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Deleite com café

  A janela, onde o sol nasce, sobe as escadas das flores e ali permanece, sentado, até que a porta da poesia, se abra, lá pelas bandas das ...

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

O altar dos sonhos

Não significava muito. 

Só podiam se realizar em sua presença, quando, por um motivo ou outro, ela podia servi-los. E gostava disso, tanto, que, em algum momento da história, pediram que se libertasse. Libertar-me de quê? - ela pensava:

Como um rio se liberta de sua nascente, Ou como a nascente se liberta de suas correntes?

Seria como pedir que a terra se libertasse de seu eixo, que ela deslizasse para as corredeiras do precipício, que vivesse a seu bel prazer, na profundeza dela mesma, num céu inventado pela cor azulada. Seria como negar a vida. Ela estava viva e plena em seu paraíso, jamais convenceria seu Adão de que não precisaria dela e ela dele.

Mesmo que ele a acorrentasse em seu orgulho.

Eles frutificavam, assim como todos os seres viventes, deixando as suas marcas para a posteridade. Me rebelar? vocês ouviram isso?  Dar um chute em minha própria cabeça. E depois? Qual seria o desfecho da vida?  Cada um por si? E o regato que se regala em soltar-se na terra, e ela o leva em seu lombo até se encontrarem com outro,e  mais outro, até se formarem num rio.

E tudo se complementa - Eu, o rio, meu esposo, os frutos da nossa união. Sem ele só haveria eu á revelia. E á revelia, nada seria. A razão estava do lado de fora. Embora, houvesse tanta razão do lado de dentro. A razão que a escrita corrompe. Sem escrita, ela se sentia muito mais esperta. Podia ler com o coração as escrituras sagradas, Nada se faz sem união e companheirismo. Nada se constrói na desobediência da natureza. Se a natureza se rebelar, o fim será eminente. Tudo, de alguma forma, precisa ser á que veio.

Como ela podia ver com os olhos da alma -  á seu ver, coisas e fatos, de fato, precisam se compreender, ao invés de tentar esmiuçar-se em teorias. Muito se falava em educação, como se ela, sem conhecer letras, não pudesse educar seus filhos da forma correta. Era difícil direcioná-los depois de crescidos.

A lavoura, que antes, estava viçosa e farta, agora, começava a sentir a dor da terra. E ia definhando em suas raízes, até murcharem ou enfraquecerem, de tal modo, que pouco se colhia. Seu cavalo vigoroso e trabalhador, companheiro de anos a fio, caiu num descampado ao cair da noite, e morreu no dia seguinte, deixando um pasto triste e vazio para trás. Hora de fazer as malas, seu marido falou: - Como assim? Ela perguntou: 

Todas as terras foram vendidas, só sobraram um trecho ao redor de uma mata fechada, onde se ergueu uma outra casinha, agora um tanto mais sofisticada e dengosa, feitas com tábuas largas e novo piso de terra batida.

Seu lugar, aquele lugar tão amado entre bananeiras, foi deixado parta trás, esquecido no tempo, como se fosse um trapo velho que não mais faria falta. Mas em seu íntimo de rainha, aquele castelo jamais sairia de sua lembrança. Quantos momentos bons, quanta honra lhe dera. Ao fechar a porta para ir embora, ela chorou de tristeza, agradecida por tantos anos de acolhimento. Pediu perdão por precisar abandoná-la.

Outra historia se desenrolava. Agora, como desbravadora de um lugar desconhecido e frio. O lago ficava bem mais perto de sua casa. Embora viçoso e rápido, era só mais um. O que realmente corria dentro de si, era saudade.

Uma saudade hospitaleira, que pedia cadeira para sentar, que parecia uma amiga sincera e pura, dando-lhe tantas possibilidades para chorar. O Tempo! ela pensava: o tempo vai dar conta.  Mas, a ruína em tantos lugares pelo qual passava, já ia mostrando, que, tudo ao derredor, um dia, sofreriam mudanças, aquela mudança que ela não gostava. Seus filhos crescidos, já tomavam seu lugar no rio, na casa, na roça, e até no jardim. De repente, se via sem serventia. Tinha só quarenta e dois anos de idade, não era possível, que, com essa idade, já lhe destronariam. Sua coroa estava sendo arrancada pelas mudanças que insistiam em acontecer, botando em xeque seu próprio querer. Não havia mais crianças a pedir colo pela manhã. Seu marido, já um tanto envelhecido, fazia questão que descansasse. Não queria que ela ficasse sobrecarregada como antes, então, colocava os filhos e filhas para fazer todo serviço que era dela. E foi assim que seu estado de saúde piorou. Sem função, destronada, longe de sua terra e sem a coroa que á destacava, mais parecia uma peça sem valor.

