Quando e onde me despertei desse sonho que não sonhei?
Havia uma luz lá em cima, coisa de lua cheia - iluminando as ramadas dispersas sobre uma árvore. Desciam até o chão sem se quebrarem. Braços e abraços de cordéis se entrelaçavam em orgias de folhas azuis.
Eu, mera espectadora de tudo. De tudo que era visão.
Charlataria pensar que sabia, quando olhava e percebia, sem entender o que o mundo anunciava sobre a escuridão. Uma escuridão redonda, sombria e espalhafatosa - amando sua noite pelas frestas, enquanto a madrinha da festa, se embrulhava entre nuvens e imagens. Que imagem mais atraente, quando, em seresta, os grilos e sapos cantavam alegremente em seus vestidos de junco. O olhar de lua cheia, clareando as densas e povoadas claraboias que se abriam acima dos Thypha domingensis que atuavam as margens dos rios doces.
Uma dança frenética de seres alados, com suas finas e sofisticadas roupagem de gala, a desfilar para a lua, enquanto despejavam- se em desejos de se acasalar. Abaixo, depois do amor, serviam-se em banquetes para os peixinhos que também aproveitavam da festa de lua cheia. O mundo ali se manifestava entre os magníficos pontos de luz e sombra,
Havia aquela lambança, entre lágrimas e esperança, no linguajar da floresta, que destacava, orquídeas entre cascas, soltas e acabadas, de uma árvore qualquer. Na ribanceira, sem teto, a despencar em saudade, do que já ia morrendo - ante resquícios de vento, a uivar seu desalento. Até, que a lua fugia, ao sentir que era hora do sol despertar seus amores, Tudo ficava quietinho, a dormir suas dores, em uma cova qualquer.
Outra luz , já surgia, lá detrás de um morro, como se nascesse do pé de um gigante, o sol se levantava.
Tomava seu caminho, lambendo o azul do céu, numa paixão de raiar. As águas desciam a pé e em silêncio, saudosa e matreira, entre barrancos escorria. E os peixinhos, satisfeitos, pelo banquete da noite, em ziguezague se cumprimentavam. As corredeiras, em transe, a espumar pelas ventas, as pressas passavam, se jogando pelo precipício sonhado, até se regalarem do outro lado.
Assim, a vida ia surgindo, entre margens - as marcelas floridas, que de sol não se cansavam, doavam-se ao terreno, amarelando o derredor de prazer. Lá se vinham os tatus, com seus focinhos pontudos, duro como facão afiado, a esburacar suas casas. Eu, que nem fazia parte, fui crescendo em fé, ante aquele anfiteatro natural. Havia palco pras garças de um pé só, a sondar as águas, como se lhe pertencesse. Olhos grandes e parados, parecia uma estatua nascida das margens. Havia lugar na arquibancada para os ratos, que do banhado surgiam, a procurar por petiscos, que caia do banco de areia. O sol, transitando, como guardião da floresta, de olho em tudo que acontecia, nunca perdia uma parada, nem se escondia de nada.
E o dia vingava e crescia depressa
Conforme crescia, o sol crescia com ele, e se davam - como o menino apaixonado oferece uma flor pra amada. Se acomodam um no outro, versando luzes e cores - inspirando amores, O pequeno caracol a levar sua casa nas costas, lambuzando a terra com sua saliva gosmenta. As hortênsias, casadas com duas cores, que as completam, ditosamente, com olhares de rosa e tons de azul celeste, oferecidos ao céus. A begônia, tão viçosa, pronta para casar, toda vestida de branco - como uma noiva á esperar pelo seu noivo na entrada da igreja. E o grilo, após uma noite de cantoria e orgia, descansava, sobre um colchão de bambu.
E a fé vai na frente, empurrando a esperança, do dia e da noite que nunca se cansa.
Herta Fischer
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