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Deleite com café

  A janela, onde o sol nasce, sobe as escadas das flores e ali permanece, sentado, até que a porta da poesia, se abra, lá pelas bandas das ...

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Corpo produtivo, amplitude da alma

 Ao redor da mesa se encontravam seis cadeiras, todas ocupadas pelos cinco filhos e o patriarca, ela, como sempre, mastigava alguma coisa, como um pedaço de carne de porco, em pé.

Em pé, como literalmente, sempre estaria. Em pé para eles, com eles, sempre!

Não precisava fingir que estava incomodada com a situação, a sétima cadeira não lhe fazia falta, afinal, quem se importaria que estivesse em pé, contanto que estivesse presente.

Olhava seus pequenos, mastigando vorazmente a comida que preparara com esmero, seu marido, que quase não falava, também nem precisaria, parecia orgulhoso demais a devorar a sua porção.

Depois, como sempre, tiraria o conga surrado, deixaria ao sopé da soleira da porta da sala, e descalço, iria pro quarto, para tirar a soneca da digestão. Enquanto ela, ainda precisasse tirar a mesa, buscar água no rio, encher duas bacias, para lavar e enxaguar a louça suja.

Como levar a questão tão a sério, pensava:

A suave canção que lhe vinha a cabeça ao descer a ribanceira até a bica, se transformava em alegria no coração, que de cansaço esquecia.

De vez em quando, tinha um filho a lhe dar atenção, uma risadinha aqui e ali, como se festejassem algo através de brincadeiras e risos, que, para ela, era a gloria em pessoa. saíram de mim esses serezinhos espertos, como não amá-los, embora me encham de trabalho.

E assim o dia era comido, como se come uma bolacha feita de água e sal.

A tarde, o mesmo se repetia, só mudava o fato de que o marido precisaria de uma bacia com água morna, onde apenas se lavava antes do jantar. E os filhos, também usavam da mesma ladainha, passavam rapidamente os pés na água da bacia, depois saiam a pisar no piso de terra sem usar sapatos. Mas, ela não se importava, seus filhos, cresceriam fortes, se tivessem menos conversa, Então, banho mesmo, aquele onde se lava até os cabelos, as vezes necessitando até de bucha, só nos finais de semana,

quando ela  os pegava de jeito.

Aliás, fim de semana era o mais felizes dos dias, quando, seu marido tirava folga da roça, ia para a cidade, montado em seu cavalo fogoso, parecia um rei em cima do alazão, com suas vestes talares, engomados a ferro com brasa. Limpo e cheiroso como nunca, a ida a cidade lhe fazia bem. Enquanto, ela ficava a vontade, sem se preocupar com o sol e suas horas enfadonhas e firmes.

A comida geralmente era um pouco mais simples, Não precisava se esmerar na cozinha, as crianças não tinham luxo para comer. Ela fazia um mexidão com as sobras anteriores, e, eles se esbaldavam de comer bem, diferente de todos os dias. A tarde o marido traria salsichas ou outra guloseima para o jantar, Então, embora ainda trabalhasse sem parar, dava para relaxar em um banho quente, enquanto as meninas mais velhas puxava os mais novos para brincar.

 Que luxo se tornava o fim de semana.

Domingo era mais prazeroso ainda, quando, depois de um almoço mais elaborado, o marido saia de casa para passear, sozinho. Ia até a venda assistir futebol no campinho. E também lhe dava aval para ir onde quisesse. porque nem tinha muitas coisas a se fazer sendo mulher. Então, saia para fazer visitas a alguma vizinha.

 E ficavam tricotando até o entardecer

As crianças sempre com ela, cinco cabecinhas compondo a fila nos trilhinhos entre a mata. Ela na frente, sempre preocupada em defendê-los. Se preciso fosse, se algum perigo se revelasse, ela o atacaria com unhas e dentes, embora não os tivesse. Usava dentadura e as unhas estavam tão desgastadas com o trabalho ardiloso que as consumira até o cabo. Mas, guerreira como era, não deixaria barato -  do coração sairiam unhas que escorreriam  pelo corpo até estacionarem nas pontas dos dedos, e mesmo com dentes postiços, estava claro que os usaria.

Era adestradora de perigo, especialista na arte de fazer nascer.  

E como se especializara nisso -  seis anjinhos saído dela mesma -  seis espécimes com a mesma força e potência, embora estivesse ainda compatível com cada idade.

Dentro dela havia uma sensação de poder -  um poder de estar no mundo, como um ser vivente, experimentando o habitat, desvendando a potência da força que a impulsionava. Nada parecia tão maior que ela, embora fosse de estatura pequena. Só o seu marido parecia maior que ela, tão maior, que lhe metia medo.

Mas, era um medo respeitoso, por que havia respeito da parte dele, quase que nem precisava falar, ela reconhecia-lhe o desejo pela forma de olhar.

