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Lá onde aconteceu

  Busquei em vão o que não achei, a maquina do tempo não funciona. Leva-me na alça de seu estalo Já foi, foi mesmo. Em que sala se entrega,...

segunda-feira, 24 de julho de 2017

De volta ao passado

Gosto de falar sobre mim,
pois acredito que todos temos
algo em comum.
Nasci e cresci numa família entre
cinco irmãos, sendo quatro mais velhos.
Minha mãe era uma dona de casa exemplar,
como qualquer mulher daquela época,
sempre disposta em seus afazeres, e
com alegria cumpria seu ritual de todos
os dias.
Meu pai era um tanto sisudo, devido a forma
em que foi educado.
sem muito estudo, sabendo apenas rabiscar seu nome,
e lendo com uma certa dificuldade, mas, era íntegro,
como a maioria dos homens de seu tempo.
Sabia manejar com precisão as palavras, dono
de uma inteligência ímpar.
Sempre colaborativo em sua essência, apesar de
estar estacionado na velha forma de machismo e absolutismo
na qual aprendera tudo o que sabia.
Minha mãe, um tanto esquecida de sua pessoa, estava sempre pronta a ouvir,
nunca a questionar. levava ao pé da letra todos os
desejos do meu pai.
Na maioria das vezes viviam muito bem,
sem brigas e ou discussões sérias.
Porém, na divergência de algum desejo maior de seu marido, meu pai, ela
simplesmente o deixava falar.
Ele falava até se cansar, enquanto ela não abria a sua boca.
Sempre a primeira a despertar e a ultima a se deitar,
cumpria o seu papel como poucos.
Assim eu aprendi que a vida poderia ser mais simples, apesar das escolhas que,
raramente fazemos, e que a gente não conhece bem aquele
que vem para fazer parte da nossa vida. A fé nos faz acreditar
na felicidade constante, mas, o ser feliz vai depender muito
de como lidamos com o outro, e de como aceitaremos
o jeito do outro: a forma que vamos lidar com os defeitos e atitudes
que não são nossas.
Quando me casei, eu aceitei viver com o outro sobre o mesmo teto,
compartilhando espaço e sonhos, querendo que desse certo infinitamente,
mas, a realidade do querer, esta muito longe da realidade do poder.
Tive que sofrer um pouco no inicio, porque não era como o
desejado, eu não me casei com um príncipe de conto, eu me casei com um homem
de carne e osso, que por sinal, estava repleto de defeitos, assim como eu.
Era como se estivesse nadando no escuro, sobre margens repletas e crocodilos de
dentes afiados, onde minhas defesas enfraqueciam conforme me afastava
mais.
Num certo dia acordei grávida, e o medo se tornou maior que tudo, agora eu teria que
ser alguma coisa que não sabia, entrei em pânico.
Era uma mescla de alegria, medo, desconfiança, prazer e insegurança tamanha.
Me senti sozinha, perdida em uma estrada desconhecida, como
se as minhas defesas me abandonassem por completo. E não tendo
como recuar, eu chorava meu desespero.
A barriga crescia, assim como crescia dia a dia a minha angustia.
Meu marido saia cedo para o trabalho, sem a  minima preocupação com nada,
apenas com o fato de cumprir com as suas obrigações.
Eu ficava na solidão, como mariposa quase a me queimar na luz, não
sabia bem o que fazer ou pensar.
Foi então que desenvolvi um método
Passei a fazer as coisas como quem não pensa, apenas deixando rolar e pensando: - Se
vai ter que acontecer, que aconteça!
Talvez tenha sido assim que minha mãe aguentou por tantos anos.
E o tão temido dia chegou.
Dores intensas de imediato, dores insuportáveis logo a seguir, e a criança
não nascia. Uma mulher me assistia com uma certa preocupação, me dizendo: -
Essa criança não nasce hoje!
E as dores continuaram intensas, parecia me afogar por dentro, as tripas
quase saiam pela boca, e eu continuava lá, naquele açougue, sem nenhuma assistência
maior.
A noite tornara-se um suplicio, E alongando-se parecia não conhecer o fim.
O silencio no hospital, as luzes apagadas, quase que me deixavam louca, eu me levantava e
me espremia entre uma dor e outra, defecando e vomitando.
