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Obscuro arrasto

 O já seco, leito do lago, ruínas nas bordas de barro Águas que esqueceram caminho Lírios que é só espinho. Nada, sonhei e os dias se passar...

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Memoriando

 Antes mesmo de saber ler e escrever, já olhava para os embaralhados ganchos e imaginava uma árvore.

Minha frágil imaginação dava saltos entre as letras, E olhava o mundo como se fossem livros a escrever.
Depois que aprendi a ordenhá-los com as mãos, espremendo-os como maminhas de vaca, foi que passei a compreendê-los, de fato.
Ainda faltava algo, porque dele não saia leite.
Tudo tão desmantelado : sem ordem e sem fundamento.
Eu queria algo como uma trança bem feita no rabo do cavalo ou ainda como a trança de cebola que minha irmã mais velha fazia.
Vivia com livros nas mãos, sonhando um dia ser como quem os escrevia.
Não tinha chance de estudar mais do que o necessário para sobreviver no mundo escrito.
Quando falava comigo mesma, as vezes entre lágrimas, eram elas que deixavam tudo florido em campo seco.
A imaginação não carece de letras. Não seria preciso escrever para bolar uma bela história.
E as histórias mais lindas foram escritas em céu aberto, cheia de estrelas, enquanto a porta ia se abrindo para o real.
A minha realidade não era aquelas coisas, mas, era a minha realidade: repleta de paixão e criatividade.
Havia a magia do fogo, a luz da lamparina, que as vezes dançava, no embalo dos ventos.
Havia também as vassouras, que eram cortadas dos galhos de uma árvore específica, juntadas e amarradas, que serviam para limpar a casa e o quintal. Parecia que tinham vida própria.
Havia o cavalo que o pasto regia, O capim que o nutria e a corda que o limitava.
Tudo era canção: O canto do galo de madrugada, a coruja na cunheira do paiol, o sabiá na laranjeira, o Urutau no banhado, a seriema no pasto.
É tão interessante a vida dos outros, que nem sequer damos uma pequena olhadinha na nossa.
Eu olho, sempre que posso, na janela aberta do passado, quase fechada pelo tempo. E vejo a estranha vila de pássaros e ventos, onde eu morava com minha desconhecida família. Sempre que nos olhávamos nos olhos, descobríamos algum segredo escondido em algum canto do olhar, mas, nunca podíamos sequer falar sobre o assunto, tanto era o silêncio que ali existia.
Para entendê-los ou decifrá-los, era preciso sair de mim e viajar na quietude, entrando no sótão de seus corações, onde guardavam seus mais delicados tesouros. Tudo sentiam, tudo faziam, mas, tudo era transmitido na mudez de seus atos.
Me tornei curiosa demais, a sondar o sossego com os cantos dos olhos, só para desmascarar o conhecimento que se escondia na calada de suas preocupações.
Suas ferramentas instruíam mais que suas palavras. E seus olhos nos educavam.
Exemplos rolavam por todo os descampados - seja por uma vala aberta, para escoamento de água, ou por uma grande plantação bem sucedida.
Bastava aprender a olhar.
E ainda olho bem de perto o que aprendi com o olhar.
Venho buscando nas entrelinhas do horizonte, aquele azulado ponto que me abastecia, já com menos expectativas. Ainda está lá como modelo, tão intenso quanto quando me revelou.
Mensagens que o tempo não apaga, são aquelas mensagens que foram escritas na alma - quando a alma ainda estava com apetite voraz para aprender.
Tinha nome: Cada pedaço de terra, cada pedregulho na estrada, cada dedão ferido, cada aceno de despedida, cada palavra apagada. Ah! o nome: Amor.
Hertinha Fischer




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