viúvo há dois anos e nos conhecemos há pouco menos de dois meses. – Hum! Que legal. – Você não se importa mesmo? – Não! – ela disse com um sorrisinho nos lábios. – Não mesmo! E dona Mariana a abraçou novamente, falando de saudade. – Eu também senti saudade, mamãe. E tenho tanto para lhe contar. Coisas que aprendi a não falar por telefone. Ouviram passos vindo de cima. Roney apareceu com uma certa timidez no olhar. Tinha um semblante sereno, e Anita pôde notar o quanto era um homem bonito. Aparentava ter uns cinquenta e poucos anos, olhos castanhos, alto, cabelos grisalhos bem penteados. Usando uma calça azul de moletom e uma camiseta cavada, parecia pronto para praticar algum esporte. Ao vê-lo alcançar o piso da sala, Mariana o chamou: – Venha cá, meu querido! Segurando a mão dele nas suas, pediu que sentasse. – Esta é Anita, como você já sabe. Ela não se importa que tenhamos um relacionamento. Não precisa ficar constrangido. – Verdade! – Anita falou. – Mesmo porque quem deveria estar constrangida sou eu, por não pensar que isso poderia acontecer. Eu deveria ter ligado! Mas agora é tarde – falou, estendendo a mão para ele. – Muito prazer!- O prazer é todo meu, e obrigado por não se importar em dividir sua mãe comigo! Eu a amo muito, e pode ter certeza de que quero um relacionamento sério. Anita deu uma risadinha por dentro e pensou consigo mesma: - Pois é! Até você, Brutus! E eu, sem saber o que é isso! - Vou sair para comprar pão, disse ele; - depois preparo o café, tudo bem? - Sim! – Mariana respondeu: - enquanto isso, conversamos um pouco. Quando ele saiu e bateu a porta, Mariana pegou na mão da filha e logo perguntou: - E aí, minha filha, como vai a sua vida no novo emprego? Anita fez uma carinha triste e, com a voz embargada, como quem estava prestes a chorar, respondeu: - Não muito bem! - Por quê? – sua mãe perguntou. - Não está dando certo? - O trabalho vai de vento em popa, só quem não está muito bem é o meu coração. Eu me envolvi emocionalmente com meu novo patrão, e isso está me deixando louca! - Como assim, se envolveu? - Estamos tendo um caso de amor! Mariana franziu a testa: - Nossa! Logo você, que dizia ser contra relacionamentos no trabalho! - Pois é! Aconteceu! Ele é muito charmoso! - O seu patrão? - Não! Quer dizer, ele também, mas estou falando do seu namorado! - Ah, minha querida, sabe lá Deus o que o destino nos reserva. Você sabe que eu não procurei nada disso, nem queria, mas aconteceu. E as duas começaram a rir sem parar. - Mas me conta sobre essa novidade, você está apaixonada? - Sim, muito! Mas ele não sabe! - Por que ele não sabe? - Eu não sou de me abrir, e faz tão pouco tempo que acho que seria leviandade da minha parte dizer que o amo.
Por isso, sofro! Ele também não diz que me ama, apenas que sente saudades.
- Onde ele está agora?
- Não sei ao certo. Pode estar na cidade dele ou em outro país!
Ele trabalha com exportação de grãos, tem uma empresa em Santos e viaja muito.
Não me liga, nem manda mensagens, aparece e desaparece sem deixar rastros.
- Então, precisa tomar cuidado, ele parece ser casado!
- Não, mãe, ele é divorciado. Só não gosta de relacionamentos por celular. Diz que um amor virtual é meio incerto, que faz parte de uma minoria que prefere o amor real ao invés de um platônico, cheio de promessas não cumpridas.
- Isso é bom - disse-lhe a mãe, tentando acalmá-la.
- Talvez! Mas fico apreensiva sem saber como agir. Tenho medo de que esteja mentindo, me usando, sei lá! Estou à mil!
- Ah, relaxa, minha filha. Tudo ao seu tempo!
- É, mamãe, falar é fácil!
A porta da frente se abriu, encerrando a conversa. Roney apareceu com alguns pacotes nas mãos, dizendo alegremente:
- Agora só falta o café!
Fez uma mesura, abaixando-se um pouco, e completou enquanto já se virava para a cozinha:
- Vou preparar e depois as chamo!
As duas continuaram a conversa, desta vez sobre assuntos mais leves: amigos, familiares, como a cidade havia mudado, enfim. Estavam à mesa, os três conversando alegremente, quando o celular de Anita tocou.
- Desculpem-me, mas preciso atender - disse, pegando o aparelho e levantando-se da mesa.
Caminhando para a sala, atendeu:
- Alô?
- Oi! Onde você se enfiou? Estou te procurando feito louco!
A voz de Daniel a deixou em polvorosa. Jamais acreditaria se não reconhecesse aquela voz. Por que ele estaria ligando? Aconteceu alguma coisa?
- Oi, Dani, aconteceu alguma coisa?
- Como assim, aconteceu alguma coisa? Onde você está?
- Estou na casa da minha mãe! - respondeu com raiva.
- E por que não me avisou ou deixou um recado? Assim, eu não perderia tanto tempo esperando. Faz horas! Ele estava alegre, admirando a paisagem sobre as calçadas. Era verão, e as flores exalavam um perfume inebriante e selvagem. Os jardins atrás das grades dos portões pareciam estar em festa, quase querendo transbordar para fora.
"Esta rua é muito simpática!" disse seu companheiro com uma voz suave, tirando-a de seu devaneio. "Verdade! É mesmo linda! Eu cresci aqui, e é como reviver o tempo de menina, correndo por essa alameda sem preocupações." Agora adulta, ela sentia a mesma sensação de não saber nada, de não ter aprendido nada, apenas de viver como todos, com a brisa da vida repousando sobre ela, sem ao menos saber sua cor.
"Interessante," ele repetiu. "A vida é como a brisa." Mas você ainda não entende o meu jeito de ser. Eu... Vamos nos sentar," ele sugeriu, cortando o assunto e apontando um banco na praça.
Em cidades pequenas, as praças são sempre bem iluminadas e movimentadas no final da tarde. Crianças corriam, gritando alegremente umas com as outras, enquanto seus pais conversavam sem perdê-las de vista. Anita preferiu sentar-se em um canto mais afastado daquela tumultuada onomatopeia. Instintivamente, dirigiu-se para o outro lado da praça, arrastando Daniel pela mão.
"Prefiro o silêncio para conversar, senão me perco e começo a ficar nervosa."
"Eu também gosto de conversar sem interrupções. E aí, o que manda, minha querida?" Ele a olhou com um ar descontraído, deixando-a à vontade. Ela quase esqueceu suas queixas, mas desta vez não podia deixar passar, nem se deixar levar por uma onda de carinho.
"É o seguinte," começou a explicar. "Quero uma posição sua! Já que você não gosta de fazer contato por celular ou redes sociais, preciso dizer que, desse jeito, é impossível manter um relacionamento à distância. Nunca sei onde você está ou a que horas posso te esperar!"
"Eu sei que parece difícil," ele respondeu, com tom suave e comedido. "Mas é como eu sou. Estou trabalhando..."
- Eu penso assim: uma vez decidido, se começarmos a abrir exceções, tudo acaba voltando como era antes. Um alcoólatra precisa tomar cuidado para não dar o primeiro gole. E eu fui um viciado em conexão virtual. Não tinha mais vida própria, tudo se resumia a um aparelho ligado na tomada: televisão, celular, videogame. Por muito tempo estive alienado a esse meio, sem coragem nem para trabalhar, até que me vi sem alternativa a não ser abolir, de forma gradativa, toda essa tecnologia desnecessária. Não que seja algo ruim, desde que não atrapalhe nossa vida.
Imagine-se fazendo amor pelo computador. Eu não consigo me imaginar fazendo isso. Seria insano brincar com o amor como se joga videogame. É tão maravilhoso sentir o toque, o perfume, a voz penetrando no ouvido, causando uma sensação real. Depois do amor, ficar aconchegado nos braços do outro, dormir abraçados, como se perpetuasse o prazer.
Ela o olhava com atenção, pensando que ele tinha suas razões. Ela só queria atenção em todos os momentos, a qualquer hora. Não entendia daquela forma. Dizia para si mesma: "Ninguém entende!"
- Eu compreendo, ela falou, mas não entendo. Quando a gente ama, ama do mesmo jeito. Quer ouvir a voz, sente saudades, quer participar da vida do outro.
- Sim, eu sei. Só que, às vezes, podemos estar juntos até mais do que quando estamos lado a lado! Eu trago você tão nítida em minhas lembranças que, sempre que não estou ligado a nada externo, consigo te sentir em mim com muita intensidade. Tenho que resolver tantos problemas ligados ao trabalho, que preciso guardá-la em um cantinho especial para não te perder quando estou longe de tudo.
