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Sorte ou destino

Tereza sentia a necessidade de aprender pelo olhar, a única maneira que conhecia, sua única escola. Seu pai, vindo da simplicidade, não sabi...

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Olhos cansados de ver

Sempre estive oculta por dentro, nunca deixando transparecer a obsessão da minha alma, que, herege, flutuava dentro de mim como um pássaro sedento à procura de água, mesmo estando próximo de um rio. Precisava descobrir, sozinha, o ocultismo das mentes solitárias, que se embrenhavam em pensamentos, por vezes sombrios, sem deixar sinais visíveis.


Todos temos um cantinho secreto, um paraíso ou um inferno interior, algo inexplicável que nos impulsiona para o abismo da ansiedade. No início, há uma comodidade interna, como um despreparo psíquico, sem sentimentos claros. Com os anos, a mente desperta um desejo enorme de ser como os outros, e é nesse instante que nos perdemos de nós mesmos.


Temos fala, movimentos, cheiro, paladar, audição, visão ocular, objetos que aprendemos a manusear, mas não sabemos ler nosso livro interno. Assim, nunca aprenderemos a lidar com o desconhecido do sentir. É como tentar andar na Lua sem nenhum equipamento que engane a gravidade. Temos leis, mas não as interpretamos, desconhecendo-as totalmente, assim como quem acredita em Deus, mas não no invisível.


Manusear com as mãos é fácil, mas lidar com os sentidos exige muita prática e envolve emoções. E como controlar as emoções sem perder o controle sobre nós mesmos? Como entender o que nos causa dor? Como compreender as diferenças nos resultados individuais nos campos afetivos e financeiros, quando ganhos e perdas afetam áreas que nunca aprendemos a operar?


Nesse contexto, talvez fosse melhor não ter consciência de nada. Ou melhor: consciência, todos temos, até os animais, mas seria bom ter uma consciência curta. Que não fôssemos donos do amor, mas que o amor fosse dono de nós. Que a vida nos levasse ao ponto onde viver fosse necessário e nos trouxesse de volta quando fosse preciso.


Hertinha Fischer





















quinta-feira, 17 de julho de 2025

Dia artificial

Sempre sem estilo ao me vestir, minha alma é o verdadeiro manto. Venho de um tempo em que as coisas eram feitas para durar, talvez por isso meu olhar carregue tanto. Eu desvendava a mágica das sombras — o olhar parcial do dia e o completo das horas. À noite, escondia as cores sob o tapete, preservando as sombras, quebradas apenas pela fraca luz da lamparina a querosene. Lá fora, os sons arrepiantes das formas assustadoras; até o silêncio parecia sussurrar.


A lua cheia espiava pelos buracos da parede, trazendo conforto ao revelar que nada estava totalmente oculto na escuridão. Só então eu ousava sair debaixo do cobertor, aproveitando a luz daquele olhar lunar. O canto generoso do galo me despertava com expectativa para viver, pois dormir era como morrer por algumas horas. O sol espalhava sua luz, dissipando as sombras e devolvendo cores aos jardins, vozes às galinhas e alegria às abelhas. O espírito humano se preparava para brilhar.


Ah, que nostalgia. Já não há escuridão na noite; a cidade vive num eterno dia artificial. Agora, quem me acorda são os motores, sem asas, apenas o ranger dos pneus no asfalto. E o olhar da lua já não atravessa mais minhas paredes.






sábado, 12 de julho de 2025

Lágrimas de sol

E aquele chão encantador que acariciava os pés, coberto de pó vermelho, brincava de rachar os calcanhares, adentrando e colorindo os sulcos. A relva, pela manhã, soletrava gotas como lágrimas do sol, poetizando o amanhecer. O verde das minhas íris refletia as folhas trepadeiras que dançavam ao vento. O coração, em um frenesi, parecia saltar pela boca. Quantas histórias estariam ali, esquecidas por quem passava? Minha imaginação as buscava em cada vala aberta. Ali, árvores lendárias contavam os anos em anéis, enquanto orquídeas choviam como ouro puro sobre os troncos. Reunidas no presente, carregavam consigo o passado. Eu, ainda presente, caminhei entre elas, sentindo o prazer de estar ali. Talvez eu também já tenha sido passado, retornando à minha essência, girando em torno do tempo.






sábado, 5 de julho de 2025

Leitura da vida

Às vezes, me sentia tão sozinha, como se estivesse em um mundo só meu.


Amava as pessoas, amava de verdade, mas o que estava perto parecia distante. Uso muito o termo "minhas estradinhas," minha verdadeira amiga que me incentivava a seguir em frente. Queria conversar, aprender com quem sabia, mas não tinham tempo para mim. Então, eu ia, meio que tateando, segurando aqui e ali, até encontrar onde estavam as coisas. E elas surgiam, escondidas dentro da imaginação. 


Quantas vezes o rio soletrava poesia, enquanto as ramadas espalhavam encantos entre as árvores, e eu descobria novos modos de amar. Quantas fantasias se misturavam às minhas andanças, quase se fundindo com a realidade. O espaço que meus pés ocupavam guardava mais histórias do que o próprio caminhar, contando de sonhos distantes que ainda me esperavam. A prova estava no horizonte. 


À noitinha, quando tudo parecia adormecido, as luzes ao longe brilhavam como pontos luminosos em céus desconhecidos, apontando mundos a serem explorados. Às vezes, eu era a princesinha dos olheiros das formigas, outras vezes, a raposa tentando caçar a esperteza. As descobertas eram vagas, os ouvidos atentos aos sons, ao sutil falar do sertão já marcado pelas plantações. A semente que rasgava a terra, tão frágil e forte ao mesmo tempo, emergia, ganhando formas e cores, como se já conhecesse o caminho planejado. 


De repente, quase tudo me parecia familiar. Tudo fazia sentido, até o que eu não sabia parecia conhecido. Interpretava cada olhar como quem lê um texto bem escrito. A mente, eu pensava, depende de como a usamos, da curiosidade com que buscamos conhecimento. A vida é um livro aberto, pronto para qualquer pessoa que ousa lê-lo sem preconceitos.

Hertinha Fischer