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Ciranda noturna

  E as formosas tardes, roubando o encanto da manhã, A sorrir sol entre as árvores Meu recanto, colorindo a relva com giz amarelo. E a luz s...

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Andando sobre nuvens

Lá estava eu, entre os lençóis
amarrotados, deitada sobre um
colchão velho, estendido
no ladrilho da sala.
Tinha um vazio em mim,
tão grande quanto o vazio dos
quatro cômodos que compunham a casa.
Cheguei do trabalho, cansada e com fome,
ninguém a me esperar, só a presença
solitária de um minúsculo
rádio de pilha  a me fazer companhia.
Tocava um musica serena, que falava
de amor, me enchendo de nostalgia.
Eu era completamente só, embora fizesse
parte de uma grande família.
Meu pai acabara de comprar aquela casinha,
era dividida em duas, parede com parede,
minha irmã mais velha, o marido e uma filhinha
moravam do lado esquerdo, enquanto eu,  que, por
força maior, fiquei do lado direito, para que, pelo
menos tivesse onde dormir.
Não tinha móveis nem nada,
só paredes e janelas quebradas.
Eu sonhava com um amor, para poder, pelo
menos,me arrancar daquela solidão insuportável que
se tornara minhas noites, quando descia sobre
mim, uma nuvem negra de completa tristeza.
Me sentia como um pequeno barco a deriva,
num mar imenso de incertezas e desalento.
Durante o dia, me distraia no trabalho, embora
fosse um trabalho duro em chão de fábrica, que
me tirava muita energia, tanta, que, quando entrava
naquela casa, nada parecido com um lar, eu
me jogava sobre o colchão, e para esquecer a fome,
me entregava aos sonhos mais loucos.
Muitas vezes, quando a música que ouvia, falava de
amor, eu divagava, me entregando a letra como
se a tivesse vivendo.
Minha realidade não tinha nada de felicidade, era
completamente escassa de sentimentos, a única forma
de sobreviver foi me identificando com a dor, e
quanto mais doía, mais eu me entregava a ela, como
se fosse um porto seguro.
Chorava tanto, que meus soluços me sufocavam, e o
peito parecia explodir dentro de mim.
Eu procurava por amor, em lugares e pessoas desconhecidas, pois
a minha família parecia não estar nem ai.
Sempre fui muito necessitada de carinho, e sempre vivi a sombra, dei muito
de mim, e só recebia migalhas,
Talvez, pela forma em que fui criada, e pela forma em que meus pais
viviam, eles eram pouco sentimentais, nunca deixavam transparecer
preocupações em relação aos filhos.
Como patinhos abandonados, eu e minhas irmãs vagávamos pelas margens da vida,
catando sementinhas para subsistir.
Sai de casa aos quatorze anos de idade, e fiquei vagando, trabalhando aqui e ali,
para um e para outro, morando em pensões, e muitas vezes, sem ter nem o
que comer.
Meu pai, um descendente de alemão, casara-se muito cedo, e minha mãe tinha apenas dezesseis anos.
As obrigações de dona de casa, e mãe de cinco filhos, a desgastou a tal ponto, que acabou adoecendo.
Quando meu pai percebeu que já tínhamos idade suficiente para encarar a vida e a sobrevivência, sozinhos, simplesmente, nos descartou, assim, como quem descarta um estorvo.
Cada um rumou para um lado, e duas de minhas irmãs se casaram, para poder fugir da situação ruim.
Eu, era mais jovem, nunca faria nada para me encostar, nem tão pouco usaria outra pessoa como
escora. modéstia a parte, eu era bem mais inteligente que isto.
Então, eu trabalhava, muitas vezes na condição de escrava, mas, pelo menos, tinha onde comer.
Com pouco estudo, mas muita  necessidade de trabalhar, não foi difícil arrumar emprego de garçonete, morando nos fundos da lanchonete entre garrafas vazias e solidão.
Assim se passaram dois anos, até que consegui emprego numa fábrica. Então, as coisas começaram a melhorar.
Morei com uma boa família, por dois anos, me tratavam bem, só que eu precisava arrumar um lugar que fosse meu, que não precisasse depender tanto dos outros, pois sempre me senti uma intrusa.
Foi então, que, milagrosamente, meu pai comprou uma casa, E no primeiro instante, não tendo
quem cuidasse dela, ele a ofereceu a minha irmã mais velha. Como a casa era razoavelmente grande, antes que ele a alugasse para alguma pessoa, eu mudei-me para lá. Depois, provavelmente,eu teria que sair, já sabia disso.
No entanto, a noite era um transtorno, quando os fantasmas me alucinavam, como mariposas
a procura de luz me cercavam, quase que, me reduzindo a nada. se é que eu pudesse me considerar
alguma coisa.
Quando a luz do dia se despedia para encontrar-se em outros mundos, e a noite despertava para
me contar as dores, para aterrorizar-me em cada segundo que meus olhos cansados, lutavam por descanso, eu ficava paralisada por meus medos.
Um medo fantasioso, minha mente cruelmente me fustigava com seus vultos, tudo a minha volta criava vida. Era como se eu e o mundo fossemos uma coisa só, Pelo menos, era assim que me sentia,
As paredes se mexiam, as janelas estavam cheias de enxames de seres incompreensíveis, que por entre os vidros quebrados se espremiam, de uma forma tão real, me atacavam.
Eu fechava os meus olhos com tanta força, que me ardiam as pálpebras, e os sons que estes seres bramavam, me deixavam louca.
