Total de visualizações de página

Deleite com café

  A janela, onde o sol nasce, sobe as escadas das flores e ali permanece, sentado, até que a porta da poesia, se abra, lá pelas bandas das ...

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Gnê - a virtude de fazer nascer

 Se veio aqui para conversar, então, por que não me deixa abrir a boca?

Não gosto de jogar conversa fora, mas, também não gosto de monólogos.

Se é para conhecer-nos, deixa-me contribuir com minhas deixas.

Só ha um meio para se chegar a algum lugar, indo!

Visitas só são boas, nas horas de folga, com muito trabalho, só atrapalha, a menos, que

se converse trabalhando!

Gosto de estradas, mas só quando ás como com os pés. dentro do carro, só me vem a sensação de perigo.

Só viajo na imaginação, os lugares me parecem tão iguais.

Fico horas de olhos fechados até que me cheguem sonhos, então, me desperto para eles.

Amo a hora de dormir, ainda mais quando durmo depressa. Tenho a sensação de que o sono me leva a lugares que nunca imaginei. Lá onde realmente existe paz.

Meu marido é meu amigo, embora, amigo não faça o que ele faz, nem de longe um amigo pode ser leal como meu esposo o é.

Tive dificuldade em ser mãe, embora, tenha sido mãe por seis vezes. A responsabilidade assusta,

Fui demasiadamente sensata na educação dos meus filhos, Tanto que aprendi mais com eles do que eles por mim.

O trabalho me cansa, mas, me dá uma sensação gostosa de poder.

Andar significa, para mim, uma fuga. Fuga das mesmices diárias, de ter que amar fogões e vassouras.

Comer é bom quando se está com fome, do contrário é  como inflar o balão, até que quase estoure.

Um pouco de preguiça até que é bom, desde que não nos deixe pobre.

Ela divagava em frases feitas, para não se perder em suas próprias cobranças, analfabeta de nascença, mal sabia o que significava ordem nas letras. Só conhecia os hábitos por assim dizer, aquilo que se fazia por dias até virar necessidade.

Aprendera a inspirar-se com os galos, que as galinhas despertava de madrugada com seu canto enfadonho, que de musica pouco sabia, assim como ela não entendia de letras.

O canto do galo a induzia a sair da cama, mesmo sabendo que poderia dormir mais um pouco, Toda mulher virtuosa acorda de madrugada, pensava:

Era mãe, e mãe que se preze, sabe de suas responsabilidades. 

Tinha lenha e fogão, agora só precisaria despertar o fogo, e o fogo despertaria a água para formar um bom café. Quando suas criancinhas despertaria para mais um dia de alegria na roça.

Seu adorável marido, o único homem que tiraria ela do sossego, antes de lavar o rosto no riacho, ele lhe pediria a toalha e o sabão.

Depois encostaria a traseira na soleira da porta, daria uma surra no sapato batendo-o ao chão, até que soltasse toda a terra de dentro, para depois, entrar com os pés.

Sentaria a mesa para o desjejum, rodeado pelas crianças em silêncio a comer pão amanhecido, após, sairia com a foice nas mãos ou a enxada, para mais um dia de trabalho.

E ela iria pro rio, com a bacia cheia de roupas sujas em cima da cabeça, com a ajuda da rodilha que lhe  auxiliava no equilíbrio, enquanto levava o filho mais novo enroscado na cintura.

E mais uma vez, se lembrava de alguma musica que lhe acalentaria na vida árdua de uma mulher casada.

Nunca pensara em casar, mas, na época, não casar não era uma opção. Mulher solteira por muito tempo era vista como uma mulher não benquista. Uma mulher desmerecida. Algo sem valor, sem utilidade, Um fardo para os pais.

Mas ela conheceu o fardo de um casamento.

Pensava que o casamento só era bom para os nobres e com dinheiro, As damas da sociedade que só sabiam gastar e andar bem arrumadas. Para ela, só sobrava cansaço.

Na cama a noite lhe sobejava alegria, a única hora cheia que lhe pertencia absolutamente.

E absolutamente lhe concedia descanso. E absolutamente descansava.

O fogão a crepitar demandava lenha, e lenha não nasce no fogo, nem embaixo do fogão - é preciso procurar, achar, trazer, cortar e armazenar, até a hora de fazer tudo outra vez.

E a hora da refeição é sagrada, pelo menos para meu marido, que tem hora para tudo, embora, não tenha a sabedoria de decifrar as horas em um relógio, ele conhece bem o andar do sol, e eu também precisei conhecer para não perder a hora.  Meio dia em ponto ele chegava com fome, e se a comida não estivesse pronta, ele me culparia , ao invés de culpar o sol. 

Ta vendo como é difícil viver no mundo analfabeto. Mas analfabeto mesmo é quem não tem olhos para enxergar.

E ela se valia de tudo.

Pela manhã, quando todos já estavam arrumadinhos para atender o dia, la estava ela, calçada de chinelinho surrado, indo para o rio outra vez. Andando sobre o trilho de terra, as plantinhas rasteiras, lhe relava nos pés, como quem queria prazer. E o prazer era recíproco.

Não falavam de amor, nunca ouvira um som sequer balbuciando essa palavra, mas não precisava, a sua presença tão pequena e meiga, o cuidado com as coisas, com os filhotes e com o marido revelava bem mais do que simples palavras.

Havia um conto inteiro o dia inteiro resplandecendo amor em suas atitudes. 

A primeira a saudar o dia, a ultima a dizer-lhe adeus.

As galinhas sentiam seu cheiro, quando, pela manhã, saia com uma espiga de milho nas mãos, lá vinha elas a correr ao seu encontro, batendo as asas felizes quase a tocar-lhe as mãos com os bicos.

Tudo se harmonizava através dela, tudo era esperança através de seu cuidado, tudo dependia dela naquele lugar.

Não havia festas de aniversário, aliás, nem se lembrava de comemorá-los, não dependia de calendários, tempo para ela, era dia e noite. E quando diziam que em certo dia de dezembro era natal, então se esmerava em fazer um banquete que não faltaria sagu.

Natal e pascoa, dois dias de comemorações no ano, que simbolizava,  também, o aniversário de todos. Um contava o começo do ano e outro o final, os restantes dos dias era contado pelas labutas incansáveis de uma mulher que nunca reclamava.

Parece contos de fada, mas, não é.

Era uma vez uma rainha, que, por sua vez, nem castelo tinha, mas que de coroa entendia. O dia era rei, o fogão, seu restaurante, os porcos e as galinhas seus súditos. Se marido era seu braço, os filhos seu coração.

E ela, o centro de todo funcionamento.

Hertinha fischer
















Nenhum comentário:

Postar um comentário