Sentada numa cadeira velha e quebrada, via a chuva vir e passar, as folhas, antes tão brincalhonas e felizes, agora, não passavam de vultos a despencar de alguns galhos falidos, Não havia mais cidade dos sapos, apenas um riacho feio e desmoronado, á jogar-se de um barranco, querendo morrer. E o pior pesadelo foi quando seus filhos foram embora, sumindo no pó da estradinha de terra, um a um, se distanciaram. Ficava por horas, a esperar seu marido chegar,  já não vinha para almoçar, trabalhando com comércio, geralmente, fora de casa. As galinhas iam sumindo do terreiro, ou eram vendidas ou comidas em dia de domingo. Já não havia milhos para tratá-las. Ninguém para consumir seus preciosos ovos. nem motivos para se fazer mais galinhas. Então, a arte de fazer foi diminuindo, e arte que não se pratica, se esquece.

As amigas mais chegadas se distanciaram, algumas morreram e outras se mudaram. Uma ferida se abria no coração, E a solidão, tomou posse do lugar. Mas,ainda havia resquícios de tempo, enfraquecido, mas, havia. E ela aproveitou.

Abriu sulcos na terra como quem abre o coração para o amor. A terra recebeu a semente e a semente se revelou. Em pouco tempo, o seu tempo foi preenchido por cores verdes vibrantes. Talos de cenouras se ergueram, orgulhosamente, sobre a terra. E todo dia recebiam o mimo da rainha mãe.

Estavam viçosas e pareciam saborosas ao paladar.

Mas, o tempo, há esse tempo, tão fugaz, soltou-lhe as mãos, antes mesmo da ultima colheita de verão. E ela se deixou ir - como quem precisa, como quem quer, como quem se deixa. e no derradeiro dia, quando já sua forças foram se limitando, ela ainda achou alguma força para voltar em sua velha morada. Sua casinha não estava mais lá. Apenas rastros deixou, Como se precisasse ir embora, depois que ela se foi. Um livro aberto e escancarado se abriu no lugar, á contar a historia da rainha que por lá passou, nem mesmo o pasto de seu cavalo resistiu. Nem as bananeiras, nem os amigos pés de ingazeiros. Tudo se tornou vazio. Um vazio repletos de memórias já sem valor para alguém.

Ela voltou para a sua nova morada, que também jazia no mais profundo silêncio. 

Nem o vento parecia querer sondá-la pela tarde já transbordante. As aparas do tempo  a deixou quase a sumir dentro de si, tudo o que ele tecia, tão gentilmente, agora. desnivelava -  envelhecido e distante. Um sumidouro de luzes e esperança, engoliu com suas grandes e suntuosas bocas toda a beleza que havia. E suas crianças, que não eram mais criança, as vezes, lhe faziam um visita, tão rápido como aquele tempo que passou. 

Num dia qualquer, sua preciosa vida se esvaiu por completo. A tristeza lhe trouxe uma doença incurável, que só não havia despertado antes, por causa de sua coroa. Ela a amedrontava com sua pureza de espírito, que foi sucumbindo entre as frestas das sombras, até que ela própria se transformou em ser de luz, quando não mais precisou do apreço alheio para existir. Tornou-se a rainha de todo lugar onde passou, no castelo de sonhos que nunca se finda, uma coroa eterna sobre o altar do lugar. Ainda  vê, quem passa por lá. Um lugar povoado, repleto de magia. Um pedaço de terra que nada cresce; em volta, a coroa protege o lugar de Tereza Maria. Que foi mais do que uma mulher comum. As cenouras cresceram, formaram-se e foram vendidas para pagarem pelo pedacinho de terra ao qual descansou para sempre.

Fim

Hertinha Fischer












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