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Luz azul

  Quando olhava o que ele fazia, ficava extasiada. Era capaz de fazer qualquer coisa andar, especialmente, quando manejava seu tempo. Era me...

terça-feira, 19 de maio de 2015

Bebendo da minha taça

Não me lembro bem quando comecei a
 ter consciência das coisas,
parece que Deus desenvolve diferentemente o tempo de cada um.
Alguns se desenvolvem precocemente, enquanto outros, demoram
mais para perceberem o que acontece ao seu redor.
Me lembro que, aos três anos de idade, eu estava meio que alheia
ao meu tempo e limite, quando percebi que minha irmã caçula revirava
os olhos, debruçada sobre um caixote, enquanto olhávamos um
pequeno avião passar.
Ela estava arroxeando como um cacho de uva a amadurecer, eu
fiquei espantada com  a sua cor, nunca vi nada igual. Gritei com toda
a força que existia em meus pulmões, como se pudesse chamar a atenção
de Deus, para que viesse em meu auxilio.
Minha mãe chegou primeiro, e ao vê-la quase que a morrer, apenas gritava e
se esperneava como um veado ferido, rolava ao chão entre lágrimas e soluços,
 deixando a situação mais pavorosa ainda. Sobre meu olhar de criança, a primeira
vista, consciente, eu fiquei abobada, aquilo me pareceu irreal.
Por sorte, aonde se precisa sempre existe um anjo, e esse anjo apareceu na
pessoa da dona Francisca, uma mulher piedosa que vivia na proximidade da
nossa casinha.
Ela chegou, e como uma rocha se pôs a fazer o necessário, colocou a minha
irmãzinha nos braços, e com suas mãos milagrosas, massageava o seu pulso quase
que inaudível e sem pressão.
Aos poucos, vi a vida voltando, minha irmã abriu seus olhinhos devagar,
 meio sem brilho,
Ela só tinha um aninho, tão pequena e tão frágil, mais parecia um botão de rosa
pálida ao nascer do sol.
Após algum tempo de pavor, ela enfim, voltou a sorrir,  e eu sem entender bem o que se passou, voltei a brincar com ela.
Engraçado como a gente guarda certos eventos na memória, como se o tempo não fizesse
tanta questão de apagar.. ainda sinto o cheiro de terra molhada, e a dor de ver minha mãe chorando,
a bondade de dona Francisca estampado em seu rosto, e minha irmã recebendo a ação
do milagre da restauração de sua vida.
Depois seguimos em frente como se nada houvesse, a não ser o doce momento a se seguir,
como premio conquistado, e a vida se pôs em seu eixo.
Só que as crianças, estão tão suscetíveis aos riscos, que certas situações exigem, eu fiquei com
minhas marcas. comecei a ter medo de chuva, assim, tão repentinamente.
Começava a sentir cheiro de chuva, minha barriga doía, e começava então um ritual. catava tudo que via a frente: galhos, roupas velhas, latas usadas e as recolhia em nosso paiol.
Todos riam do meu jeito, sem saber o tamanho da minha agonia, pois eu sofria demais com aquilo.
Eu queria proteger. eu precisava proteger, não sei o por que, mas eu precisava recolher tudo aquilo
para me sentir em paz.
Não sei ao certo, quais foram os motivos desse pânico, só sei que, por muitos anos, eu
tive muito medo de chuva. As vezes, a chuva se formava, me pegando longe de casa, e, eu corria, parecia criar asas nas pernas, e ao chegar em casa, me punha a guardar tudo que encontrava.
O tempo passou e aos poucos, esse medo fi diminuindo, ainda não estou totalmente curada, mas,
pelo menos, nuvens negras não me fazem correr.
Quando ameaça cair chuva, eu me controlo, fico com medo, mas não entro em pânico, penso que
não posso controlá-la. Ainda fico de lá para cá, até que passe, e quando alguém não está em casa, eu
fico desesperada, por não saber o que esta acontecendo.
Acho que sou controladora, e situações que não posso controlar me metem medo.
Estou lutando contra isto, aprendendo a confiar que, tudo se faz a sua maneira, independente de estar presente, ou não.
Quanto a minha irmãzinha. Ela já está com cinquenta e dois anos, se casou e tem dois filhos, vive
bem e tem saúde.. aquela fase de ataques passou.
E eu, eu estou aqui! Tentando lidar com meus medos, as vezes, tenho recaídas, mas estou
bem.
Hertinha



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