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Sorte ou destino

Tereza sentia a necessidade de aprender pelo olhar, a única maneira que conhecia, sua única escola. Seu pai, vindo da simplicidade, não sabi...

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Obscuro arrasto

O já seco leito do lago,


ruínas nas bordas de barro,


águas que esqueceram o caminho,


lírios que são só espinho.


Sonhei em vão, os dias passaram,


no belo luar que esperei.


Nuvens negras se espessaram


nesse céu que nem sei.


Adivinhei, já era tarde,


não sei se os anos se renderam


ou fui eu que, depressa, passei.

Hertinha Fischer






quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Neblina


Não é a idade, nem a velhice ou a juventude. É o caminho que escolho trilhar. Seja rápido ou devagar, por dentro sou a mesma, mesmo que por fora me desfaça. As armadilhas do longo viver ainda me cercam, mas quero viver intensamente, sem precisar viver demais. Já fui passado e presente, agora sou o presente do hoje, e também o passado do ontem. E sigo adiante, sondando o desconhecido. Quem sabe, um dia, me transformo.

Hertinha Fischer.

 







domingo, 27 de outubro de 2024

Submundo neurais

Durmo e percebo outro mundo.


Cercado por um mar desértico, 

feito de água e açúcar. 

Tento voar além com minhas asas, 

mas ele me alcança com seus braços. 

Há uma guerra distante se desenrolando,

aviões caem dos céus, bombardeiam 

minha paz. 

Afoga-me um riacho ferido 

pela tempestade. 

Abraço o amor de uma árvore 

e encontro salvação. 

Caio em um poço inexistente, 

de profundidade invisível. 

Um cão tenta agarrar meus pés, 

e eles recuam. 

Eis o mundo, eis o submundo, 

quem dera alguém o lesse. 

Que meus olhos pudessem 

ver os avessos, só assim 

entenderia os inexatos.

Hertinha Fischer

A alma dos opostos

Tu eras noite e eu dia,  


sentia que não merecia,  

te carregava nos lábios,  

enquanto de mim esquecia.  

Teus lençóis não me cobriam,  

e ainda assim, te queria.  


Na tua maior necessidade,  

te estendia as mãos,  

quando eu precisava de ti,  

não alcançava teu coração.  

Se atenta estivesse, dizia não,  

se me afastava, vinha na contramão.  


Os anos nos revelaram,  

os desvios nos ensinaram,  

e em uma esquina qualquer,  

nossos destinos se cruzaram.  

Juntos e separados nos moldaram,  

entre espinhos e abrolhos nos plantaram.  


A complacência do amor nos uniu,  

até que você se tornou eu.  

Na cama nos completamos,  

o dia e a noite, ressuscitamos.  

Hertinha Fischer.

Fazendo perder

 Procuro um outro tipo de acerto,

Um acerto acentuado dentro de mim.
Que tudo o que almejo
não passe de necessidade,
O que está além, fique no além.
Não mais do que preciso - lugar, afeto.
Sou e isso me basta, pois estou dentro
do Sou maior.
Vivo rodopiando, como uma pena voa com
o vento - Sem peso, só na maciez de
quem tem um lugar para pousar.
Assim como a terra aceita
pedras e flores em sua superfície.
Que possa também aceitar raios e ventos.
Somos consumidores de tempo, no entanto,
não há muito do que se aproveitar dentro dele.
Que a genuína alegria se veja nos passos,
antes mesmo de dá-los.
Pra que trabalhamos?
Para quem frutificamos?
A árvore fértil frutifica para os outros,
a estéril não frutifica nem para ela mesma.
Uma é plantada com alegria, outra nasce por nascer.
Porém, se a estéril tira a luz da fértil,
esta á corrompe, a menos, que, se eleve,
além das sombras.
Hertinha Fischer.

sábado, 26 de outubro de 2024

Trem da vida

 Pra onde vai esse trem?

