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 Me encontrei com o mundo das letras quando o meu mundo se reduzia a nada. Fui muito maltratada pelas circunstâncias que não gostava de silê...

sexta-feira, 18 de março de 2022

Abiscoitando o viver


Tão entendida de calçada, estava, que a solidão da rua

parecia um pano de fundo. Olhava as coisas descobertas, olhares discretos estampados nas janelas.

O silêncio pairava no ar, como uma pombinha sentada num poste, sem nenhum motivo que não fosse descansar.

Um vai e vem, na estupidez, de quem nem sabe para onde segue, ou sai, ou entra?

Tudo em sua forma mais vil, como nuvens que se encolhe e se recolhe a se desenhar e se apagar.

Dentro dessa expectativa, mora um eu, que se desintegra, no auge da esperança. Um eu, abarrotado de certezas, que vai se dissolvendo, enquanto procuro.

Em um certo momento já fui, já sonhei, já realizei -  coisas que hoje nem me lembro mais. Os instantes são felicidade ou infelicidade.

O ar expelido nem é ar, só o que entra, oxigena, o que sai, sai outra coisa que não é ar - mais envenena do que traz benefício.

E a menina embala a boneca de porcelana, e o futuro do momento, seria a vivência do momento do futuro. Que de futuro passa a apenas instantes entre outros instantes de agora.

E o agora desponta, sobremodo, obscuro, como aguaceiro encontrando o seu caminho e no caminho do vento se distrai.

Antes de ser, de onde vim? O ser, seria, só células, ou as células compõe um ser? Ou somos livros de capa dura, cuja essência se encontra encoberta nas páginas que ainda não li? Ha alguns dizeres que não dizem nada, e algumas respostas nas páginas em branco, por que, o que não é  -  é mais fácil de descobrir do que aquilo que muito se expõe.

Viver sempre foi uma incógnita. Ou se morre ainda jovem, na flor do tempo - ou se vive até não poder mais? O tempo é dono da gente até que ele mesmo nos tome. E quando nos toma, nem tempo, nem contratempo nos mostra como foi.

Assim como aprendemos a usar a colher, para preservar as mãos, ainda usamos as mãos para segurar a colher. ela não toma o alimento sozinha, nem leva o conteúdo até a boca. Assim, também dependemos da razão para entender a desrazão. Sem razão estamos todos sujeitos a loucura que a tudo trastorna. 

A vida em si não encontra resposta para a morte, embora, a certeza da morte seja a mais sensata. Certa vez ouvi de um médico:- Não tem mais nada a se fazer!

Chorar uma causa perdida, é  outra causa perdida, afinal, ninguém revive uma situação, mesmo que se regue com lágrimas. A lagrima consola, mas não faz milagres.

Lacrimejar não é o mesmo que chorar, pois, um sente o que o olho sente, o outro, o coração. Só uma força menor que a gravidade pode jogar as coisas para cima. Uma pena, por exemplo: pode subir com um pequeno sopro de vento, Já um vento forte não consegue jogar a água para cima. mesmo com tanta leveza.

E os olhos de menina se esbugalhava por detrás da porta, enquanto cochichavam coisas proibidas, de imediato, sentiu uma certa vergonha de ser espiona, para depois concluir, que, as vezes é bom saber das coisas proibidas as escondidas. Podia se envergonhar a vontade, corando e sorrindo, sem que sequer percebam que ouviu.

E ouviu cada palavra que disseram, só não compreendeu o por que de esconder certos assuntos pertencentes a vida, que, por certo, em algum momento ficaria, não menos chocada, em descobrir por si mesma. A pouca idade, diziam: como se tivessem muito, Tinham uns vinte anos a mais, e se achavam as sabedoras de tudo, enquanto, ela ficava sabendo de tudo, por que a porta lhe contava.

Homens já á olhavam com um certo interesse, que mostravam através dos cantos dos olhos, espremidos, em meio a densos pelos das sobrancelhas, que ao olhar para ela, subiam e desciam, como se ela não percebesse, Era esperta demais para escancarar sua sabedoria, antes que soubesse que ela sabia e percebia, ela já virara as costas, rindo por dentro como uma mulher madura o faria de frente.

São tantos os caminhos e encruzilhadas  que a vida abre, que a gente se perde; ou  perde de vista, ou se perde de onde ou perde-se de vez. Me lembro de certo tempo, em que se abria uma picada na mata, para fincarem postes que levava energia elétrica para as grandes cidades, Um poste, em particular, quase nasceu em nosso quintal. O quintal não existe mais, nossa casa também foi derrubada, mas, o poste continua lá, como se fosse eterno. Olhos que o viram, se fecharam para sempre. Pois o vai e vem do tempo - Se é que ele vai ou vem, apagam todas as marcas.

Dona Vicentina, uma mulher ranzinza de tamanho, com uma força descomunal, fazia dinheiro com seu pilão de madeira talhada. O cocho recebia a benção da água, que no sobe e desce do monjolo , energizava engrenagens invisíveis, para pilar o milho que, magicamente, se tornava farinha.

Em tempos de guerra o melhor é recolher a língua e ficar quietinha, pois quem mais perde é quem não tem nada a ver com isso. Deixar que os poderes se mordam sem arrancar muita carne da gente. Duas figueiras podres podem não cair ao mesmo tempo,mas, um dia, as duas,irão ricochetear o chão.

Minha mãe era uma mulher como poucas, embora, as mulheres, daquela época, fossem de boa linhagem - ela, sem saber ler, era a que mais lia nas entre-linhas. Entendia de tudo um pouco e nunca deixava os is sem pingos.

De minha parte, aprendi muito com ela, a não escrever temas proibidos, pois, nunca saberei a quem atinge. Não quero ser condenada por aquilo que entendo ou defendo.

O homem tem como único objetivo fazer do amor o seu favor. Amor não se faz, embora, digam que o amor brota na cama e morre tão logo se revire os olhos. Coitado do amor - é apenas um relance e depois morre e renasce, tão logo o desejo se acenda ou se apague. É um nascer e morrer, nascer e morrer.

Fico muda de espanto quando me deparo com a alegria com que o amor morto desperta, para depois morrer de novo e de novo, Parece que gosta de se aparecer. 

Ha tanto na minha trajetória para contar que não caberia num livro. E tantas outras memórias apagadas.

Prefiro a constância do crescimento, do que tudo despejado num balde de ansiedade, onde transborda a insensatez de achar que se pode crescer de uma vez, aos atropelos, como se jogando tinta numa parede, possa parecer um bom trabalho, ou, apenas empilhando tijolos, possa fazer uma casa.

Sempre me achei esperta, esperta até demais, que, as vezes, até extrapolei na compreensão das coisas - amando o que não deveria amar, e desprezando quem me amava de verdade. Algumas vezes enganei, noutras fui enganada.

E assim se fecha o ciclo das amizades, do amor, da vida. Quando se atinge a maioridade da alma, a alma se despede de tudo o que achava que valia a pena desperdiçar tempo e delicadeza. Um adeus sereno e delicado, como pétalas que se deixam levar pelo vento.

Hertinha Fischer




















 


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