Eu vivo o momento, não gosto de misturar estações, senão tudo fica confuso!
Ela coçou a cabeça, suspirou fundo e acabou falando sem querer: - Isso é o que você pensa. Não sou obrigada a sentir o mesmo, e você me condena a seguir seus passos, mesmo sabendo que meus pés são bem menores que os seus...
Capítulo 4 (Incompatibilidade de Gênio)
Daniel pensava em encerrar a conversa sobre sua perspectiva de vida. Queria mudar de assunto, queria tocá-la, abraçá-la, sentir seus lábios. Mas a conversa havia tomado outro rumo, e não adiantava insistir.
- Eu já andei oscilando entre um passo e outro, meio... - pigarreou, limpou a garganta e continuou: - Meio cambaleando diante de tantas vontades que não eram minhas. Sempre me instruíram a deixar minhas vontades de lado e aceitar a vida como ela foi imposta. Quer dizer: a favor do certo amor. Porém, eu prefiro o amor certo.
E o amor que pode dar certo é o genuíno, aquele que se constrói dia após dia, sem a necessidade de regras definidas ou intermináveis cobranças, e sem a obrigação de estarmos sempre juntos ou em concordância com tudo.
Quando precisamos chegar a algum lugar, o que fazemos?
A gente caminha! Não ficamos pensando se realmente valerá a pena caminhar, nem paralisados pelo medo. A gente simplesmente caminha! Não é assim? Independente do tamanho dos pés?
Então, se eu digo que te quero bem, e você sabe que estou aqui por vontade própria, nem preciso falar de amor, fazer declarações, ou assinar meu nome em seu braço para que você se torne minha propriedade. Nós nos tornamos um só, não fisicamente, mas em sentimentos recíprocos, além do corpo.
Se o desejo de estarmos juntos for genuíno, seguiremos os mesmos caminhos. Caso contrário, de que serviriam as palavras? Eu poderia te ligar a cada cinco minutos, mas haverá momentos em que você precisará de sossego. Eu poderia ficar ao seu lado o dia inteiro, mas você sentiria falta de privacidade. Amor não é isso, Anita. Amor é a união do ir e vir, a fusão complementar de duas individualidades que permanecem únicas, mesmo ao se tornarem uma só.
Anita refletiu por alguns instantes, tentando absorver suas palavras. Ela concluiu que ele tinha razão, mas o pulsar de seu coração pedia mais do que simples palavras. Ela queria tudo: mimos, presença. Não apenas a presença, nem somente a ausência, mas a totalidade. Nada mais, nada menos que amor. E para ela, amor era estar em sintonia, dividindo a mesma casa, alimentando-se das mesmas coisas, dormindo na mesma cama.
— Pois é! — disse ela, com decisão. — Não te peço para ficar. Já sei o que quero e espero de alguém. E sei que não é isso. Vou aceitar uma proposta que recebi e vou para a África, tentar me encontrar. Por enquanto, ainda estou perdida!
Daniel a olhou com tristeza. Por um momento, acreditou estar no caminho certo para conquistá-la, mas percebeu que talvez estivesse enganado. Como todas as outras, ela parecia querer prendê-lo, e ele não podia permitir. Não queria repetir histórias, nem tinha mais tempo para erros.
— Você é quem sabe, querida! — disse, tirando a mão de cima da dela e levantando-se. — Quando se encontrar, por favor, me procure. Quem sabe eu ainda esteja te esperando. E foi embora.
No hotel, pegou as malas sobre a cama, desceu à recepção, fechou a conta e, ao entrar no carro, voltou para casa.
Anita caminhava lentamente pelas alamedas, que agora nem pareciam tão bonitas. Uma dor no peito dificultava sua respiração. Chegou à casa de sua mãe, que já estava deitada. Preferiu não incomodá-la. Ligou para a rodoviária e marcou uma passagem para o dia seguinte bem cedo.
Dormiu mal naquela noite, quase não pregou os olhos, mas, em seu íntimo, sentia que havia tomado a decisão certa. Repetia para si mesma: "Não me dobrarei à vontade de ninguém. Vou dedicar minha vida a fazer o bem. Homem nenhum vai me fazer de boba ou me usar como tábua de apoio!"
Ainda com esses pensamentos, conseguiu descansar até as seis da manhã, quando se levantou, lavou-se e foi para a cozinha. Encontrou sua mãe preparando o café. Ao vê-la entrar, a mãe perguntou por que ela havia acordado tão cedo.
Meio atordoada pela noite mal dormida, Anita sentou-se e começou a relatar o ocorrido: "E foi assim... não quero mais falar sobre isso. Coloco uma pedra nessa história. Vou para a África no próximo mês. Eu estava relutando por causa do Daniel, mesmo querendo muito me aventurar. A senhora sabe que sou inconstante às vezes, mas, quando decido algo, ninguém me segura."
"Sim, minha filha," respondeu a mãe. "Espero que não se arrependa. Muitas vezes você fugiu de situações como esta e se dedicou a outras coisas, mas agora precisa amadurecer e buscar a felicidade."
"Eu vou ser feliz, mamãe. Palavra tem poder!" disse Anita, esboçando um sorriso leve, como se ela mesma não acreditasse muito no que dizia. Tomou o café, e a mãe a levou até a rodoviária. Quatro horas depois, Anita chegou em sua casa. Para sua surpresa, o carro de Daniel estava estacionado do lado de fora.
Ela começou a suar, como se tivesse caminhado quilômetros. O que ele estaria fazendo ali? Então lembrou que a casa era dele, nada de estranho estava acontecendo: a invasora era ela. Entrou no chalé, abriu as janelas para renovar o ar e começou a arrumar suas coisas.
Algumas horas depois, alguém bateu à porta.
Logo que o rapaz se despediu e saiu, Daniel entrou no aposento. Anita sentiu um frio na barriga pelo que estava por vir: precisava de uma conversa definitiva, agora em tom profissional. Seu peito doía ao perceber sua própria indecisão. O que ela realmente queria era se jogar em seus braços, confessar seu amor e dizer que sentiria sua falta. Mas, em vez disso, olhou em seus olhos com uma frieza que nem sabia possuir e murmurou, sem emoção:
- O que faz aqui?
Daniel respondeu sem hesitar:
- Quero saber o que faço daqui para frente, sobre o seu trabalho.
- Encontre outra pessoa para finalizar o que falta. Como percebeu, está quase pronto. Restam apenas alguns retoques que, com um pouco de boa vontade, você mesmo pode terminar.
- O que te deixou assim, tão dramática, a ponto de abandonar tudo para se aventurar num projeto que nem combina com você?
- Decepção, talvez! - ela disse com a voz embargada de raiva.
- O que eu fiz?
- Não seria melhor perguntar o que você não fez? Pense nisso!
- Não faço outra coisa desde nosso último encontro! Penso que você quer tudo imediato, sem avaliar as consequências. Eu sou mais pé no chão, pela história que vivi. Talvez você tenha razão. O tempo dirá!
- Sim, assim espero.
- Não precisa tirar suas coisas daqui! Pode ir sem preocupações e, se não der certo, pode voltar.
- Prefiro assim. Não quero vínculos com ninguém. Se não der certo, volto para casa. Se der, fico por lá!
Ela sentiu a tensão dominar a sala assim que entrou. Daniel ficou vermelho, como se cada palavra dela fosse um chicote em suas costas.
- Eu não queria que você fosse. Poderíamos conversar, encontrar uma solução. Não é assim que as pessoas normais fazem?
- Verdade! Eu admito! Mas preciso ir, mesmo que isso não faça sentido para você, eu sei o que preciso fazer!
- E eu? Não conto?
- Você não precisa de mim, vive bem sozinha. Não quer ouvir, só falar, aparece quando quer. Eu detesto isso!
Daniel segurou as lágrimas, respirou fundo e disse com voz calma:
- A palavra tem poder! - Piscou antes de completar. - Isso não é o fim!
Virou-se, tirou a mão do ombro dela e saiu. O vazio da sala ecoava os passos dele até o coração de Anita, que começou a chorar sem parar. Chorou até não aguentar mais, levantou-se, pegou a mala e também deixou o lugar.
O táxi a esperava no portão. Ao entrar, suspirou e murmurou sem querer:
- A palavra tem poder! Nunca mais volto aqui!
O carro partiu, deixando sonhos para trás. Outros sonhos a aguardavam, mas sonhar com Daniel, isso ela não queria mais.
Ficou na casa de amigos até o dia da viagem. Quando chegou o grande dia, uma saudade imensa já a incomodava. Ligou para a mãe, avisando da partida. A mãe tentou fazê-la mudar de ideia, dizendo que ainda dava tempo de voltar atrás, mas Anita não pretendia fazer isso.