Pra onde vai esse trem?
Eu não sei!
Só sei que estou dentro dele também!
Mas, para onde vai esse trem?
Embarcaram-me nesse trem, só me ensinaram
o que convém.
Mesmo que eu queira , desembarcar
não para nunca esse trem!
Se por acaso chegar a hora,
de alguém descer,
só desce ele e mais ninguém.
Só desce ele e mais ninguém!
Muitos choram a falta dessa pessoa,
Muitos querem com ele desembarcar,
mas, a autoridade do maquinista,
ninguém pode tirar.
Muitos querem adivinhar, para onde vai esse
trem, Só o maquinista sabe, mas não conta nada a
ninguém.
Para onde vai esse trem?
Para onde vai esse trem?
Hertinha Fischer.

terça-feira, 22 de outubro de 2024

olhos caipira

 


Sou da roça, nasci da semente  
Alimentei a mente com brotos e folhas.
Sentei na calçada de terra e juncos,
Tracei lombadas com mãos suadas e bolhas.
Corri pelas estradas cercadas de céu,
E com meu olhar, esculpi meu cinzel.
Sou franca e rude, como as pedras do rio,
Que nunca se cansa de deslizar.

Sou um sonho da roça, que à noite descansa,
Na terra bruta, encontra sua dança.
Com cheiro nos olhos e paladar no ouvido,
O melhor do sertão tenho vivido.

O olhar da manhã é sempre gentil,
E ao cair da tarde busca seu perfil.
A noite ardente, cheia de paixão,
Abraça o horizonte com devoção.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Memoriando

 Antes mesmo de saber ler e escrever, já olhava para os embaralhados ganchos e imaginava uma árvore.

Minha frágil imaginação dava saltos entre as letras, E olhava o mundo como se fossem livros a escrever.
Depois que aprendi a ordenhá-los com as mãos, espremendo-os como maminhas de vaca, foi que passei a compreendê-los, de fato.
Ainda faltava algo, porque dele não saia leite.
Tudo tão desmantelado : sem ordem e sem fundamento.
Eu queria algo como uma trança bem feita no rabo do cavalo ou ainda como a trança de cebola que minha irmã mais velha fazia.
Vivia com livros nas mãos, sonhando um dia ser como quem os escrevia.
Não tinha chance de estudar mais do que o necessário para sobreviver no mundo escrito.
Quando falava comigo mesma, as vezes entre lágrimas, eram elas que deixavam tudo florido em campo seco.
A imaginação não carece de letras. Não seria preciso escrever para bolar uma bela história.
E as histórias mais lindas foram escritas em céu aberto, cheia de estrelas, enquanto a porta ia se abrindo para o real.
A minha realidade não era aquelas coisas, mas, era a minha realidade: repleta de paixão e criatividade.
Havia a magia do fogo, a luz da lamparina, que as vezes dançava, no embalo dos ventos.
Havia também as vassouras, que eram cortadas dos galhos de uma árvore específica, juntadas e amarradas, que serviam para limpar a casa e o quintal. Parecia que tinham vida própria.
Havia o cavalo que o pasto regia, O capim que o nutria e a corda que o limitava.
Tudo era canção: O canto do galo de madrugada, a coruja na cunheira do paiol, o sabiá na laranjeira, o Urutau no banhado, a seriema no pasto.
É tão interessante a vida dos outros, que nem sequer damos uma pequena olhadinha na nossa.
Eu olho, sempre que posso, na janela aberta do passado, quase fechada pelo tempo. E vejo a estranha vila de pássaros e ventos, onde eu morava com minha desconhecida família. Sempre que nos olhávamos nos olhos, descobríamos algum segredo escondido em algum canto do olhar, mas, nunca podíamos sequer falar sobre o assunto, tanto era o silêncio que ali existia.
Para entendê-los ou decifrá-los, era preciso sair de mim e viajar na quietude, entrando no sótão de seus corações, onde guardavam seus mais delicados tesouros. Tudo sentiam, tudo faziam, mas, tudo era transmitido na mudez de seus atos.
Me tornei curiosa demais, a sondar o sossego com os cantos dos olhos, só para desmascarar o conhecimento que se escondia na calada de suas preocupações.
Suas ferramentas instruíam mais que suas palavras. E seus olhos nos educavam.
Exemplos rolavam por todo os descampados - seja por uma vala aberta, para escoamento de água, ou por uma grande plantação bem sucedida.
Bastava aprender a olhar.
E ainda olho bem de perto o que aprendi com o olhar.
Venho buscando nas entrelinhas do horizonte, aquele azulado ponto que me abastecia, já com menos expectativas. Ainda está lá como modelo, tão intenso quanto quando me revelou.
Mensagens que o tempo não apaga, são aquelas mensagens que foram escritas na alma - quando a alma ainda estava com apetite voraz para aprender.
Tinha nome: Cada pedaço de terra, cada pedregulho na estrada, cada dedão ferido, cada aceno de despedida, cada palavra apagada. Ah! o nome: Amor.
Hertinha Fischer




domingo, 20 de outubro de 2024

As margens do rio seco

 Quando me dei conta já tinha deixado muitos anos para trás.

