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Som de tristeza

  Som de minha tristeza Ecoa por dentro palavras que nem consigo dizer Não há letras no lamento Se em lágrimas almejasse olhos tristes derra...

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Olhos de criança

Era meiga e pura até seus dezesseis anos,
quando, em seu caminho surgiu a aflição.
Tornar-se adulto não seria nada fácil.
Compreender os fatos: de que tudo é passageiro.
Olhar para seus pais sem aquele olhar de interrogação,
não se dar conta das falhas.
Estava no topo do mundo, como
qualquer animal em seu meio, não identificava
nada que não soasse perfeito!
Comia e bebia, e isto sim, era a sua
necessidade, na maioria das vezes, saciada.
Estava coberta de razões, e eram simples,
como dançar na chuva, depois de um temporal
deslumbrante, que não produzia medo,
só vontade de se molhar.
O lar lhe cobria de mimos, mesmo, quando as vezes,
seus pais lhe aplicavam lições corretivas, e com
um certo medo, recebia a palmatória dolorida.
Tudo lhe ia bem, nada era incerto, nem mesmo
quando teve que aprender a ler e escrever.
Por algumas horas ficava longe dos seus, mas sabia-se importante,
quando voltava para casa, e com alegria
contava-lhes o que aprendera.
Nos olhos familiares, podia ver orgulho e satisfação,
nada que lhe trouxesse aflições.
Mas, de repente, sentiu-se grande, como espiga de milho
crescida, e sem aviso, se viu tolhida de seu lugar.
O mundo que nunca conhecera estava a espreita como
cão bravo mostrando seus dentes afiados, pronto
para fazê-la em pedaços.
Não era bonito o que compreendera: os fatos, os homens,
sua família, a desordem de tudo, os desencaixes, a falta
de compreensão, o saber. Que espécie de sofrer.
Queria ainda estar com os olhos fechados para os defeitos:
seus e dos outros.
Mas, crescer era isso.
É se dar conta de tudo.
Seu mundo perfeito se dissolvia: e a trova, antes tão
melodiosa, no encaixe das rimas, onde ritmos, acordes
e letras, no encaixe perfeito, agora, se misturavam.
E a estrada, antes, memorizada, cada pé, cada curva,
cada passo encaixado em pegadas conhecidas, de repente,
eram outras.
Não havia mais vozes, conselhos santos, nem
o sabor do amor que conhecia.
Na boca um amargor sem igual, o ir sem saber para
onde. tudo incerto, tudo meio que encoberto, como
nuvens e neblinas ao amanhecer de inverno.
Seria mais sábio não se dar conta, nem ter
que crescer para ver o que viria.
Mas, como?
Tinha, que, em algum momento, sair do útero,
tinha, que, em algum momento, andar
com seus próprios pés.
Só não sabia que doeria tanto.
E doeu, e ainda dói, mas, nada
de constrói sem dor.
Após descidas e subidas,
construções mal feitas,
aceleração total, tombamentos,
realizações e soluções, o tempo
se encarregou de  fazê-la voltar ao mesmo lugar.
bem  no inicio, com toda bagagem, a oferecer
o que aprendeu: perfeição
só existe
 quando se aprende a olhar
com olhos de criança.
Hertinha Fischer









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