Entrou no avião acompanhada de apenas dois conhecidos, enquanto o restante da tripulação era composto por rostos desconhecidos. Sentiu-se um pouco desconfortável, adentrando um território desconhecido. Estava prestes a enfrentar privações de todos os tipos e pensou: "Só assim estarei certa do que quero e poderei ser o que nunca fui!" Estava pronta para trabalhar em Luanda. Seguia com dois rapazes que já tinham experiência em trabalhos voluntários por lá, embora não tivesse certeza se estava realmente preparada, apesar dos amigos próximos acreditarem que sim.
Após horas de voo, chegaram finalmente a Maputo. Era uma oportunidade única para conhecer praias incríveis, como as da Ilha de Inhaca, e ver os animais da Reserva Especial de Maputo, também conhecida como a reserva de elefantes. Anita ficou encantada com tudo o que viu. Passaram a noite na casa de conhecidos portugueses, que os receberam com grande hospitalidade, antes de embarcarem no dia seguinte rumo a Luanda, em Angola.
Apesar da viagem exaustiva, Anita sentia-se no paraíso. Aquele lugar parecia preservado por Deus, repleto de mistérios, com uma cultura rica em ritos e cantorias, onde a alegria prevalecia mesmo nas áreas mais áridas. Eles ficariam no bairro de Sambizanga, na região metropolitana de Luanda. Um emaranhado de ruas de terra batida, sem água potável, onde lixo e pessoas disputavam espaço.
Logo ao chegarem à cidade, um homem chamado Zola aproximou-se deles. Com um sorriso caloroso, cumprimentou Isaías e Célio, e depois voltou-se para ela com um olhar sério, perguntando: "Quem é?"
"Esta é Anita, uma voluntária que se candidatou para a nossa causa", respondeu Isaías.
E Célio completou: - Veio para a missão porque precisa se encontrar!
- Se encontrar com quem? - Zola perguntou, exibindo uma fileira de dentes estragados em um sorriso quase zombeteiro.
Anita também sorriu e acrescentou: - Comigo mesma! Embora pareça que estou bem aqui, ao alcance de seus olhos, não sou o que você vê!
- Você é linda! Diferente das mulheres daqui. Vai ser difícil não notar!
Célio olhou para Anita com um sorriso zombeteiro no olhar, depois abriu um sorriso e disse: - Já conseguiu um admirador!
Anita também sorriu, embora com um toque de tristeza. Ela sabia que recomeçar não seria fácil sem a única pessoa que despertara nela uma emoção sem igual. Suspirou, e o nome amado veio à mente: - Daniel!
A grande descoberta
Os meninos a conduziram até uma casa simples, composta por dois quartos, uma pequena sala e uma cozinha. Ela foi apresentada ao quarto onde ficaria: quatro beliches e uma cômoda para guardar seus pertences. A cômoda tinha várias gavetas, e ela ficaria com uma, pois as outras já estavam ocupadas. O quarto, embora simples, estava bem arrumado.
Ela começou a desfazer as malas, organizando seus pertences nos lugares disponíveis. Contudo, ficou preocupada, pois o espaço era pequeno demais para comportar tudo. Decidiu deixar alguns itens dentro da mala. De volta à sala, encontrou vários membros da associação acomodados em um banco de madeira disposto em frente a outro. No centro, havia uma mesa com uma garrafa de água mineral e vários copos descartáveis.
Alguém pegou um copo, encheu-o com água e entregou a ela. Antes disso, fizeram um brinde, batendo os copos uns nos outros e dizendo com alegria: "À nossa missão!" Todos repetiram em coro: "À nossa missão!" Mas que missão seria essa? Ela se perguntava: "O que farei aqui? Nunca sequer saí do meu município e agora estou em outro país."
— E o que faremos? — perguntou, meio desconcertada.
— O mesmo de sempre! Amanhã, assim que amanhecer, seguimos para a sede — respondeu um dos rapazes.
Provavelmente encontraremos muitas crianças nos esperando, e muitos dos pais também estarão presentes. As outras meninas que você conhecerá em breve irão ajudá-la a entender o que fazer. A causa em que trabalhamos é voltada para o social, com diversos grupos distintos: alguns trabalham com artesanato, outros com a palavra de Deus, não em termos religiosos, mas como forma de aprendizado. Outros ainda ensinam comportamento, e assim por diante. Cada um compartilha aquilo que sabe.
Anita ficou apreensiva, pensando em como poderia contribuir, já que nunca havia ensinado nada a ninguém! Sentia-se perdida em si mesma, questionando como poderia levar uma mensagem positiva. Decidiu sair da sala enquanto seus novos amigos conversavam alegremente sobre o futuro. Despediu-se alegando cansaço, mas, na verdade, queria ficar sozinha para refletir sobre sua própria vida.
Lembrou-se de Daniel e do que ele havia dito sobre amor e companheirismo. Ficou desconcertada ao concluir que ele estava certo: se o amor fosse apenas pele e desejo pelo corpo, o que significaria amar na condição de apenas cuidar? O amor eros, como alguns chamam, seria uma parceria ou apenas o desejo de sentir emoções intensas? Por que nela, e em tantos outros, havia o desejo de controlar as emoções alheias, quando nem sabia controlar as suas próprias?
Havia mais perguntas do que respostas, mas ela sabia que precisava se resolver antes de chegar a qualquer conclusão. Era impossível encontrar respostas sem mergulhar fundo em tudo o que a entristecia e incomodava, coisas que, por um motivo ou outro, não eram culpa de ninguém. Talvez nem mesmo dela.
Nascemos livres, quase totalmente livres, não fosse a necessidade de cuidados essenciais. Com o passar dos anos, o ego flui como um ribeirão ligeiro, e assim nasce muito mais do que simples necessidade. Olhamos para o que o outro tem, e surge o desejo de competir, porque competimos em tudo, quase sem perceber. Tudo o que conseguimos adquirir consideramos "nosso" e não damos margem alguma para que tirem de nós. E quando, por força maior, algo se perde, o vazio é preenchido com dor.
Por isso, quero me enriquecer com sabedoria, para que amanhã eu colha amor em vez de dor. E então, adormeceu sem perceber, sonhando com Daniel, agora distante. Pela manhã, alguém a cutucou de leve, chamando-a com uma voz mansa, quase sussurrando: - Acorda, menina. Está na hora de tomar café, o dever nos chama! Ela abriu os olhos, depois fechou-os novamente, bocejou e se espreguiçou graciosamente, até perceber que não era sua mãe chamando-a.
Pulou da cama um tanto assustada: - Onde estou? - Na cama! respondeu uma voz com um tom de riso. Anita abriu os olhos e viu uma moça desconhecida sentada à beira de sua cama. - Quem é você? - Meu nome é Katia, sua colega de quarto. Seja bem-vinda! disse a moça com simpatia. - E você, quem é?
Anita notou que a moça era pequena, parecia quase uma menina, tinha olhos amendoados, cabelos castanhos, lisos e compridos, adornados por uma franja que a fazia parecer ainda mais jovem. Ela sorriu agradecida e respondeu sinceramente: - Bom dia pra você também, muito prazer. Estendeu a mão. A moça deixou a mão de Anita no ar, e ela ficou constrangida por um momento, mas logo se viu envolvida em um abraço.
- Amigas! - disse a menina, sussurrando ao pé do ouvido. - Amigas! soltou do abraço e sorriu. Ambas foram para a cozinha, encontrando-se com uma rapaziada barulhenta e alegre. Após tomarem café, seguiram para a sede. Katia foi mostrando o caminho e pediu que Anita fixasse os detalhes para facilitar o retorno.
As ruelas pareciam todas iguais, exceto por pequenos detalhes. As crianças pulavam de um lado a outro, atrás de uma bola quase vazia, envoltas por uma nuvem de poeira. A terra estava seca e as ruas, poeirentas, numa cidade que parecia necessitar de tudo.
Naquele momento, embora tudo fosse novidade para os outros, envolvidos por uma aura de boa vontade entre tantos estrangeiros reunidos ali, Anita sentiu-se pequena demais. E pensar que sofria por problemas que nem existiam. Refletiu: "E se tudo se resumisse a sofrimento sentimental?"
Se ela havia pensado em se encontrar, tinha certeza de que aquele seria o lugar ideal. Longe de casa, longe de tudo, numa cidade de lata, onde riqueza e pobreza se misturavam de forma sutil, como dois mundos unidos e separados ao mesmo tempo.
Depois de enfrentar a poeira, chegaram finalmente a um barracão, humilde como o coração de uma mãe. Algumas crianças ocupavam cadeiras de plástico coloridas, com expressões que mesclavam curiosidade e timidez. Anita sentiu por elas algo tão forte quanto o que nutria por Daniel. Uma imensa ternura brotou em seu coração, e ela teve vontade de pegar algumas no colo.