E aqueles dias felizes que me deparei com o primeiro amor, já havia desaparecido.
Emoções genuínas, frio na barriga e uma vergonha imensa de olhar.
Tudo desapareceu nas esquinas do tempo que não volta mais.
Os anos vem e vão, como se fosse novidade, na verdade, é só mais um lembrete de passar.
E fiquei ali a ver o barco se perder nos mares, com a sensação de que seriam meus, mas, o mar me esqueceu.
Deixou um monte de areia nos olhos meus.
Vivi entre paciência e ansiedade. No entanto, nada seria tão meu, que o tempo não pudesse torna-los seus.
Como o vento forma redemoinho em tempos de seca severa. O amor fugia de mim, deveras.
Olhava os horizontes do querer, como quem olha para a luz intensa, mas era só miragem. Não havia luz nos desejos meus.
Tudo se fez a sua maneira, como se, de antemão, já houvesse sido escrito. E o destino seguia lendo, me obrigando a atuar no palco da ilusão.
E foi assim que me lembrei de ser o que era. E fui, no tempo, sombra do rio que corria em mim.
Hertinha Fischer

sábado, 19 de outubro de 2024

Eu por um dia

 Gorjeei quando tudo era manhã,

Madruguei nas tardes de veraneio
Colori as asas dos bem-te-vis
Seguindo o caminho dos meios

Meio, ainda não é fim,

o fim que ainda não veio
Se foras fim ainda quero
Ser a filha do meio.

Pairei no caminho do sol

a noite e na madrugada
Depois da lua, ainda no céu
A densa escuridão é sugada

Se tiver que partir, partirei,

Não sem antes decidir
O resultado do caminho,
Se certo, terei que seguir

Errante, dá para voltar,

sem tirar nenhum proveito,
perdida é que não se acha,
nem o esquerdo, nem o direito

Sou nuvem que não desagua

Só a mercê vive e morre
Confia na possibilidade,
E o vento a socorre.

Quando falo do eu,

me pergunto quem sou eu?
Uma divida constante
ou um calote do instante.

Hertinha Fischer.

domingo, 13 de outubro de 2024

Ocos dos outros

Que seja eu em todo instante, me lembro, me contesto.


Planto, colho e vivo. 

Não me perco em labirintos, nem fujo 

do que sinto. 

Sou inteira, desfaço meus próprios nós. 

Se me recolho, fico em silêncio, 

se me libero, pronta estou para questionar. 

Como o vento, sou ar em movimento. 

Nem sei ao certo se entrei ou saí. 

De onde venho, conheço a mim mesma. 

Nada crio, tudo já existe, 

cada minuto é um vigia, cada 

fase, uma história. 

Vejo e escuto pela metade. Nada alcanço 

fora do meu alcance. 

Sou coração! 

Salve, salve os que comigo caminham. 

Nada sei além de mim.

Hertinha Fischer.

Cascatas biológicas

 Minhas eternas suplicas,

que de tempo em tempo, cessa

Na correria pouco se vê, sentada á porta

pouco se faz.

Quando menina, tinha tempo,

jovem, dele me libertava.

Velha, já percorri

Hoje, ainda me resta um pouco,

entre janelas fechadas

Já não me conduzo como deveria.

A graça que perdeu a graça,

o tempo já furtou a claridade do olhar

Um pouco da nebulosa no coração

Emoção escorre pelas veias e 

vai parar nas pontas dos dedos. Medo

A alva que despertava em todas as manhãs

virou alvo. Nada a acrescentar.

Velha?, sim! mas ainda a vida respira

Uma velha dor, bem diferente, nova a cada

momento.

Saudade de muitos, muito pouco para lembrar

Não há mais correria, pesos nos pés.

Uma prisão sem grades, uma liberdade sem teto.

Peixe sem escamas, arraia sem ferrão.

 A inútil tarefa de prosseguir.

Não tendo como fugir.


Hertinha Fischer





quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Cantar do silêncio

Queria cantar o silêncio,  
nas letras que a calma traduz.  
Como dedilhar a meditação,  
em cordas vocais de luz.  

