Mais um dia na roça, as mudas já estavam preparadas
na caixa, prontas para encontrarem seu lugar na terra.
Algumas mãozinhas se posicionavam, preparadas para
estabelecerem um ritual de plantação.
Uma grande extensão de terra estava devidamente aradas
e gradeadas, só faltava abrir os sulcos com a enxada.
E lá estava ela, a irmã mais velha de uma leva de cinco filhos,
que, incansavelmente, fazia uma valeta rasa, que seria preenchida
por centenas de mudas de cebola, todas enfileiradas milimetricamente,
por seus três irmãos mais novos. Com a terra que se revolvia na valeta
principal, cobriam-se as mudas, e assim, consequentemente, como um
ritual sem fim.
Vilma se destacava entre as mulheres, se tornara uma peça principal entre
os irmãos. Além de fazer o serviço mais pesado, orientava os demais no
que deveriam ajudar.
Sonhava um dia poder viver por conta própria, poder largar aquela vida simples, onde seus sonhos eram enterrados junto com as mudas.
Mas, ainda era muito jovem e precisava aprender a andar com os próprios pés.
O próprio andava muito distante.
Os anos foram passando devagar. Cada pedacinho de terra batida continha muito mais que simples pisadas.
Sua cabecinha rodava sem parar, ousava pensar em outros lugares, outras possibilidades lhe encaravam enquanto dormia.
De repente, como num conto de fada, uma porção de terra foi alugada por japoneses. Uma família inteira passou a rondar seu espaço. A terra foi revolvida com tratores potentes, o pequeno riacho fora alargado, tornando-se um grande lago, uma carreira de canos enlaçados por argolas, subiam a ribanceira, até se entregarem, completamente, entre os sulcos da lavoura.
Um rapaz muito simpático desceu até o rio para colocar o motor em funcionamento, passando em frente a porta de sua casinha. Ela deixou escapar um suspiro de satisfação. Algum anjo lhe dizia, lá no fundo de seu íntimo que as coisas iriam mudar.
Subiu até a estrada e ficou maravilhada com aquela forma de regar. Só conhecia seu pobre regador de lata. A água jorrava por todos os lados, como um chuveiro inteligente, espalhando por sobre uma grande porção da lavoura. Depois de uma hora mais ou menos, as pessoas mudavam os canos de lugar, até que toda a terra ficasse totalmente alimentada de umidade.
Suas manhãs repletas de tarefas e cansaço, finalmente, á encaminhou para outros rumos. Enquanto acendia o fogo para preparar o café, sua alma se enchia de felicidade. Embora tivesse o rosto do dia, a refletir afazeres, tinha o coração transbordando de emoções.
Ao ouvir o roncar de um caminhão, sabia que veria alguém que a faria transportar para um mundo só dela, fazendo com que, as tarefas, antes tão angustiosas, lhe parecesse menos pesada.
Já se preparava para olhar pelo buraco da parede. Já não parecia tão desconcertante, a falta de uma parte do reboco. E com os olhinhos afoitos e curiosos, se preparava para vê-lo passar, indo em direção ao rio para ligar o motor.
Começou a tomar mais cuidado com a forma de se vestir. O trabalho na roça exige roupas simples - lenço e chapéu na cabeça e um conga surrado nos pés, mas, teve a ideia de colocá-lo apenas quando saísse, para que o moço não tivesse que vê-la mal vestida.
No inicio ele nem olhou para ela, parecia completamente alheio a tudo, mas, conforme o tempo ia passando, os olhares insistentes daquela menina, despertou um certo interesse da parte dele. Tinha acabado de completar dezesseis anos, começava a desabrochar por dentro e por fora, sua juventude e frescor não passaram despercebido e começou um flerte silencioso entre os dois.
Hiroche já estava com vinte e um anos de idade, estava pronto para um relacionamento sério, no entanto, Vilma ainda teria que esperar mais alguns anos para que seu pai á deixasse namorar. Porém, ela sentia o coração pulsando no peito por causa dele. Muitas vezes, precisava segurar o peito com força para evitar que os outros escutassem o nome dele em cada batida.
Certa tarde, quando descia para o rio para buscar água na bica, ela ouviu alguns passos vindo em sua direção, olhou para cima, notando aquela presença maravilhosa que a fazia sonhar.