Por longas horas, eles palestraram sobre diversos assuntos. Na hora do almoço, compartilharam uma refeição simples, preparada ali mesmo. Entre cantos, sorrisos, danças e brincadeiras, o dia chegou ao fim.
Voltaram para casa com uma sensação boa, como se o cansaço tivesse ficado para trás. Anita percebeu que o sofrimento também era uma forma de existir. Para alguns significava perdas, para outros, viver.
Havia alegria onde havia poucos recursos. Afinal, o mesmo tempo que passa aqui também passa ali. Onde o amor impera, não há falta.
Mais uma vez, Daniel voltou à sua mente, como o raiar de um novo dia, ensolarado e tranquilo. Ela ouviu sua voz ecoando: "Do que sentimos tanta falta?" E respondeu no silêncio do seu coração: "Eu sinto falta de você."
Espero de coração que esteja bem! Te amo!
Uma semana havia se passado sem notícias de seu amor. Ela já começava a se adaptar ao novo estilo de vida: trabalhando sem remuneração, comendo o que havia na mesa, enfrentando os desafios com determinação e fé. Tinha aprendido muito desde sua chegada e agora estava pronta para explorar, afinal, não viera para a África apenas para trabalhar.
Zola seria seu guia e Katia, sua companhia. Arrumaram as malas e partiram rumo a Botswana, um dos lugares que Anita sempre quis conhecer. Foram de avião, uma forma mais prática e rápida, e depois seguiriam de carro até Kasane, uma cidade turística.
— Kasane é uma cidade pequena com bons hotéis, um dos acessos ao Parque Chobe. Lá tudo é muito selvagem e você vai se encantar com a incrível estrutura para turistas — Zola falava animado. — Conheço tudo por lá. Vou te apresentar aos meus amigos mais próximos.
Anita ouvia atentamente enquanto admirava, lá do alto, uma paisagem deslumbrante que parecia uma miragem. Nunca imaginara que seria tão divertido. No horizonte, tudo parecia tão próximo. De cima, era possível ver manadas de búfalos pastando e girafas alcançando as folhas de acácia. Tudo tão bonito e surreal para quem sempre viveu na cidade.
Zola adorava compartilhar seu conhecimento sobre a região, sentindo-se o melhor guia do mundo, conhecedor de todas as espécies de animais. "Vou levá-la para um passeio de barco, onde os elefantes nadam," dizia ele, "o pôr do sol é espetacular." Ele explicou que não ficariam em hospedagens do parque, mas sim na casa de um amigo estrangeiro, mais distante. Anita sabia que essa aventura seria única e já imaginava passar um tempo ali, antes mesmo de chegar.
Após algumas horas de voo, aterrissaram em uma pequena pista, descarregaram as malas e se despediram do piloto. Um veículo os aguardava, conduzido por um motorista de aparência cansada, pele queimada e um sorriso caloroso. "Prontos para seguir?" perguntou ele. "Sim!" respondeu Zola, fazendo as apresentações. Zola e Katia sentaram-se na parte de trás do jipe, enquanto Anita ficou na frente, ao lado do motorista, chamado Adebumi, cujo nome e postura lembravam um rei africano, com uma elegância que destoava de sua função.
Seguiram até Kasane, onde Anita se surpreendeu com a quantidade de hotéis e pousadas, imaginando algo mais simples. Após uma volta pela cidade, tomaram uma estrada de terra que levava a uma área mais selvagem. Depois de cerca de quinze minutos, avistaram uma pequena cabana à distância. Adebumi apontou: "É lá que vocês ficarão! O dono está viajando, mas deixou tudo preparado para que fiquem confortáveis por uma semana. Depois ele volta com mais mantimentos."
Anita ficou impressionada com tamanha generosidade. "Quem é ele?" perguntou. "Um amigo," respondeu Zola, sem dar mais detalhes. Ao estacionarem em frente à cabana...uma mulher.
Zola a observava com admiração, acreditando que Anita logo descobriria que não estava ali por acaso. A mulher as conduziu ao quarto que iriam compartilhar, cuja mobília era tão simples quanto a da sala de estar. Havia apenas duas camas bem arrumadas com colchas feitas à mão, coloridas e acolchoadas. Algumas almofadas estavam espalhadas no chão de cimento queimado, tão brilhante e limpo quanto qualquer outro cômodo da casa.
Às dez horas da noite, após um breve descanso, Maqueda, a anfitriã e cozinheira, entrou no quarto para chamá-las para o jantar. Elas se prepararam e foram para a sala, onde a mesa estava posta com pratos, talheres e guardanapos, como em um restaurante sofisticado. No centro da mesa, destacavam-se iguarias: muitos vegetais e grãos misturados, pouca carne e uma taça de vinho do Porto.
Anita ficou surpresa e perguntou: – Como alguém nesta região pode ter tanto, se a maioria ocidental imagina uma África pobre e desprovida? Zola respondeu: – Como em qualquer lugar do mundo, aqui também há desigualdade social. Muitas pessoas com posses vieram para esta região investir em turismo. O que você vê aqui não é da população local; a maioria dos nativos trabalha, mas não possui nenhuma propriedade.
Katia entrou na conversa: "Vem muita gente de fora para essa região, principalmente por causa dos lagos de hipopótamos e elefantes. Também há muitos homens nativos que conhecem bem a área e os animais, tornando o progresso da região possível e diminuindo um pouco a pobreza, graças às oportunidades de trabalho." A conversa seguiu durante o jantar.
Depois de comerem, todos foram para a varanda, de onde podiam observar o parque ao longe. O céu exibia um avermelhado intenso, como se tivesse sido esculpido com cinzel. O som dos animais chegava até eles como gemidos inexpressivos, pois o ar estava seco e pesado, sem nenhum sinal de vento. As monções já anunciavam sua chegada.
Após degustarem um bom vinho, todos se recolheram para descansar da viagem. Zola prometeu levá-los para um passeio de barco logo pela manhã. Anita fechou os olhos e a figura de Daniel veio à sua mente. Sentiu uma imensa saudade de seus olhos verdes, de sua voz suave. Quase podia sentir seu hálito quente, pronto para beijá-la. Suspirou dolorosamente, acordando sua companheira de quarto, que imediatamente perguntou: "Você está bem?"
"Sim," respondeu Anita. "Só o coração que dói um pouco."
"Está apaixonada?"
"Eu acho que paixão soa tão pouco diante do que sinto," expressou com tristeza na voz.
"E por que está aqui?"
"Para me encontrar, eu achava! Eu digo 'achava' porque não sei mais. Sinto agora que me perco num abismo de emoções desencontradas. É aterrorizante pensar que talvez o que fiz não tenha volta."
"Como assim? O que você fez?" A pergunta de Katia veio carregada de surpresa.
- Ele me amava, disso tenho certeza agora. Mas, no momento, tive minhas dúvidas. Sempre quis formar uma família. Ter um filho sempre foi um sonho, e isso me deixou incrédula em relação a um companheiro. Eu esperava que o homem que me escolhesse fosse, de imediato, me carregar nos braços, me levar com ele para onde fosse, como nos contos de fadas. Mas Daniel estava longe disso. Muito pelo contrário! Quando presente, estava de corpo e alma, mas, quando ausente, parecia se esquecer de mim. Nenhum telefonema, exceto quando tinha algo urgente para falar!
Quando pedi explicações, ele simplesmente tentou me convencer de que a vida é assim. Não devemos esperar muito um do outro, apenas viver os bons momentos com intensidade. Cada hora com sua tarefa: hora de amar, hora de amar; hora de trabalhar, hora de trabalhar!
Katia deu uma boa gargalhada antes de perguntar com delicadeza: - E ele está errado, amiga? Antes mesmo que eu respondesse, Katia concluiu: - As estações do amor também precisam de estabilidade. Não podem ser corroboradas por incertezas. A vida não é uma confusão que se mistura como um bom virado. A idade nos faz compreender melhor todas as coisas. Quanto mais vivemos, mais chegamos à conclusão de que o amor verdadeiro não precisa de cobranças, só de amor. E o resultado nunca saberemos. Só vivendo!
A grande surpresa
Anita acordou cedo e, como recomendado, vestiu uma bermuda sóbria, cor de caramelo, e uma blusinha com decote em V, toda estampada com cores verde, preto e palha. Nos pés, uma bota de salto baixo e cano curto. Sua colega de quarto fez o mesmo, e pareciam gêmeas.
— Estou bonita? — perguntou a amiga, com uma risadinha irônica.
Prontamente, Anita respondeu, com o mesmo tom irônico:
— Até que ficou legal!
— E eu?
— Também combinou com você! — Ambas caíram na gargalhada.
Depois de prontas, desceram até a cozinha para o desjejum, onde Maqueda havia preparado um pequeno banquete com frutas, pães artesanais e um delicioso café. Antes mesmo de terminarem, Zola apareceu na porta com um ar preocupado e, com pressa e sotaque carregado, disse:
— Andem logo, não temos todo o tempo do mundo. O barco não espera. Temos que partir!