E iam se entendendo.

Certa vez, perderam uma criança na cidade, embora, a cidade fosse pequena, parecia uma imensa cidade, Não era como a cidade dos sapos, que a noite se faziam festas. Era cidade de gente. Parecia formiguinha as quartas feiras, que, ironicamente era dia de feira. Estavam indo visitar um tio, e o gargalo dos transeuntes engoliu uma delas. Não se sabe em que buraco caiu, mas, caiu em algum lugar e se perdeu.

E só se deram conta da perda na hora do almoço. É claro, só podia - somente nessa hora é que contavam as crianças. - Cadê a menina do meio?

E saíram no desespero, mas ela ficou a soluçar, ainda sentada onde estava. Tinha uma coisa dentro dela que a deixava travada. A impossibilidade de controlar os acontecimentos. Já via tudo em nuvens densas e negras, como se também pudesse ser engolida por ela. A cidade a assustava, pensava consigo mesma:

Se sair daqui, é bem provável que daqui a algumas horas, sou eu a procurada... E ficou esbravejando consigo mesma.

Depois de muita procura, a menina apareceu, com seus olhinhos arregalados, sem pronunciar uma palavra. Por pura sorte, a menina herdara a inteligência da mãe. Quando se viu perdida, sentou-se diante de uma porta azul, a unica lembrança que tinha da casa dos tios. E esta casa ficava bem próxima e na mesma rua, então não foi muito difícil encontrá-la.

Nada foi-lhe dito, por que não tinha culpa alguma, a culpa foi do pai que não lhe segurara as mãos.

Mas, a mãe estava um tanto enfurecida, embora tivesse o habito de se calar. Como sempre, o silêncio não corrompe a língua e alivia o momento seguinte.

De letra, pouco sabia, mas, o pensamento era bem rico e sofisticado, como ela sabia das coisas. Só Deus explica.

Na labuta de todo dia, sua atração estava ao redor de sua casinha, lá onde nunca se perdia, Embora houvesse uma multidão de arvoredos, nenhuma criança se perdera por la.  

Não havia regras, mas as regras, mesmo assim, eram obedecidas. As coisas e fatos sempre contribuíam para um bem comum. Como falar de coisas complicadas, se tudo o que conhecia era tão simples de lidar. Até mesmo o andarilho, que de vez em quando parava para pedir comida, com aquela cara suja e o corpo fétido, nem era tão asqueroso assim, pois, nunca se revelava perigoso. e perigoso nunca foi

Que alegria existia naquela terra.

Tinha panelas e xícaras que serviam as refeições, tinha o cavalo no pasto a relinchar ao amanhecer, tinha o milho a debulhar para as galinhas. E inteiros -   eram servidos aos porcos e ao cavalo, que tinha muito mais que tudo aquilo.

 A paz branda de sua presença

Uma rainha de olhos meigos, cabelos negros e encaracolados, brilhando sobre a luz solar, aureolada por guirlandas de flores silvestres, perfumada de amor. Num deserto de sal, onde nada parecia insipido, mesmo ante a tantos platônicos desejos.

A criancice já á havia preparado para aquele trono invisível

No rio que se encontrava longe de casa, a água limpinha escorria sobre a bica de caco, sobre a madeira se deixava ajoelhar, e como quem ora a um Deus desconhecido, as roupas são esfregadas com gratidão. Lentamente o dia ia indo embora, a roupa tirada da guaração, já podia se ver limpinha, como uma oração já atendida,  Pegava então a bacia, erguendo até a rodilha que já estava sobre a cabeça. De um lado da mão, um balde com água, do outro lado, um filho enroscado. E ia se equilibrando de passo em passo, como um anjo que tudo pode.

Até alcançar o topo do morro, surreal quadro pintava.

Ah! a vida, que Divina obra, quando esmera-se para torná-la ocupada, a cadeira, as vezes, só infla as nádegas, tornando o corpo mais flácido e a doença mais perto.

Quem disse que a humanidade ficaria satisfeita com maná  no deserto-  Todo dia a mesma coisa, o mesmo, sabor, o mesmo cheiro? Quereria, novamente, mesmo que fosse em regime de escravidão, a diversidade do Egito.

As espigas de milho na roça, a abobreira com suas flores, a amendoeira a lançar suas sementes na terra, ao alcance das mãos. Tudo isso almejaria sem piscar.

Ela, por sua vez, mesmo sem muita disposição, levantava para a vida que pulsa em seus favores. Que a impede de apenas existir e pronto. Cultiva, limpa, cuida, colhe, enfeita mesa e estômago, e recomeça a criar de novo e de novo, sobre um ciclo inesgotável de amor, de esperança e consequentemente de satisfação por continuar sendo produtiva.

E foi.......


Hertinha Fischer












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