O motor ficava um pouco abaixo de onde ela estava, ela concluiu que ele estava indo desligá-lo, embrenhou-se entre a mata com muito tato, bem devagarzinho, tomando um certo cuidado para não alertá-lo com o barulho de galhos se quebrando abaixo de seus pés. Perto do tanque tinha uma grande árvore que ela e seus irmãos chamavam de árvore de galo, por ser uma árvore, cujas flores, se pareciam com pequenos galinhos vermelhos. De onde estava dava para ver o motor.
Quando ele chegou, desligou o motor, desceu até a beirada do tanque, lavando as mãos e molhando levemente os cabelos. ela quase desmaiou ao constatar que com os cabelos molhados, os cabelos negros brilharam ainda mais, deixando aquele rosto muito mais atraente. Resistiu um pouco, pensando em sair correndo dali, mas, ele olhou para o lado e a viu. Foi se deslocando bem devagar em sua direção perguntando com uma voz bem suave: - O que você está fazendo ai?
Ela se encolheu um pouco diante do nervosismo que a apavorou naquele momento, já um tanto arrependida de tal ato, mas, respondeu com a voz controlada: - Estou olhando para você!
- Isso eu percebi, disse ele em tom brincalhão: - Só não sei o que se passa em sua cabeça!
Sua cabeça rodopiou, aquele olhar a deixou tão vulnerável, que a fez se aproximar um pouco mais e com os olhos iluminados e a boca entreaberta, se ofereceu a ele sem pensar. Foi um beijo rápido e cheio de significado, pelo menos para ela. Sentaram-se numa pedra e começaram a conversar como dois grandes amigos, ele fazendo pergunta e ela respondendo meio sem graça: -Preciso ir, ele comentou antes de se levantar, ela baixou os olhos, ainda sentindo o gosto dos lábios dele nos seus. também se levantou e tomaram direções opostas, ela voltou para a bica e ele subiu em direção a casa de seus pais.
Dias se passaram, ela o evitou o quanto pode, não poderia encará-lo depois do ocorrido, e ele, por sua vez, nem dava sinais de que se importara.
O amor que ela nutria por ele, ia muito além da presença física. Ela sempre achava um jeito de vê-lo pelos buracos da parede ou adentrando a mata e furtivamente, se encolhendo atrás de algum arbusto, só para vê-lo passar.
Nunca mais se falaram a sós, parecia que aquele beijo fora fruto de sua imaginação, mas, que mudara para sempre a sua vida naquele lugar. Sentia que pertencia a ele e as manhãs ficaram bem mais prazerosas só em pensar que ele chegaria para mais um dia de trabalho.
A família dele era bem grande, todos trabalhavam juntos e eram boas pessoas, muito simpáticas e prestativas, trazendo muita satisfação para ela e sua família, que acabaram se tornando bons amigos.
Ela ainda estava esperançosa de que um dia eles pudessem ficar juntos, não havia pressa, talvez, com um pouco mais de idade, ele pudesse promover algum encontro, ou talvez, pedisse a sua mão para seu pai.
Os anos se passaram, o amor só aumentava e nada! Nem sequer um olhar mais demorado, nada!
Até que um dia soube da novidade.
Estava um dia muito quente, daqueles em que até a saliva pode queimar os lábios. Ele chegou na porta de sua casa, pedindo um copo de água fresca. Ela foi até o balde, encheu um copo e entregou para ele. Ele sorveu o liquido em pequenos goles, enquanto a encarava nos intervalos. - O que foi? ela perguntou: - Por que me olha assim?
-Assim como? ele respondeu:
-Desse jeito que não entendo!
-É que eu preciso te contar uma coisa, antes que você saiba de outro modo!
-Que coisa!
-Eu vou me casar!
- Casar? - Mas como, se nem está namorando?
- Pois é! - sabe por que não te procurei mais?
- Por que não quis, ora!
- Não, resposta errada. Eu quis e muito! Só que não achei justo te enganar.
- Como assim, me enganar?
- Na minha cultura, são os pais que arrumam casamento ao filho mais velho, porque, é o filho mais velho que fica morando junto e cuidando deles quando se casam.
- Como assim? - O filho mais velho não se casa por amor?
-Não! O amor chega depois. Deu uma bela gargalhada achando graça de tudo, enquanto ela balançava a cabeça de um lado para o outro sem entender.
E foi assim que os sonhos mais lindos que ela já teve na vida se desvaneceu. Ele continuou trabalhando perto de sua casa, ela continuou vendo-o todos os dias, até que aquela paixão foi embora, assim como veio, deixando-a livre para outras experiências.
Hertinha Fischer