As duas moças empurraram as cadeiras ao mesmo tempo, despediram-se de Maqueda, agradecendo pela hospitalidade, e saíram pela porta em direção ao jipe estacionado em frente, onde o imponente Adebume já as aguardava. Ele estava sentado, com as mãos firmes no volante, como se o veículo pudesse escapar de seu controle.
Após cumprimentarem o rapaz, as duas se acomodaram no banco traseiro, enquanto Zola sentava ao lado de Adebume, conversando em um idioma nativo. Algumas palavras já eram familiares, como:
— Acelere! Estamos atrasados!
Depois de algum tempo, em meio a muita poeira, o azulado do rio Chobe começou a surgir à distância, entre uma vegetação seca e desprovida de verde.
Um calor insuportável e úmido, beirando os quarenta graus, quase as deixava em pânico. Ainda bem que Maqueda havia preparado uma mala térmica com água potável misturada com bastante gelo. Só assim Anita e Kátia conseguiam respirar um pouco mais aliviadas.
O jipe cortava as campinas com um balanço suave, passando por trechos planos e outros mais acidentados, o que as deixava um pouco enjoadas. Apenas a magnífica paisagem fazia com que suportassem a viagem e o calor intenso.
Duas horas depois, já era possível avistar os animais ao longe. Hipopótamos se deliciavam com o capim à beira do lago. Ainda estava escuro, e eles comiam enquanto se dirigiam para a água, antes que o sol surgisse no horizonte.
Foi então que Anita testemunhou o que chamou de espetáculo pleno. As cores no céu se transformavam, indo de um cinza escuro a tons avermelhados, mesclados de laranja e amarelo. Uma infinidade de animais e aves elevava-se e pousava, exibindo toda a exuberância da vida.
Zola falava sem parar, mas Anita não prestava atenção em nenhuma palavra. Parecia que seus olhos tomavam conta de todo o seu ser, tirando dela a capacidade de ouvir, enquanto se concentrava na esplendorosa beleza ao redor.
Ao descerem do jipe, caminharam a passos largos até o barco atracado à beira do lago, pronto para zarpar. Os turistas estavam muito animados, exibindo suas câmeras nas mãos, preparados para registrar qualquer movimento na margem ou ao lado do barco. No entanto, a maior maravilha veio logo depois, quando chegaram ao local chamado "banheira de elefantes". Por sorte, havia ali uma família inteira, aproveitando o banho matinal.
Depois de tirarem inúmeras fotos, era hora de retornar, antes que o sol ficasse ainda mais forte. Anita estava um tanto apreensiva. Sempre considerara a possibilidade de permanecer na África, mas temia o calor extremo. No dia seguinte, participaria de uma palestra sobre negócios imobiliários, que, surpreendentemente, vinham crescendo naquela região.
Conversaram pouco durante a viagem de volta, ansiosos por um banho frio para tirar a poeira e o cheiro de suor. Ao chegarem na aldeia, antes de seguirem para a cabana, sentiram o cheiro de terra molhada ao longe. Um temporal se aproximava, e já era possível ver uma massa cinzenta cobrindo parte da terra, enquanto alguns pingos atingiam o para-brisa do carro, misturando-se à poeira e formando um fundo marrom escorrido no vidro. Anita sentiu um alívio, pois a chuva trazia uma brisa fresca, amenizando o calor insuportável. Continuaram adiante, celebrando a mudança de clima com palmas no aço e cantando uma canção tribal cuja letra Anita não conhecia, mas cuja alegria era contagiante. Assim que avistaram o pátio da casa, Anita notou um jipe estacionado e comentou com Katia: - Temos visita, quem será? Katia deu um sorrisinho, como se soubesse algo que não podia contar, e respondeu cautelosamente: - Não sei, pode ser qualquer um, talvez um turista! Todos desceram do carro e entraram na casa, exceto o motorista, que deu ré e saiu rapidamente, levantando poeira. Na cozinha, Maqueda preparava um ensopado e pouco falou quando elas entraram para beber água. - Que cheiro delicioso! - comentou Anita, recebendo apenas um aceno de cabeça como resposta. Com um misto de tristeza pela falta de interação, ela seguiu para o quarto, enquanto Katia foi para outro lado.
Entrou no banheiro, fechou a porta e tirou a roupa lentamente. Uma onda de nostalgia tomou conta dela, trazendo uma saudade intensa de casa. Abriu o chuveiro, e a água quente escorrendo pelo corpo trouxe um certo alívio; gemendo de satisfação, ficou ali, parada por um tempo, como se quisesse escapar dos próprios pensamentos.
Sem perceber quanto tempo passou no banho, ao sair, notou algo estranho. Tudo estava incrivelmente quieto, como se apenas ela estivesse na casa. Vestiu-se automaticamente com um vestidinho amarrotado sobre o corpo nu e desceu as escadas devagar. Sentia medo, sempre soubera que possuía uma espécie de sensibilidade para perceber as coisas, mas agora isso parecia mais intenso.
Queria ter asas, poder voar para casa como num passe de mágica, mas sabia que era um sonho impossível. Ao chegar na sala, percebeu que estava completamente vazia; não havia sinal de Zola, Kátia ou Maqueda. Foi até a cozinha, mas também não encontrou ninguém. Puxou um banquinho até a mesa, sentou-se diante de uma garrafa de café, encheu a xícara e tomou alguns goles da bebida quente. Lá fora, a chuva caía torrencialmente, acompanhada de raios e trovões. Anita se perguntava: "Onde foram todos?"
De repente, ouviu passos vindos do corredor. Sorriu aliviada, pensando: "Será Maqueda?" Ficou completamente imóvel quando um rosto familiar surgiu na porta, saudando-a com alegria: "Olá! Até que enfim te reencontrei!" Anita quase caiu da cadeira. De todas as pessoas que poderia encontrar naquele lugar remoto, Daniel era a última que esperava ver.
Com tom de surpresa na voz, perguntou: - O que você está fazendo aqui? Onde estão todos?
- Todos quem? Eu vim para te ver, e é só nisso que tenho pensado o tempo todo!
- Como assim? Pensei que você tinha seguido sua vida, achei mesmo que já tivesse me esquecido!
- Nunca vou te esquecer. Você é o amor da minha vida!
- Como soube que eu estaria aqui?
- Planejei tudo isso!
- Planejou? Como assim?
- Fiz tudo com a ajuda dos seus amigos, que também se tornaram meus. Combinei com eles. Contratei-os para se aliarem a mim.
- Aliar-se? Katia também?
- Principalmente ela! - falou agora com um tom de pena na voz.
- E onde ela está agora?
- Foi embora, junto com Zola!
- E Maqueda, também se foi?
- Maqueda foi à vila. Pedi para sair daqui por algumas horas, mas logo estará de volta!
Anita apoiou-se sobre a mesa, cobrindo o rosto com as mãos, desnorteada com tudo o que estava acontecendo. Tinha tantas perguntas a fazer, mas naquele momento, a única saída era chorar para aliviar um pouco da tensão que a dominava. Sentiu a mão de Daniel deslizar sobre as suas, frias. Sentindo-se ainda mais vulnerável, começou a soluçar. Daniel ficou sem reação. Já não tinha certeza se havia feito a coisa certa.
Acariciando as mãos dela, ele começou a balbuciar: - Desculpe! Achei que você ficaria feliz, mas vejo que não!
Anita levantou a cabeça, afastando as mãos de Daniel com certa violência, e falou com a voz embargada pelas lágrimas: - Feliz? Como ousa dizer isso! Só vejo traição nesse ato.
Não seria mais fácil simplesmente me procurar, me ligar, quem sabe? Ah, mas o rei não faz isso. O rei acha que todos devem se ajoelhar diante de seus desejos.
- Não é isso, querida!
- Não me chame de querida. Eu não sou sua, nunca fui e nunca serei! Ainda mais agora, sabendo do que você é capaz!
- Eu te amo - disse Daniel em um tom baixo. - Esse é o meu pecado!
- Se você realmente me amasse, jamais teria me deixado ir embora!
- Eu não deixei! Foi você que partiu porque quis! Aliás, refrescando a sua memória, eu ofereci o meu amor, a minha cumplicidade, mas você preferiu ignorar. Não tem ideia do quanto sofri ao vê-la partir!
- E sobre o proprietário deste lugar?
- O proprietário sou eu. Faz tempo que comprei este lugar, ainda quando era casado. Sempre foi o meu refúgio.
- Então, Zola e Katia sabiam de tudo, foram cúmplices desde quando?
- Desde que você veio para cá!
Eu sempre soube que algo estava estranho, sempre acreditei no poder das palavras. Agora percebo que não apenas as palavras têm poder, mas também as atitudes! Desde o começo, estava desconfiada, mas achei que era apenas invenção da minha cabeça!