Talvez representassem os sons que não havia em minha vida. Já tão apagado o som da voz da minha mãe, me acariciando, o som da voz do meu pai, me apoiando, e o sons da voz de meus irmãos, tão longínquo, embora perto, tão ausentes pelas suas próprias preocupações.
As pessoas acabam se esquecendo de tudo, quando estão tão apegados ás suas próprias realizações.
E comigo não poderia acontecer diferente, foi-se os anos em que tínhamos alguma conexão. Quando ainda sonhávamos juntos, a família reunida num mesmo parecer e num mesmo propósito, cantávamos juntos, uma mesma canção.
Agora, o mundo nos colocara em posições diferentes, e infelizmente, disputávamos uns contra os outros, quem poderia se dar melhor no campo da vida?
E, eu perdia!
Sempre perdi.  Desde criança.  Por ser de menor porte, por não conseguir disputar com eles com a mesma garra. eu preferia perder do que ver nos olhos deles a decepção.
E agora, fechada neste quarto, esperando ansiosamente pela luz do dia, quando todos os fantasmas pudessem se fecharem dentro da noite, e não mais sair, não podia contar com ninguém.
Esse tempo que nos escapa, que nos dirige, e que acaba por nos transformar em seres errantes, em seres totalmente sós.
No trabalho, eu até que me divertia, todos aqueles pesadelos ficavam para trás, contidos na memória,
mas que, só adquiriam poder ao escurecer.
Rezava para que o dia nunca terminasse, e,  eu,  não precisasse entrar por aquela porta novamente, mas, o que fazer?
Não era dona do tempo, nem dona de mim.
Logo que me deitava naquele chão frio, a fantasia se instalava. Quando todos os sons da rua se
calava, quando todos pareciam dormir, eu tentava desesperadamente sair de mim, e quanto mais
queria, mais não conseguia.
Os olhos pareciam pesados demais para relaxar, o corpo leve demais para se deitar, então, na minha imaginação eu podia voar, só que em meus voos, raramente, me sentia tranquila. não havia paz.
Pensava naquelas almas penadas, parecia que estavam todas ali, me cercando, como se me quisessem
levar. Não havia abrigo que as deixassem de fora, elas travessavam paredes, e mesmo que não pudessem atravessar, minhas janelas continuavam abertas.
Deixava o radio ligado, e via claramente morcegos dançando sobre o som de cada música, mesmo de olhos fechados, continuavam me assombrando.
Em alguns momentos, eu sentia que estava com um peso no estomago, tinha os braços que pesavam
uma tonelada, e ao tentar me mexer, não conseguia.
Isto se estendeu por longos quatro anos, mesmo quando me mudei para um quartinho ao fundo, quando meu pai alugou aquela casa, e eu tive que me mudar.
Eu pensava que tudo também mudaria, afinal, estava cercada por apenas quatro paredes, me sentia mais segura agora.
Comprei um fogão, um guarda roupa e uma cama de solteiro, preenchi aquele comodo, para que menos fantasmas coubessem ali. Mas, de nada adiantou.
Era como se dormisse sobre uma lápide fria, e os túmulos me assombravam, a ponto de me levar quase a loucura.
Fui, aos poucos, me rendendo ao medo, até descobrir, que, eles estavam dentro de mim, o que me assombrava não existia de fato. eu os criava, e, eles tomavam  forma, porque eu acreditava que realmente existiam.
Ao me sentir desprotegida por estar sozinha, e ao acreditar que ninguém me amava, criei dentro de mim aqueles seres, que figuravam o que eu sentia por dentro, completo abandono.
Comecei então a me distanciar de pensamentos negativos, e pensava na luz, relaxava quase como uma criança em colo de mãe,e assim, ficava cada vez mais fácil dormir.
Não digo que não tenha entrado num estado depressivo, pois para chegar a claridade das coisas,antes eu tive que conhecer a escuridão que me dominou.
E a escuridão dentro de mim era imensa, precisei buscar forças fora de mim, para entender, enfim,
que eu mesma era responsável pelas minhas noites mal dormidas.
Levou quase que um ano para fazer aquela faxina. retirei todo resquícios da mágoa que sentia em relação a minha família, comecei a fazer um curso de alegria, de como senti-la por mim mesma, sem precisar que outro a semeasse. Passei a acreditar mais em mim.
Também coloquei na cabeça, que tudo que eu conseguia ver na luz, era exatamente o que existiria no escuro, andava apalpando cada coisa, cada móvel, e não tropeçava em nada que ali não existisse materialmente. Então, como mágica, minha cabeça foi voltando ao normal.
Os pesadelos diminuíam a cada noite, até sumirem por completo.
e mesmo quando assisto algum filme de terror, só me arrancam sorrisos, nada mais faz levantar os meus cabelos nem arrepiar meus pelos.
Não me sinto abandonada, meus pais apenas me deixaram ir, para que eu pudesse escrever a minha história, meus irmãos, igualmente, fizeram as sua vidas, só não podiam me incluir nela.
E o passado, já muito distante, não me trazem nenhum terror. Só lembranças de um tempo em que
eu estava enterrada viva dentro de um caixão de fanatismo. Fanatismo pela auto-piedade.
Me tornei uma pessoa tão mais forte, capaz de passar tanta experiência para os meus filhos, que eles,
até me chamam de ninja!
Herta Fischer (Hertinha)






























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