De madrugada, houve uma troca de turno, e uma outra enfermeira adentrou o quarto,
acendeu as luzes e me viu encolhida como o próprio ser em meu ventre, perguntou: Como você está?
Olhando-á nos olhos eu respondi com voz fraca: - Muito mal!
Ela, então, pediu-me para abrir as pernas, e nela, introduziu a mão,  fazendo-me quase desmaiar de dor.
Depois, como se não fosse o suficiente, me disse: - vai ter que ser cesária, vou avisar a médica!
Eu a pensar: - que alivio!
Mas não houve nenhum alivio até as nove horas da manhã, quando, enfim, o anjo
esperado, enviou-me para a sala de cirurgia.
Apenas quando o anestesista, pediu-me para relaxar, e introduziu uma agulha em minha coluna, eu pude, enfim, descansar e respirar.
Mas, ainda não era o fim: tão logo a criança nascera, me tiraram da sala e me levaram á um corredor
estreito, sobre a luz de uma janela de vidro, me largaram. . Ali eu fiquei, com a boca cheia de saliva, sem poder me mexer.
Olhava para cima e sentia-me tonta, fechava os olhos e me sentia pior, queria gritar, mas a boca estava cheia. O que fazer?
Deixei o liquido escorrer pelo canto da boca, e tentei desesperadamente pedir por socorro, mas, a voz não saia. Fiquei ali por alguns minutos que pareceram horas, até que, alguém apareceu apressada, e correu empurrando a maca até uma sala, me colocando na cama.
Depois saiu como quem não deve nada, nem desculpas, nem considerações.
Meu marido e meu sogro apareceram na porta, estavam brancos, pareciam que viram fantasmas. nada me disseram de imediato, até eu mesma contar o ocorrido: Meu marido bufava.
- Eu sei!  ele me disse: -  Faz tempo que você entrou em cirurgia, e como nunca saia, eu pensei logo no pior. Então me desesperei e fui perguntar o que estava acontecendo: - me disseram que você já havia saído á algum tempo. Então, eu perguntei, saído de onde?
- Da sala de cirurgia! - alguém me respondeu:
Eu fiquei louco naquele instante: - Mas, para onde á levaram?
 - Para o quarto, disse a recepcionista com um certo desdém na voz:
- Não!  para o quarto ela não foi, e tratem de achar a minha esposa antes que eu chame a policia!
E foi então que a enfermeira se lembrou do corredor onde tinham me deixado. E eu estava exatamente naquele lugar, óbvio, não podia andar!
Passado o susto, todos bem, eu e a criança!
- É um menino, eu disse:
Meu marido deu um sorriso, e falou:
- sim! eu já o vi! Um menino! E você me enganou!
- Eu? enganei como?
Quase me convenceu que seria uma menina loira, e quando o vi na pediatria, quase não acreditei no que vi.  Um menino de cabelos negros! Pensei, acho que trocaram a ficha, este não pode ser meu filho!
Eu também sorri. - È claro que é nosso filho, eu o vi nascendo, e como tinha cabelo!
- É bem cabeludo mesmo!
Voltamos para casa dois dias depois, e as coisas só pioravam.
Meu filho tinha dificuldade para mamar, e, eu, mais ainda em amamentar. Dores terríveis no abdômen
me impossibilitavam de me sentir bem.
Sem nenhuma assistência, meus seios inflamaram e a dor era insuportável.
O corte em minha barriga inflamou, e meu filho não parava de chorar de fome.
O desespero acabou me deixando sem vontade alguma de viver, eu queria dormir e não conseguia.
Tão logo pensei em minha mãe: Como me fazia falta!
Os dias passaram, eu voltei ao hospital para limpar a ferida, e me ensinaram a tirar o excesso
de leite. Meu filho foi amamentado por apenas quatro meses, após, foi decidido a possibilidade de
amamentá-lo com mamadeira.
Hoje ele já está com vinte e oito anos de idade, mas, sempre vou me lembrar do quanto foi difícil
me tornar mãe.
Tive mais uma filha,  que já está com vinte e quatro anos, e assim como a minha mãe, eu vou levando, fazendo de tudo para continuar com a minha tarefa, olhando menos para trás, e me concentrando em fazer todos á minha volta um tanto mais feliz.

Hertinha (Herta Fischer)


















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