- Não! Não era invenção da sua cabeça. Eu estava por trás de tudo desde o início: sua vinda, a passagem, a estadia, a viagem para cá, o tour.
- E você nem pensou em mim?
- Fiz tudo isso pensando em você! Você disse que precisava de um tempo, longe de tudo, então fiz com que isso acontecesse. É assim que você me agradece?
Ah! Devo te agradecer, então? Muito obrigada por ter me enganado!
- Digamos que não foi exatamente um engano, tanto que estou aqui revelando, tim-tim por tim-tim, toda a verdade dos fatos!
Anita, desesperada, correu para o quarto e se trancou, deixando a dor fluir. Como pôde ser tão ingênua? Chorou até não aguentar mais e, exausta física e emocionalmente, acabou adormecendo profundamente.
Enquanto isso, Daniel também se inquietava. Ele tinha feito tudo errado e já não sabia se tinha tomado a melhor decisão. A chuva lá fora só aumentava, o caos se instalava. Daniel tinha certeza de que Maqueda não voltaria naquele dia. Agora, ele estava com a batata quente nas mãos e não fazia ideia de como resolver aquilo!
Andava de um lado para o outro enquanto a chuva caía sem trégua. Queria sair para aliviar a tensão, mas sabia que naquela região, em tempos de monções, a chuva poderia durar dias, inviabilizando qualquer deslocamento. Ainda mais agora, sem os dois veículos que havia permitido levarem. Decidiu descansar um pouco, mas antes passou no quarto de Anita para conferir se estava bem. Viu que ela dormia profundamente, então cobriu-a com um agasalho de forma delicada para não despertá-la. Em seguida, foi para o quarto ao lado, onde se jogou na cama e se cobriu. Apesar da mente inquieta, o cansaço da viagem o venceu, e ele também adormeceu.
No meio da madrugada, Anita acordou. Ainda sonolenta, lembrou-se dos acontecimentos. Desceu as escadas em busca de um copo d'água. Faminta, precisava comer algo. Ao abrir a geladeira, encontrou diversos potinhos com guloseimas e optou por algo salgado. Pegou um pouco de sopa, colocou em um recipiente e pôs no fogão para aquecer. Foi então que ouviu passos descendo a escada. Seu coração quase parou. Arrependida de ter descido, pensou em correr para a porta dos fundos, mas antes de se mover, Daniel apareceu na porta. Ela congelou, enquanto uma voz interior lhe dizia: "Pare de fugir!"
Daniel permaneceu em silêncio, apenas parado na porta, olhando-a como se a visse pela primeira vez. Anita o observou, hesitante. Ele vestia um pijama surrado azul, a barba por fazer, com uma aparência tão vulnerável e perdida quanto a dela. Ela fechou o robe, sem nada por baixo além de uma pele arrepiada pelo frio que parecia vir de lugar nenhum. Até sua alma estava gelada. Daniel percebeu sua excitação e disse: - Está com medo de mim? Não precisa! Já me arrependi o suficiente. Nem pense em sair lá fora!
- Não vou sair, respondeu Anita, um pouco desconcertada. Já não lhe parecia tão terrível tê-lo por perto. Com um gesto, convidou-o a sentar, puxando uma cadeira. Terminou de aquecer a sopa, serviu em dois pratos e empurrou um para Daniel, enquanto ficava com o outro.
- Come! - disse ela. - Você precisa se alimentar, está com uma cara de cansaço! Daniel a olhou com ternura, pegou o talher e começou a comer em silêncio. Ela fez o mesmo. Logo, ambos sentiram uma espécie de conforto interno, como se o alimento tivesse operado um milagre nas emoções. Trocaram olhares em silêncio, e quanto mais se olhavam, mais o desejo reprimido os envolvia.
De repente, estavam lado a lado, subindo as escadas. Sem uma única palavra, foram se despindo, e suas bocas se encontraram num beijo voraz que os envolveu numa onda de prazer. Permaneceram abraçados por um longo tempo, acariciados por um sentimento renovador. No auge do clímax, perderam-se em um mesmo mundo de emoções, até adormecerem nos braços um do outro, dissipando toda saudade e deixando-se anestesiar por aquele momento.
E a saga continua...
Pela manhã, Anita foi a primeira a acordar, enquanto Daniel ainda dormia com os braços ao redor dela. Com cuidado e delicadeza, ela se desvencilhou, levantando-se e vestindo-se devagar. Foi para a cozinha preparar o café.
A chuva seguia incessante. Pela janela, ela observava a enxurrada correndo pela estrada já alagada. Já havia ouvido falar desse fenômeno, mas não imaginava que seria tão intenso, com chuva forte e sem trégua.
Sem saber onde Maqueda guardava as coisas, precisou abrir quase todas as portas dos armários até encontrar o que precisava. Quando tudo estava pronto, colocou os itens numa bandeja, pronta para levar o café da manhã ao quarto. Mas antes que pudesse dar um passo, Daniel apareceu na cozinha com um semblante alegre e uma voz animada:
- Oi, amor, tudo bem?
- Sim! – respondeu Anita, um pouco decepcionada, pois queria fazer uma surpresa servindo-o no quarto. – E você, dormiu bem?
- Sim, muito bem, obrigado!
Ela colocou a bandeja sobre a mesa e puxou uma cadeira para ele:
- Sente-se!
- Não vai tomar café comigo? – perguntou ele em um tom quase carinhoso.
- Bom... – começou Anita. – Eu queria tomar café com você lá no quarto!
Daniel sorriu e, levantando-se, pegou a bandeja com uma mão e segurou a dela com a outra, dizendo:
- Então vamos!
Subiram as escadas quase correndo, ele na frente e ela logo atrás. Ao entrarem no quarto, ele colocou a bandeja no criado-mudo e a jogou na cama, puxando-a para si e beijando seus lábios com intensidade e rapidez, deixando-a sem fôlego. Ela gemeu de prazer, era exatamente o que desejava! Pensava: "Não poderia haver lua de mel sem sexo pela manhã."
Depois de se sentirem plenamente satisfeitos, acomodaram-se para saborear os pães amanteigados, acompanhados de geleia de morango e queijo fresco. "Até quando?", pensava ela. Sempre sonhara com um homem só para ela, sem ninguém entre eles, nem mesmo uma empregada. Queria preparar tudo com suas próprias mãos, unindo amor e cozinha em um só prazer: comer e amar.
Mas, após uma semana, já sentia o tédio se instalar, percebendo o quanto estava perdendo. Tudo se resumia a sexo e prazer. Sentia necessidade de mudança, mesmo que isso lhe custasse algumas lágrimas. A vida parecia sem sentido maior se as experiências não fossem equilibradas. Sentia falta do trabalho, das conversas com a mãe, dos amigos e da correria que fazia tudo ser mais gratificante. Afinal, os excessos apenas diminuem o sabor.
Começava a entender o que Daniel lhe dissera algum tempo atrás: às vezes, estamos tão obcecados por satisfações físicas, enquanto nossa alma clama por algo que o momento não pode oferecer. Ela tinha tudo: amor, comida, carinho e solidariedade. Mas o resumo era triste, um amor que cabia apenas a uma pessoa, sem espaço para expandir. Agora, sentia na pele a necessidade de algo mais.
- Por que está triste? Daniel perguntou.
- Não estou! - ela respondeu. - Só estou pensativa!
- Um dólar pelo conteúdo do que pensa! - disse ele em tom de brincadeira.
- Nada de especial! - ela respondeu. - Só lembrando do que me falou!
- E o que te falei que tira a alegria dos teus olhos?
- Que não ficamos pensando se valerá a pena caminhar, nem ficamos estáticos diante do caminho. Apenas usamos os pés e seguimos em frente.
Que, se a gente quer bem e tem essa consciência, faz por vontade própria, sem precisar reafirmar o tempo todo ou declarar, assinando o nome do amado no braço só para sentir que é dono um do outro.
Que poderíamos usar o telefone e ficar ligando de cinco em cinco minutos, achando que, com isso, conseguimos ter controle sobre a vida do outro, mas isso só nos faz sentir cada vez mais incompletos.
Eu sinto, agora, a necessidade de outros. O seu amor me sublinha - acentuando, marcando, mas só pode subsistir quando podemos somar com os outros.
- Está reclamando da solidão a dois?
- Reclamando? Não! É bom demais estar com você a sós. Estou pensando que a vida deve ser povoada com muitas réplicas. Não pode se resumir a um ato a dois!
E, por falar nisso, até quando ficaremos confinados nesse lugar? Eu não estou presa! Estou?
- Você quer dizer: sequestrada por mim?
- Sim! Estou?
- Não, não está!
- Então, por que não temos nenhum veículo?
