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Lá onde aconteceu

  Busquei em vão o que não achei, a maquina do tempo não funciona. Leva-me na alça de seu estalo Já foi, foi mesmo. Em que sala se entrega,...

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Luz azul

 Quando olhava o que ele fazia, ficava extasiada. Era capaz de fazer qualquer coisa andar, especialmente, quando manejava seu tempo.

Era meio parecido com a enxada que ele usava para carpir, ou as sementes que jogava nos canteiros, ou ainda a foice que lhe obedecia nos cortes precisos.
Não necessitava de relógio. O sol o conduzia a hora exata.
Sabia a hora certa de plantar ou colher, como se as sementes despertassem para ele, e a colheita se preparasse para seu querer.
Tinha mania por exatidão: Levantava sempre na mesma hora, até o bater de seu conga surrado, para limpá-lo, no batente da porta, todas as manhãs, se tornaram um rito.
Acho que, enquanto jovem, ele tenha aprendido a se educar por conta própria. Nada lhe era penoso.
Não bebia nada que continha álcool, mas, fumava, seu cigarrinho, enquanto experimentava descanso.
Tão sutil em certas circunstâncias, que, pensávamos que não tomasse banho nem usasse banheiro.
Aos domingos, depois do almoço, ia conversar com os amigos. O horário da saída e da volta sempre seria os mesmos. Precisos demais.
Tinha a tez carrancuda, sorria, as vezes, com o canto da boca, Não sei por que nunca gargalhava.
Gostava de escutar o canto das estrelas em noites enluaradas. Acho que sorria para Deus em seus silêncios.
Não falava de si, quase nunca, Também não reclamava de nada. Tudo parecia fatal demais para tentar consertar com melodramas.
Tinha esposa e filhos e era, extremamente, fiel aos bons princípios. Esperava isso de todos.
Pagava suas contas em dia, não ostentava em casa, nem em vestes. O necessário bastava, os excedentes, guardava, para que nunca faltasse o pão.
Guardava dentro de si, muitos desejos secretos, embora não demonstrasse sentimentos demais.
Alegria se via na roça, no maestro capinar, tristeza nunca.
Seu radinho a pilha lhe mostrava os arredores do mundo, sabia pouco de escrita, mas, o ouvido era alfabetizado, tinha doutorado de vida.
Seus braços eram fortes como rocha, nunca se cansava de quebrar pedras, literalmente.
Desbravava lugares inóspitos, como quem abre caminhos para a bonança, sabia onde havia terra boa e produtiva, as vezes, até achava água com uma varinha mágica. Nunca falhava em descobrir as nascentes.
Colocava sua prole em ação, assim que o dia clareava, para que aprendessem o oficio da sobrevivência.
Cultivava suas próprias sementes, no celeiro da inteligência.
Também plantava porcos nos chiqueiros, de cinco em cinco, iam nascendo e abastecendo os potes de barro com suas carnes deliciosas, preparadas para durar meses e até anos, sua própria gordura as conservavam.
Tinha o dom de ser criativo, já passara por quase tudo no aprendizado. Tudo começou numa terra de ninguém, quando foi carvoeiro com seus pais.
Saiu da mata, casou-se e formou família, contando somente com o suor do próprio rosto.
E agora, contava suas histórias feitas de fé e convicções. A honestidade seria sempre sua fiel escudeira.
As pessoas que amava iam sumindo no pó da estrada. E as sementes, despertavam, sempre que sua mão tocava.
A vida nunca será fácil ele dizia: Os dias contam suas proezas no cabo de uma enxada bem afiada. E a terra jorra sabedoria.
Certa tarde, quando o sol já ia acenando ao longe. Viera o fim de sua jornada. Foi então que fez sua última prece, antes de deixar aquele chão que tanto amava. Entregou-se a canseira dos anos, findando sua jornada. Se deu permissão de sair do corpo, para que a volta pra casa se tornasse mais leve.

Hertinha Fischer






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