De olhos fechados enxergar,  
a noite com lábios pintados.  
Anéis de Saturno nos dedos,  
e violões nos confins tocados.  

O ar soprando sua flauta,  
em movimentos sutis.  
A dança dos ventos polares,  
no salão do clima gris.  

Sem som, sem melodia,  
estrelas poderiam narrar,  
o céu, nem sempre azul,  
onde resolveu se abrigar.  

Nuvens seguem sem temor,  
rumo aos corpos molhados.  
Quando grandes e tempestuosas,  
deixam na terra seus recados.  

É o silêncio que a vida evoca,  
nem sempre fácil de guiar.  
Quando ainda é lago ou rio,  
anseia por seu mar.  

Hertinha Fischer










O sorriso e o palhaço

O palhaço que fui zombou de mim.


Sob tintas e peripécias, havia apenas

vazio.

Uma imensa vontade de criar para os outros

um circo que nunca fui.

Vesti-me de sorrisos, pintei minha alma com

cores que nem existiam e parti,

como quem ainda busca um destino.

Não menti no sorriso,

pois me alimentei do sorriso

que roubei dos outros.

Hertinha Fischer.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Feitos de mim

 Sempre pensei que os caminhos fossem meus. Depois descobri que os caminhos eram eu.

Que doçura nas pisadas aleatórias sobre um colchão de folhas,
onde o próprio caminho foram delineados por quantidade de passos.
Um céu verde, onde as estrelas sentavam em troncos, e a lua, atravessava, de quando em quando, o caminho de folhas escuras.
Misterioso e soberbo, acampamento de pássaros, raposas e serpentes.
Coberta por ramagens que desciam do céu, tramas dos anjos.
A noite preguiçosa se esgueirava na escuridão, trazendo ruídos de longe, como se os víveres fossem dependentes dela para afugentar os predadores noturnos.
Trazia consigo os arrepios, o balançar das folhas sem vento e o ouriçar dos cabelos, fazendo com que compreendesse o significado de adrenalina.
E nós, filhos da terra, vigilantes e ligeiros, serpenteávamos por entre as frondosas árvores, com os pés entre os sulcos, fundados
pelas chuvas que também se aproveitava da trilha, para desaguar no rio.
Uma mescla de relaxamento e medo, mesmo durante o dia, nos enchia de encantamento.
Amava passar por lá, conversando com seres imaginários, como as fadas que cuidavam da floresta, pendurando orquídeas nos galhos encharcados de musgos e bromélias.
As aranhas se esmeravam em construir suas casas de seda pura, trançando escadarias de lá para cá, só para ver os grilos e as moscas tornarem-se banquetes nas horas vagas.
Os tatus faziam suas casas debaixo do solo úmido, e quando, por algum motivo, ás abandonavam, se tornavam morada das jararacas e urutus.
E o córrego que por ali passava, límpido e suave, desaguava lentamente sobre as pedras e se jogavam com alegria no pequeno riacho.
A sua volta, alguns tipos de frutas se deliciavam com seu frescor, lançando frutos doces ao seus pés, alimentando as antas e os seus concorrentes.
Que maravilha pensar que nasci nesse meio, com a liberdade que hoje não tenho.
Quantos sonhos meus foram deixados ali, quantas lágrimas de criança se misturaram com as folhas mortas. Segredos foram sussurrados para os pés de ingá.
Conheceram meu corpo enquanto me banhava no luar e o meu coração, acompanharam cada fração de batida, com a mesma emoção que eu também sentia ao vê-las silenciar ou cantar.
Só não sabia que o tempo era barro e o sonho era chuva.
As chuvas tempestuosas foram apagando essa relação íntima, até que só restaram lembranças para mim, ou sonhos para os que ainda passam por lá. Quem sabe?

sábado, 5 de outubro de 2024

Outono da primavera

 Talvez sejamos como a polpa

do vento
Adocicada e feroz
Leva e toca sem tocar
Fisga e desfolha sem olhar
Fiz promessa sem cumprir
Quis retorno mesmo sem ir
Aroeira brava sem flor,
arco-íris sem cor.
Indo embora, estou voltando
E voltando, já quero sair
Meus desejos são como vento
Seu caminho desconhece
Se esconde no universo
Do nada, ele falece.
E ainda me consolo
Nos pingos que caem na alma
Sendo Deus o meu caminho
Tudo por dentro se acalma.

Hertinha Fischer