- Só porque ainda chove muito. E Maqueda não pode sair de Kasane, senão já estaria aqui. Além disso, não temos sinal para nos comunicarmos. Está um caos. Nada nesta região funciona enquanto durar esta tormenta!
- Tem razão! - concordou:
Perdi a palestra da semana passada, me inscrevi e não compareci!
- Palestra? Sobre o quê? - Daniel perguntou.
- Sobre atuação imobiliária local!
- Ah! Que bom! Pensa em ficar por aqui?
- Talvez! E você, não?
- Eu! - Ele gaguejou um pouco: - Ainda não me decidi!
Embora estivesse louca para dar uma resposta, resolveu sorrir e dizer com toda a naturalidade do mundo: - Pois deveria! O mundo vive lá fora, há encantos a se descobrir, há ensejos e desejos de crescimento. Nada foge do tempo!
- Ah! Agora é você?
- Eu? O quê?
- Você que anseia por algo a mais!
- Sim! Valeu tanto essa nossa estadia aqui. Talvez, se eu não tivesse vivido essa reclusão de amor, ainda estaria pensando que amor é algo a se discutir, mas não é!
Daniel sorriu, tocando de leve as suas mãos.
O dia terminou e, como não havia muito o que fazer, foram cedo para a cama. Anita dormiu profundamente até amanhecer. Quando acordou, notou estar sozinha. Levantou-se rapidamente, sem saber por quê, algo lhe dizia que teria que enfrentar mais algumas pedras pelo caminho.
Entrou na cozinha e, como seu íntimo avisara, no lugar de Daniel encontrou a amável Maqueda, tirando um pão fresquinho do forno.
"Palavra tem poder!", ela pensou. Aquilo só poderia ser brincadeira.
Quando achava que tudo estava bem, lá vinha um balde de água fria.
Maqueda se limitou a saudá-la com um leve aceno de cabeça. Estava bem vestida, coberta por uma manta de crochê jogada sobre os ombros e um turbante colorido adornando a cabeça.
Anita sentiu-se incomodada, mas teve que perguntar:
– Seu patrão, onde está?
De antemão, já sabia a resposta, mas precisava de confirmação.
– Saiu logo cedo, pediu para não acordá-la.
– E disse quando volta?
– Não! – E a conversa parou por aí.
Anita tomou seu café e foi para o quarto. Precisava pensar. Desde que conhecera Daniel, sua história parecia um conto de briga entre gato e rato. Parecia não ter fim. Nada era previsível, nem mesmo a paz era constante.
"Mas eu sou boa aluna", pensava ela. "Aprendo rápido e não vai ser um gato que vai me colocar em xeque-mate. Um rato esperto aprende como se safar usando as armas do próprio inimigo."
Pensando nisso, tomou um banho, trocou de roupa, arrumou a mala e partiu, sem que Maqueda percebesse sua saída. Seguiu pela trilha lamacenta, ignorando a lama que grudava na sola das botas. Caminhava a passos largos, como se estivesse sonhando em vez de vivendo. Após uma hora de caminhada, chegou a uma bifurcação, um encontro de estradas turísticas, e teve a sorte de ouvir o som de um jipe se aproximando.
Era incomum encontrar uma mulher andando sozinha por aquelas bandas, mas ninguém deixaria alguém para trás, mesmo sendo uma desconhecida. Com isso em mente, não hesitou quando o motorista parou e abriu a porta, dizendo alegremente: - Let's go!
- Thank you!
Ela entrou no carro, e o motorista acelerou sem perguntar o destino, sabendo que a estrada os levaria direto para Kasane.
Ao chegar cidade, pediu ao motorista que a deixasse perto do aeroporto, onde esperava encontrar um voo para Luanda ou qualquer outro lugar distante dali. Parou diante de um hotel lotado de turistas que chegavam e partiam. Por sorte, logo encontrou um grupo esperando por um avião de frete, que fazia voos particulares de Kasane a Luanda, na cidade do Cabo. O preço era mais alto, mas, para quem estava fugindo, nada parecia tão caro. Duas horas depois, já estavam a caminho do pequeno aeroporto, onde um avião de pequeno porte aguardava.
Anita sentiu-se aliviada quando o avião decolou. Ao chegar na cidade de Cabo, em Luanda, reservou uma passagem para São Paulo, dali a dois dias. Ficaria hospedada em um hotel próximo ao aeroporto, evitando o risco de encontrar algum conhecido. Quando desembarcou no Brasil, sentindo o cheiro familiar de casa, respirou aliviada e foi direto para a casa da mãe. Passou dois dias sem mencionar nada sobre Daniel. Sua mãe, percebendo que algo estava errado, preferiu não perguntar e apenas acolheu-a com amor. Durante aquela semana, Anita decidiu não falar sobre a viagem ou os acontecimentos. Embora soubesse que nada fora insuportável, muito pelo contrário, a viagem fora maravilhosa e o tempo com Daniel um dos mais felizes, tinha medo de confessar à mãe o quanto fora indelicada ao fugir. Certamente, sua mãe não aprovaria tal atitude. Mas o que ela esperava? Talvez um conto de fadas, com o príncipe vindo atrás dela!
Epílogo
Anita se recolheu em seu quarto sem saber ao certo o que fazer. Sua mãe, sem querer mexer no vespeiro, deixou que ela descansasse de suas renúncias. No dia seguinte, parecia que a sangria estava estancada. Anita acordou, se vestiu e voltou para a cidade onde trabalhava. Passou na imobiliária, retirou seu nome da lista e deixou claro que estava se desligando da empresa. Apesar da tristeza na equipe, todos entenderam que ela realmente precisava de um tempo.
Depois de se despedir, Anita voltou para a casa da mãe. Durante a viagem, refletiu profundamente sobre tudo que viveu: seus momentos de incertezas, sua jornada dolorosa até ali – trinta e dois anos de aprendizado. Pensou: "E ainda não aprendi nada!" Ao chegar em casa, ainda apreensiva sobre o que fazer, encontrou sua mãe sentada na soleira da porta, olhando para a rua.
- O que faz aqui, mamãe?
- Penso na vida – respondeu, soltando uma gargalhada.
Anita também sorriu e disse:
- Engraçado, eu estava pensando o mesmo!
A mãe a encarou nos olhos e perguntou:
- O que se passou na África, querida? Você chegou calada, permaneceu calada, e eu não quis forçá-la a dizer nada. Mas confesso que estou curiosa.
Anita contou tudo o que aconteceu. Sua mãe balançou a cabeça em desaprovação e respondeu: - Ah, minha filha! Como pode não confiar em si mesma?
- Eu confio, mamãe, mais do que o necessário. Só não consigo confiar no amor.
- Como assim? Daniel dá vários sinais de que te quer!
- Ele me quer, mas não me ama o suficiente para oficializar o que sente. Parece que quer ser dono de mim!
Me senti tão vulnerável quando ele revelou que bancou a viagem e fez de tudo para que eu não soubesse, até o momento em que apareceu como alguém que controla tudo e todos.
Se eu não o amasse, teria fugido na primeira oportunidade. Mas não! Fui idiota! Entrei no jogo e joguei melhor que ele. Na primeira chance, quando ele menos esperava, virei as costas, assim como ele faz, sem dar a menor satisfação!
- E o que você ganhou com isso?
- Nada! Mas pelo menos agora ele deve saber como me sinto!
- E como você se sente?
- Uma tola!
- E agora, o que você pretende fazer, já que deixou o trabalho?
-Então, mãe! Tenho algumas economias e pretendo abrir meu próprio negócio. Gostaria de saber sua opinião e, se tiver interesse, podemos fazer isso juntas! Aqui na rua, no final, tem uma casa para alugar. Pensei em abrir uma loja de roupas ou uma perfumaria. O que acha?
– Acho ótimo, fica pertinho de casa! Prefiro que seja uma perfumaria, adoro esse tema!
– Será que seu marido não se oporia se formos sócias no negócio? Não quero causar nenhum desconforto entre vocês!
– De jeito nenhum, ele não é esse tipo de homem. Pelo contrário, sempre diz que eu deveria encontrar algo que me tire da rotina do lar. Acho até que ele teria prazer em nos ajudar!
– E o Daniel?
– O que tem ele?
– Se ele te procurar novamente, o que pretende fazer?
– Sei lá, dona Mariana! Sei lá! Um dia de cada vez, um propósito a cada manhã!
Depois de conversarem com Roney e acertarem os detalhes, arregaçaram as mangas. Limparam a casa, compraram as gôndolas apropriadas e obtiveram a licença de funcionamento. Começaram a pesquisar fornecedores. Após dois meses de intenso trabalho, tudo estava pronto para a inauguração. Distribuíram folhetos e estudaram as possibilidades de oferecer alguns produtos.
Anita estava ansiosa para abrir as portas de seu novo empreendimento. Tanto que nem se lembrava mais do antigo trabalho. Pela manhã, antes mesmo de tomar café, já estava no computador estudando a melhor forma de abordar sua clientela. Elas contrataram uma jovem estudante de dermatologia e usavam muitas revistas especializadas no tema.
A mãe de Anita, uma enfermeira aposentada, conhecia bem o ramo, o que facilitava muito para Anita, que era especialista em administrar e vender. Ao chegarem no estabelecimento, havia uma enorme fila de amigos e pessoas interessadas em conhecer a nova loja de cosméticos da região. Quando as portas se abriram, todos ficaram impressionados com a organização.
Os dias passavam sem que ela percebesse, tamanha era a quantidade de afazeres. Certo dia, ao abrir a loja, enquanto nenhum cliente entrava, abaixou-se atrás do balcão para organizar alguns produtos. Não ouviu o sensor da porta indicando que alguém havia entrado, tão concentrada estava no que fazia, até que, pelo visor do balcão, notou um par de pernas quase diante do seu nariz. Alguém havia se encostado no balcão, mas, se não levantasse, não saberia quem era. Quando se ergueu, quase morreu de emoção ao ver, debruçado sobre o balcão, ninguém menos que seu antigo amor.
Daniel estava bem vestido, como sempre, e parecia até mais jovial. Ela notou o novo corte de cabelo, a blusa de lã azul-turquesa jogada sobre o ombro, a camisa branca de mangas curtas. No entanto, seu olhar buscava decifrar o sentimento que aqueles olhos transmitiam. Antes que ela conseguisse dizer algo, ouviu aquela voz saudosa perguntar:
- Esqueceu-se de mim?
- Não! Não, balbuciou ela, quase num gemido fraco. Eu... – fez uma pausa – só não esperava vê-lo aqui, depois de tanto tempo.
- Pois é! Tenho tanto para te contar, disse ele, com a voz embargada pela emoção. Precisei de muita coragem para vir até aqui. Quero te fazer algumas perguntas e preciso que seja muito sincera comigo.
- O que fez você fugir daquele jeito? Justo naquele dia, quando eu preparava uma bela surpresa para você!
- Que tipo de surpresa? – ela perguntou. – Não entendo!
Quando ele estava prestes a responder, alguém entrou na loja.
Daniel nem percebeu, mas Anita ficou pálida ao ver Antônio se aproximando de onde eles conversavam. Quando chegou perto, Antônio encostou no balcão, ao lado de Daniel, que achava que ele era apenas um cliente, e cumprimentou-a: - Bom dia, minha querida! Daniel o examinou de cima a baixo, tentando entender a situação, antes de perguntar: - Quem é ele? - Um amigo, ela respondeu. - Antônio, este é Daniel! Os dois homens se olharam, apertaram as mãos e se cumprimentaram. Antônio, sentindo-se ameaçado, logo corrigiu: - Sou o namorado dela! - Seu namorado, Anita? Anita ficou completamente sem reação. Só depois que Daniel saiu da loja, ela conseguiu se recompor e, encarando Antônio com raiva, conseguiu falar: - O que faz aqui tão cedo? Antônio parecia alheio à situação e respondeu, sem emoção: - Apenas estava passando por aqui e resolvi entrar para ver se você precisava de algo. Qual é o problema? - Nenhum! - ela disse, tentando conter o nervosismo. - Só que não precisa passar aqui todos os dias. Não vê que estou trabalhando? - Nossa! Por que a raiva? - Não estou com raiva, mas você não trabalha mais? Parece que está sempre na cidade! - O que quer dizer? - Sei lá! Dá para conversarmos outra hora? Tem cliente chegando! - Te pego às oito. Podemos jantar juntos? - Hoje não! - ela respondeu enfática. - Por que não? - ele insistiu. - Preciso rever algumas coisas, refazer alguns planos! - Sobre a loja?
-A rodovia estava quase deserta, permitindo que dirigisse o mais rápido possível. Ao chegar no portão, encontrou-o fechado, mas já podia ver, ao longe, o carro de Daniel estacionado em frente à casa. Por sorte, o portão de pedestres estava apenas encostado, então decidiu entrar. Não havia ninguém por perto; o caseiro provavelmente estava trabalhando em outro lugar, longe da entrada.
Ao se aproximar da casa, com o coração disparado, viu uma pequena avezinha pulando em um galho de árvore. Parecia tão feliz que ela parou por um instante para observar. A avezinha pulava e cantava, como se fosse um concerto de amor, algo tão maravilhosamente belo que a deixou profundamente emocionada. Até que, em um doce momento, uma outra avezinha, que parecia ser a fêmea, veio ao encontro do dançarino. Ele a cortejou até que ela permitisse o acasalamento. Após o ato, os dois desapareceram entre as árvores.
Ela se lembrou de todos os momentos que passou com Daniel, em júbilo, de como se sentia bem ao lado dele. Nem sabia como pôde pensar o contrário. Aquele era o seu lugar; ele seria o seu parceiro, aquele com quem queria passar o resto da vida. “Não! Sobre a vida! A minha vida!” - enfatizou. - “Agora me dá licença. Amanhã nos falamos!” Fazendo um sinal positivo com o polegar, ele respondeu apressadamente: - “Ok!” E saiu da loja sem olhar para trás, pensando que aquela dispensa poderia significar mudança.
Anita trabalhou muito naquele dia, e parecia que a noite, em vez de se aproximar, se distanciava cada vez mais. Não teve muito tempo para refletir sobre o ocorrido ou organizar seus pensamentos e emoções. Mas, assim que o último cliente saiu e conseguiu fechar as portas da loja, ela se deixou cair em uma poltrona no escritório. Toda a emoção contida veio à tona. Começou a soluçar alto, quase em desespero. O amor que sentia por Daniel despertou de forma intensa, dolorosa, como se tivesse levado um tiro no coração. Entendeu, então, que estava fugindo do confronto.
Amanheceu, e mais um dia estava pronto para ser desvendado e conquistado. Anita acordou disposta como há muito tempo não acontecia. Já tinha tomado uma decisão: não podia esperar mais nem um segundo para colocar em prática o que havia resolvido na noite anterior. Ligou para Antônio e pediu que tomasse café com ela. Com grande tristeza por ele, pôs fim ao namoro.
Após contar sua decisão à mãe, pediu que cuidasse da loja e explicou todas as tarefas mais urgentes. Pegou o carro no estacionamento e seguiu para a casa de Daniel. Foram quase três horas de estrada, dirigindo a uma velocidade constante. Ao chegar, bateu à porta com insistência, enquanto a emoção transbordava. Escutou passos e soube que eram dele. Assim que a porta se abriu, ela pulou em seus braços. Ele a segurou firmemente, e ela sentiu os dois corações batendo em sintonia. Os lábios, ansiosos pelo reencontro, se buscaram e se entregaram a um beijo inesquecível.
Abraçados, seguiram até a antessala e se sentaram sem pressa. Daniel confessou baixinho: "Quanta saudade, meu amor! Preciso te dizer uma coisa antes de tudo: naquele dia em que te deixei em casa para ir a Kasane, na verdade, saí para comprar um presente. Quando voltei e não te encontrei, quase enlouqueci. Pensei que você não me amava, que tinha decidido ir embora sem se despedir por estar constrangida em me contar a verdade."Ela colocou a mão na boca de Daniel para fazê-lo parar de falar e, em seguida, aproximou os lábios dos dele novamente. Beijou-o com intensidade, quase perdendo o fôlego, como se fosse um pedido de desculpas. Depois, olhou profundamente em seus olhos e disse:
- Me desculpe. Achei que você tinha me deixado, como das outras vezes, sem aviso. Então decidi, por conta própria, acabar com o sofrimento de não saber até que ponto você queria estar comigo.
- Ah, minha pequena, talvez tenha faltado um pouco de verdade da minha parte. Eu deveria ter te contado que queria estar com você de todas as formas possíveis. Mas não podia dizer nada enquanto não resolvesse completamente a questão do divórcio.
Levou quase um ano para que isso acontecesse. Também precisei resolver muitas pendências na empresa. Não podia simplesmente largar tudo sem deixar alguém de confiança cuidando dos meus interesses.
- Bom, mas voltando ao assunto anterior...
- Espere um pouco - ele disse, levantando-se do sofá.
Foi até o quarto e voltou com uma caixinha na mão.
- Isto é para você. O presente que teve que esperar!
Ela abriu a caixinha e encontrou um anel de noivado. Surpresa, Anita ficou estática, e ele tomou uma de suas mãos, levou-a aos lábios, levantou-se e ajoelhou-se a seus pés. Com a voz embargada pela emoção, pediu-a em casamento.
Anita não respondeu imediatamente, pois uma lágrima teimosa escorreu de seus olhos.
- Eu digo mil vezes sim - respondeu ela.
Fim
Hertinha Fischer